Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Iakima Delamare (UFMG)

Minicurrículo

    Iakima Delamare é mestranda em comunicação na UFMG onde pesquisa o cinema indígena Tikmũ’ũn_maxakali sob orientação do Prof.Dr. André Brasil. Atua como curadora e produtora de diversas mostras e festivais de cinema; produtora e editora de publicações sobre cinema e atualmente integra a equipe do Comitê de Cultura de Minas Gerais e é desenvolvdora de projetos na AIC -Agência de Iniciativas Cidadãs.

Ficha do Trabalho

Título

    O Cinema na Retomada Tikmũ’ũn_Maxakali

Eixo Temático

    ET 4 – HISTÓRIA E POLÍTICA NO CINEMA E AUDIOVISUAL DAS AMÉRICAS LATINAS E DOS BRASIS

Resumo

    Este trabalho analisa o cinema Tikmũ’ũn_Maxakali como tecnologia de salvaguarda da memória, em que os vínculos com os yãmîyxop, a terra e os ancestrais são atualizados por meio de cantos, imagens e narrativas orais. A partir da noção de tempo espiralar, propõe-se que o gesto de filmar atua como prática de escuta e continuidade, em que o cinema não apenas registra, mas compõe o próprio mundo que deseja manter vivo.

Resumo expandido

    Este trabalho busca compreender o cinema Tikmũ’ũn_Maxakali como prática de salvaguarda da memória, em que o gesto de filmar não se reduz à representação de uma cultura, mas opera como forma ativa de continuidade e atualização de vínculos com os yãmîyxop, os mortos, a terra e os saberes ancestrais. Ao invés de aderir a uma lógica narrativa linear e documental ocidental, os filmes realizados por Isael Maxakali, Sueli Maxakali e seus parentes constroem-se a partir da circularidade, da repetição ritualística e da convivência — modos de enredar passado e presente num tempo espiralar.

    Inspirado na concepção de tempo proposta por Leda Maria Martins, este estudo propõe que a salvaguarda da memória no cinema Maxakali não se dá como arquivo morto, mas como presença performada: cantar, contar e filmar são gestos que mantêm vivos os laços com os ancestrais e com o mundo dos yãmîyxop. A memória, nesse contexto, não é abstração, mas corpo, voz, imagem e território. Ela se inscreve nos cantos, na respiração do mato, na caminhada da câmera junto aos corpos. A câmera torna-se, assim, parte da malha sensível de relação que sustenta a vida coletiva — e não um instrumento externo de captação ou controle.

    Nos filmes Tikmũ’ũn_Maxakali, o ato de filmar é inseparável do ato de lembrar. Os cantos gravados, montados e projetados funcionam como tecnologias de continuidade, em que os saberes compartilhados oralmente se atualizam para as novas gerações. A memória se reencarna nas imagens e nas vozes que ecoam o tempo dos mais velhos, e a câmera opera como uma espécie de corpo-espírito, que participa da cena e escuta o tempo ancestral. Nesse cinema, o passado não é algo que se foi: ele permanece em retorno, em variação, em transformação — em presença.

    A Aldeia-Escola-Floresta, onde se formam jovens cineastas indígenas, é parte desse processo ampliado de salvaguarda viva da memória. O cinema, aqui, não aparece como instrumento posterior ou reflexivo sobre a retomada territorial, mas como parte integrante dela. Filmando-se as histórias, cantos e modos de vida, replantam-se os saberes. O cinema torna-se território, gesto pedagógico e espiritual, compondo com a floresta, com os mais novos e com os mortos. Em vez de representar o mundo Tikmũ’ũn_Maxakali, os filmes o fazem existir e persistir — nos corpos, nos ritmos e nos modos de ver.

    O conceito ocidental de patrimônio imaterial, ainda que útil em alguns contextos institucionais, é aqui radicalmente deslocado. Não se trata de “preservar” algo fixo, mas de fazer viver algo em constante movimento, repetição e atualização. O cinema Tikmũ’ũn_Maxakali salvaguarda porque canta, porque encarna, porque se deixa atravessar pelos yãmîyxop. Nesse sentido, a imagem não documenta a memória, mas a prolonga; não fixa os saberes, mas os reencena, dando-lhes novo fôlego.

    Conclui-se, portanto, que o cinema Tikmũ’ũn_Maxakali opera como uma forma radical de salvaguarda da memória que recusa os moldes coloniais e institucionais de fixação cultural. Ao inscrever os cantos dos yãmîyxop, os gestos da floresta e as histórias do povo em imagens que são também corpos em relação, seus filmes nos convidam a pensar a imagem como prática viva, situada e coletiva de reexistência. Nesse cinema, lembrar não é apenas manter o passado, mas renovar os vínculos que sustentam o presente — e, assim, continuar a sonhar com o mundo.

Bibliografia

    ÁLVARES, M. M. Alteridade e história entre os Maxakali. Tese — UFSC, 2018.
    ÁLVARES, M. M. Yãmiy, os espíritos do canto: a construção da pessoa na sociedade maxakali.
    Dissertação — UNICAMP, 1992.
    Brasil, A. Caçando capivara: com o cinema-morcego dos Tikmũ’ũn.
    Brasil, A. (2021). Fragmentos de um cinema-jibóia Tikmu’un. Cosmologias Da Imagem: Cinema De Realização Indígena.
    Brasil, A. O cinema-lagarta dos Tikmũ’ũn: teoria-prática das imagens xamânicas. Intexto.
    GUIMARÃES, C. O canto é a verdade dos lugares. In: ITALIANO, C. et al. (orgs.). Catálogo do forumdoc.bh.2020. Belo Horizonte: [s.n.], 2020. p. 157-160.
    MARTINS, Leda Maria. Performances do tempo espiralar: poéticas do corpo-tela. Rio de Janeiro: Cobogó, 2021.
    MAXAKALI, I. HÃHÃM OK NÃG XINĒM OK NÃG: Sem terra não tem cinema. Belo Horizonte: NPGAU, 2024.
    ROMERO, R. Numa terra estranha. In: DUARTE, D. R. et al. (orgs.). Cosmologias da imagem. Belo Horizonte: Filmes de Quintal, 2021.