Ficha do Proponente
Proponente
- Luana Campos Ponchet (UFS)
Minicurrículo
- Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e bacharel em Cinema e Audiovisual pela Universidade Federal de Sergipe. Pesquisa a área de Fotografia de Arquivo e Narrativas Audiovisuais, a partir do Arquivo Central/UFS, na área de preservação e digitalização de arquivos institucionais em película. Integra o grupo de pesquisa LAVINT. Dirige documentários, como Entretempos, entremeios, fruto da iniciação científica e premiado no Festival Internacional de Cinema de Itabaiana (2024).
Coautor
- Greice Schneider (UFS)
Ficha do Trabalho
Título
- Quando a lacuna impulsiona a imagem de arquivo: caminhos para uma prática arquivística no cinema
Seminário
- Arquivo e contra-arquivo: práticas, métodos e análises de imagens
Resumo
- O trabalho explora os caminhos percorridos na feitura de um cinema de arquivo a partir das ausências e rastros deixados pelas fotografias anônimas provindas do acervo institucional da UFS. Exploramos as lacunas e os gestos de ressignificação dessas imagens a partir de um duplo movimento: uma contextualização histórica baseada na trajetória e materialidade das imagens (Blank e Machado, 2020) e o seu potencial de ressignificação, a partir da perspectiva de imagem-montagem de (Didi-Huberman, 2020).
Resumo expandido
- Arquivados em caixas amarelas de revelação da Kodak, separados por dossiês em forma de envelopes de cartas, irrompem inúmeras fitas de negativos revelados em meio a um pequeno arquivo institucional. Localizado no menor estado do país, o Arquivo Central da Universidade Federal de Sergipe conta com mais de 19.000 negativos em seu acervo, contendo a memória visual da UF e do estado. O mecanismo de arquivamento das películas é sintetizado por meio do inventário Acervo Fotográfico do Projeto de Resgate da Memória da UFS formulado em 2022 pelo arquivista Alexandre da Silva Conceição, falecido no mesmo ano. O documento informa apenas o evento que originou as fotografias, resumindo em uma legenda superficial o contexto histórico da imagem. Em alguns casos, ainda é informado o ano, em outros é impossível cravar a temporalidade de captura. Não há informações sobre os fotógrafos ou o nome das pessoas retratadas. A partir deste arquivo anônimo e lacunar em sua essência, foi realizada a pesquisa Contando Histórias com Arquivos Fotográficos, finalizada em 2024, que deu origem ao filme Entretempos, Entremeios, documentário feito a partir das fotos de arquivo que reconstitui e tensiona a história do Centro de Cultura e Arte (CULTART) em Sergipe, vencedor do Festival Internacional de Cinema de Itabaiana.
A partir dessa experiência concreta de pesquisa dos arquivos e montagem do filme, o presente trabalho pretende explorar os caminhos percorridos na feitura de um cinema de arquivo a partir das lacunas deixadas pelas fotografias anônimas provindas de acervos institucionais. O foco, neste trabalho, é discutir como as lacunas e rastros deixados por essas fotografias desempenham um papel propulsor para a métodos de análise e montagem das imagens a partir de sua materialidade e de suas origens para fundamentar a narrativa fílmica documental.
A apropriação de imagens preexistentes, aqui, não se limita mais à uma reflexão sobre a memória enquanto passado, sendo prática comum em trabalhos de artistas e pesquisadores contemporâneos como Azoulay, Hartman, Lindeperg, Blank e Machado. Buscamos examinar os gestos de apropriação dos arquivos explorando a natureza dinâmica do tempo da imagem fotográfica (Lissovsky, 2014), ativando as possibilidades de recontextualização e fabulação (Hartman, 2020) a partir dessas imagens. Nesse movimento, a metáfora de “palimpsesto” (Lindeperg, 2013) para contemplar as múltiplas camadas de sentido presentes na reutilização dessas imagens de arquivo é tensionada pela lida com essas ausências e lacunas, reimaginando uma vida própria dessas imagens a partir da própria pesquisa. Pretendemos explorar a potência das lacunas do arquivo e operar os gestos de ressignificação dessas imagens baseados em perspectivas dissidentes. Assumimos aqui, com Farge, a postura cuidadosa diante deste lugar enigmático que “é uma brecha no tecido dos dias, a visão retraída de um fato inesperado” (2022, p.14).
O trabalho propõe então um duplo movimento. Em um primeiro momento, a contextualização histórica é realizada a partir da lida com a própria materialidade da imagem, considerando o estado de conservação dessas fotografias e as próprias lacunas enquanto pistas e vetores. Foi necessário confrontar as imagens, lançando mão do cruzamento de outros documentos, para identificar o contexto de feitura das imagens. O segundo momento foi dedicado ao desenvolvimento do seu potencial de ressignificação e montagem, de juntar, como diz Didi-Huberman, restos de coisas sobreviventes, heterogêneas e anacrônicas. O filme é realizado a partir de uma perspectiva da imagem-montagem (2020) como um horizonte metodológico para lidar com esse “imenso e rizomático arquivo de imagens heterogêneas difícil de dominar, de organizar e de entender, precisamente porque seu labirinto é feito de intervalos e lacunas tanto como de coisas observáveis” (2012, p. 211).
ENTRETEMPOS, entremeios. Direção L. Campos. Sergipe: Temos Um Ponto, 2024. https://tinyurl.com/2y39t8fy
Bibliografia
- AZOULAY, A.A. História potencial: desaprender o imperialismo. Ubu, 2024.
BLANK, T.; MACHADO, P.. Em busca de um método: entre a estética e a história de imagens domésticas do período da ditadura militar brasileira. Intercom, v.43, n.2, p.169-183, 2020.
DIDI-HUBERMAN, G. Imagens apesar de tudo. S. Paulo: Ed.34, 2020.
DIDI-HUBERMAN, G. Quando as imagens tocam o real. PÓS, p. 206-219, 2012.
FARGE, A. O sabor do arquivo. Edusp, 2022.
HARTMAN, S. Vênus em dois atos. Eco-Pós, v. 23, n. 3, p. 12–33, 2020.
LINDEPERG, S. La voie des imagens: quatre histoires de tournage au printemps-été 1944. Paris: Verdier, 2013.
LINS, C; BLANK, T. Filmes de família, cinema amador e a memória do mundo. Significação: Revista de Cultura Audiovisual, v. 39, n. 37, p. 52–74, 2012.
LISSOVSKY, M. Pausas do destino. RJ: Mauad, 2014.
MACHADO, P. Do Arquivo à montagem: uma análise da produção e usos de imagens públicas e domésticas dos anos da ditadura militar no Brasil. Estudos Históricos, v.36, p. 92-111, 2023.