Ficha do Proponente
Proponente
- Rafael Oliveira Carvalho (UNEB)
Minicurrículo
- Doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Universidade Federal da Bahia e mestre pela mesma instituição. Professor do curso de Jornalismo da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine), escreve para o Jornal A Tarde (Salvador) e para o site Moviola Digital. É curador das mostras competitivas de curtas-metragens do Panorama Internacional Coisa de Cinema e do projeto Cine Movimenta Centro.
Ficha do Trabalho
Título
- A bruxaria infantil como motriz do rearranjo familiar em A Sombra do Pai, de Gabriela Amaral Almeida
Seminário
- Estudos do Insólito e do Horror no Audiovisual
Resumo
- Propormos uma leitura sobre a figura arquetípica da bruxa a partir da protagonista infantil do filme A Sombra do Pai (2018), dirigido por Gabriela Amaral Almeida. Mais do que enquadrá-la no arquétipo feminino da bruxaria e mesmo redimensioná-lo, a partir das capacidades sobrenaturais e mágicas apresentadas pela garota, nos interessa entender como essa posição assumida pela criança agencia um desejo de rearranjo familiar, ainda que pela aceitação do macabro.
Resumo expandido
- A figura da bruxaria na sua corporificação feminina compõe um imaginário e uma série de representações, seja na literatura ou no cinema, que enquadra as mulheres em uma situação de poder (sobrenatural e social), mas também de figura assustadora, macabra e perversa. Segundo Carla Italiano e Juliana Gusman (2024), muitas obras ao longo da História elaboraram uma imagem da bruxa em “figurações que que tanto reforçaram perspectivas patriarcais e colonizadoras quanto defenderam a autonomia de corpos e desejos” (p. 41). As autoras resgatam proposição da pesquisadora Barbara Creed para quem a bruxa representa “o monstro feminino por excelência” (p. 44)
Propormos uma leitura sobre essa figura arquetípica a partir da personagem infantil protagonista do filme A Sombra do Pai (2018), dirigido por Gabriela Amaral Almeida. Dalva é uma criança que possui proximidade e atração por temas ligados à bruxaria, além de apresentar capacidades sobrenaturais afloradas. Ela acabou de perder a mãe e vive sozinha com o pai que, consumido pelo luto e pela incapacidade de lidar com a tarefa de criar sozinho a filha e zelar pela casa, sucumbe a um estado de letargia que o transforma em uma espécie de morto-vivo operário. Isso faz com que a pequena Dalva assuma uma postura de maior responsabilidade dentro de casa, dentro das possibilidades de uma criança e, mais que isso, passe a nutrir não apenas o desejo do retorno da mãe ao seio familiar, como agencia modos ritualísticos e mágicos de trazê-la de volta à vida.
Laura Cánepa (2025) observa que a figura paterna do filme está associada a uma representação do masculino como provedor (financeiro) da família e não como cuidador, tarefa relegada às mulheres – e mesmo assim dificilmente reconhecida como engrenagem dentro da lógica capitalista porque, mesmo não remunerado, é um trabalho que sustenta e subsidia a força de trabalho representada pelos homens (FEDERICI, 2017). Quando ao pai viúvo do filme homem é atribuído a responsabilidade de cuidar da filha, ele se desestabiliza e sucumbe, psicológica e fisicamente, entrando em um processo de zumbificação.
É a partir das capacidades sobrenaturais e mágicas de Dalva que passamos a entendê-la como uma versão possível de uma bruxa e/ou feiticeira, na interface com as crendices populares alimentadas por sua tia. No entanto, mais do que enquadrá-la no arquétipo feminino da bruxaria e mesmo redimensioná-lo na contemporaneidade, nos interessa entender como essa posição assumida pela criança agencia um desejo de rearranjo familiar, ainda que pela aceitação do macabro.
Dedicada ao campo do horror, do fantástico e do insólito, a obra de Gabriela Amaral Almeida trafega pelo cinema de gênero de modo muito direto e referencial, no que pode ser enquadrado no que Cánepa (2016) chama de horror militante, ao se pensar a produção audiovisual brasileira das últimas décadas feito por cineastas que cultuam um cinema de gênero que fez parte do seu reportório cinéfilo, articulando-o e atualizando-o nas suas realizações contemporâneas. A própria diretora costuma afirmar que, assim como Dalva, ela também foi uma criança que passava as noites assistindo a filmes de terror na televisão, encantada pelas figuras monstruosas e sanguinárias.
Assim como acontecia em um dos curtas mais premiados da cineasta, Estátua! (2014), uma garotinha também aplicava seus dons sobre adultos. Porém, enquanto no curta conhecemos – e tememos – a criança a partir do olhar da babá grávida que se sente acuada pelo comportamento “estranho” da menina, em A Sombra do Pai é a partir do olhar da criança que enxergamos a desestruturação familiar. De qualquer forma, são personagens infantis que agenciam poderes sobrenaturais, seguindo uma tradição de crianças com dons mágicos, outro arquétipo muito visitado no cinema de horror (TELES, 2019).
Bibliografia
- CARROLL, Noël. A filosofia do horror ou paradoxos do coração. Campinas, SP: Papirus, 1999.
CÁNEPA, Laura. Quem ama cuida. In: SALDANHA, Beatriz (Org.). Mestras do macabro: as cineastas do horror ao redor do mundo (Catálogo de mostra). São Paulo: CCBB, 2025.
CÁNEPA, Laura. Configurações do horror cinematográfico brasileiro nos anos 2000: continuidades e inovações. In: João Batista Freitas Cardoso; Roberto Elísio dos Santos. (Org.). Série Comunicação & Inovação: Miradas sobre o cinema ibero latino-americano contemporâneo. São Caetano do Sul: Universidade de São Caetano do Sul, 2016, v. 8, p. 121-144.
FEDERICI, Silvia. Calibã e a bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva. São Paulo: Elefante, 2017.
ITALIANO, Carla; GUSMAN, Juliana (Orgs.). Mulheres mágicas: reinvenções da bruxa no cinema (Catálogo de mostra). Belo Horizonte, MG: Amarillo Produções Audiovisuais, 2024.
TELES, Diogo Oliveira. A órfã: cinema de horror, infância e feminino. Dissertação (Mestrado em Cinema e Narrativas