Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Luciana Corrêa de Araújo (UFSCar)

Minicurrículo

    Pesquisadora, professora de cinema e audiovisual na Universidade Federal de São Carlos. Mestre e Doutora pela ECA/USP, publicou os livros “A crônica de cinema no Recife dos anos 50” (1997), “Joaquim Pedro de Andrade: primeiros tempos” (2013) e “Towards an Intermedial History of Brazilian Cinema” (2022), este coeditado com Lúcia Nagib e Tiago de Luca. Entre outros trabalhos, colaborou na “Enciclopédia do cinema brasileiro” (2000) e no livro “Nova história do cinema brasileiro” (2018).

Ficha do Trabalho

Título

    Gilka Machado e a coluna “Cine-Rio” (1918): crônicas de cinema da jovem poeta

Resumo

    Em 1918, depois de ter publicado dois livros de poemas que chamaram a atenção tanto pela qualidade literária quanto pela carga erótica, a poeta Gilka Machado assinou entre os meses de março e abril a coluna diária “Cine-Rio”, no Rio-Jornal. Nos textos, o que se destaca é a experiência de ir ao cinema – incluindo não só os filmes, mas sobretudo os comentários e reações de personagens (reais e inventados) e da própria Gilka, em abordagens próximas ao estilo simbolista e sensual de sua poesia.

Resumo expandido

    A pesquisa sobre a crítica de cinema realizada por mulheres no Brasil ainda é bastante incipiente. Sobre o período do cinema silencioso, conheço apenas o artigo de Rafael de Luna Freire (2018), “Críticas de cinema mulheres na primeira metade do século XX: Apontamentos para uma História ou Zenaide, Rachel e Sylvia”, que, apesar de mais focado nos anos 1930 em diante, menciona os escritos sobre cinema da jornalista Zenaide Andrea a partir de 1929, na revista Frou Frou.

    É valioso, portanto, encontrar textos dedicados a cinema escritos em 1918 pela jovem poeta Gilka Machado. Por um breve espaço de tempo, entre 21 de março e 19 de abril, ela assinou a coluna diária “Cine-Rio”, no recém-fundado periódico Rio-Jornal. No levantamento pouco aprofundado que realizei entre trabalhos dedicados à escritora, não foram encontradas referências a esta coluna de 1918. Tal lacuna pode ser explicada em boa parte pela dificuldade de acesso ao Rio-Jornal, que não está digitalizado nem disponível na Hemeroteca Digital. É preciso consultar os exemplares impressos, e já bastante frágeis, no acervo da Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro.

    Em 1918, Gilka lançaria “Poesias, 1915-1917”, incluindo poemas de seus dois livros anteriores, “Cristais partidos: poesias” (1915) e “Estados de Alma” (1917), que a tornaram conhecida tanto pela qualidade literária quanto pela ousadia erótica de seus versos. Embora com um tom mais coloquial, seus escritos sobre cinema muitas vezes espelham o estilo simbolista e sensual de sua poesia, focando em experiências potencializadas pelo “aguçamento dos sentidos” (Gotlib, 2016, p. 8), seja abordando filmes ou descrevendo as reações que provocam nos espectadores e nela mesma, através de comentários em primeira pessoa ou em diálogos com conhecidos e também com personagens aparentemente fictícias (todas mulheres).

    Traços marcantes da poesia simbolista, a expressão dos sentimentos e o recurso à sinestesia caracterizam os escritos de cinema de Gilka desde a primeira coluna, quando ela define o filme como “a ópera do olhar”, pois “pelo silêncio sensorial das telas vagueiam ritmos, em fermatas, crescendo e smorzandos, vibram nele as criaturas, enchendo nossos olhos de harmonia” (Machado, 1918, p. 4). Conclui a primeira coluna em estilo superlativo: “E o filme vai passando, breve, breve, como uma sucessão de pensamentos desordenados, nervosos, em voluteios de prazer, em convulsões de agonia e espasmos de lirismo…” (idem).

    Pelas características dos seus textos, que estão longe de ser resenhas dos filmes em cartaz, Gilka pode ser considerada não exatamente uma crítica e sim uma cronista de cinema. Sua coluna é um desdobramento em prosa de sua produção poética, tomando como tema os filmes e a experiência de frequentar as salas de cinema. Ao conferir ênfase especial ao trabalho das atrizes e à expressão de opiniões e sentimentos femininos, Gilka reforça seu compromisso com a emancipação feminina, questão candente na época, que movia sua criação artística e também marcava sua inserção social, a exemplo da participação ativa que teve no Partido Republicano Feminino, do qual foi sócia, secretária geral e subdiretora entre 1910 e 1915.

    O levantamento e análise dos escritos de Gilka Machado sobre cinema contribuem não só para os estudos sobre a inserção das mulheres no pensamento crítico ao longo da história do cinema no Brasil como também para o conhecimento sobre uma atividade pouco ou nada discutida dentro da produção literária e jornalística desta escritora singular.

Bibliografia

    FREIRE, Rafael de Luna. “Críticas de cinema mulheres na primeira metade do século XX: Apontamentos para uma História ou Zenaide, Rachel e Sylvia”. In: Anais do IV Colóquio de Cinema e Arte da América Latina e II Colóquio Cinema de Autoria Feminina: campos vadios, mitos minados. Niterói, 2018, p. 241-251.

    GOTLIB, Nádia Battella. “Com Gilka Machado, Eros pede a palavra (poesia erótica feminina brasileira nos inícios do século XX)”. Labrys, Études Féministes/Estudos Feministas, jan.-jun., 2016, p. 1-31.

    MACHADO, Gilka. “Cine-Rio”. Rio-Jornal. Rio de Janeiro, 21 mar. 1918, p. 4.