Ficha do Proponente
Proponente
- Luna Gonçalves Dalama (USP)
Minicurrículo
- Mestranda no Programa de Pós-graduação em Meios e Processos Audiovisuais da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Integrante do Laboratório de Crítica e Investigação Audiovisual (Laica), do Dep. de Cinema, Rádio e Televisão. Especialista em Mídia, Informação e Cultura pelo Centro de Estudos Latino-Americanos sobre Cultura e Comunicação (Celacc), da ECA-USP. Jornalista formada pela Universidade Federal de Santa Catarina, colaboradora da Revista E (Sesc SP) e da ABC.
Ficha do Trabalho
Título
- Nossos corpos, nossas telas: direitos reprodutivos, gênero e raça em filmes nacionais contemporâneos
Eixo Temático
- ET 1 – CINEMA, CORPO E SEUS ATRAVESSAMENTOS ESTÉTICOS E POLÍTICOS
Resumo
- Como gestar e criar novos mundos, com justiça reprodutiva, de gênero e racial? O cinema brasileiro tem apontado caminhos nesse sentido, seja em filmes de ficção – como “Levante” (2023) e “Aos nossos filhos” (2022) – ou em documentários – como “Incompatível com a vida” (2023). Esta apresentação pretende tratar de direitos reprodutivos, questões raciais e da população LGBTQIA+ nesses três filmes nacionais recentes, utilizando como embasamento teórico autoras como Federici, hooks e Iaconelli.
Resumo expandido
- O corpo humano tem sido utilizado pelo capitalismo como máquina de trabalho, e os corpos das mulheres se tornaram máquinas reprodutoras de mão de obra. Segundo Federici (2023, p. 27), “as mulheres, no desenvolvimento capitalista, sofreram um duplo processo de mecanização. Além de serem submetidas à disciplina do trabalho, remunerado e não remunerado, em plantações, fábricas e em seus lares, foram expropriadas de seu corpo e transformadas em objetos sexuais e máquinas reprodutoras”. A autora aponta, ainda, que “a criminalização do aborto institucionalizou a procriação involuntária e o controle estatal do corpo feminino” (p. 29). Para Federici, é preciso “reivindicar nosso corpo e nossa capacidade de decidir sobre nossa realidade corporal” (p. 16), e “história do ‘corpo’ deve ser interligada às histórias daqueles que foram escravizados, colonizados ou transformados em trabalhadores assalariados ou donas de casa não remuneradas, e às histórias das crianças” (p. 22).
Para discutir questões do corpo, gênero, raça e direitos reprodutivos no cinema brasileiro contemporâneo, foram selecionados três filmes recentes: “Levante” (2023), de Lilla Halla, “Aos nossos filhos” (2022), de Maria de Medeiros, e o documentário “Incompatível com a vida” (2023), de Eliza Capai – vencedor do Festival É Tudo Verdade em 2023.
“Levante” é um longa de ficção que debate o aborto a partir da perspectiva de uma adolescente negra, jogadora de vôlei e moradora da periferia. Sofia (Domenica Dias) vai ao Uruguai, em busca de um aborto legal, e nesse processo de tentar interromper a gravidez, numa corrida contra o tempo, a garota vira alvo de um grupo fundamentalista religioso. Venceu o Prêmio FIPRESCI no Festival de Cannes 2023 e o Festival de Roterdã em 2024. Segundo Cazé (2020, p. 51), apenas 7% de mulheres negras são personagens em 20 blockbusters nacionais lançados entre 1995 e 2014. Ou seja, “Levante” é importante não só porque toca na questão sensível dos direitos reprodutivos femininos, como também porque elege uma protagonista negra.
Já o documentário “Incompatível com a vida” trata da própria gravidez da cineasta, mesclada a depoimentos de outras mulheres que passaram por situações semelhantes. O feto de Eliza Capai foi diagnosticado com uma malformação considerada “incompatível com a vida”, e ela só conseguiu um aborto legal a tempo porque estava em Portugal nesse período. O filme aborda questões como interrupção da gestação, luto, políticas públicas e maternidade.
O terceiro filme a ser debatido na apresentação é o longa de ficção “Aos nossos filhos”, que trata de direitos reprodutivos da população LGBTQIA+. Tânia (Laura Castro) e Vanessa (Marta Nóbrega) são um casal que deseja ter um(a) filho(a), e Vanessa acaba cedendo o corpo para a fertilização in vitro. Mas essa decisão não é tão consensual quanto parece, pois Vanessa se ressente de tantas mudanças corporais, dos impactos na carreira promissora, de não poder tomar bebida alcoólica por nove meses (mais o período da amamentação), etc. Seria uma forma de satisfazer o desejo de Tânia e manter esse relacionamento? Paralelamente, a mãe de Tânia (Vera, personagem de Marieta Severo) não entende essa dupla maternidade, pergunta quem é o pai da criança, e por que as duas pretendem amamentá-la (quatro peitos para um único bebê?), entre outras questões que evidenciam uma mentalidade retrógrada. “Aos nossos filhos” pertence ao corpus da minha pesquisa de mestrado no PPGMPA da ECA-USP, em fase de finalização, sobre representações de maternidades no cinema brasileiro contemporâneo. A dissertação analisa outros três filmes: “Que horas ela volta?” (2015), de Anna Muylaert; “Benzinho” (2018), de Gustavo Pizzi; e “A mãe” (2022), de Cristiano Burlan.
Além de Federici e Cazé, a apresentação incluirá autoras como Kaplan (1992), Badinter (2011), Davis (2016), Zanello (2016), Gonzalez (2020), hooks (2023), Iaconelli (2023) e Tiboni (2023) para contextualizar e aprofundar os assuntos trazidos pelos filmes.
Bibliografia
- BADINTER, Elisabeth. O conflito: a mulher e a mãe. Rio de Janeiro: Record, 2011.
CAZÉ, Bárbara Maia Cerqueira Cazé (org.). Mulheres negras na tela do cinema. Vitória: Pedregulho, 2020.
DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. São Paulo: Boitempo, 2016.
FEDERICI, Silvia. Além da pele: repensar, refazer e reivindicar o corpo no capitalismo contemporâneo. São Paulo: Elefante, 2023.
GONZALEZ, Lélia. Por um feminismo afro-latino-americano. Rio de Janeiro: Zahar, 2020.
HOOKS, bell. Cinema vivido: raça, classe e sexo nas telas. São Paulo: Elefante, 2023.
IACONELLI, Vera. Manifesto antimaternalista: psicanálise e políticas da reprodução. Rio de Janeiro: Zahar, 2023.
KAPLAN, E. Ann. Motherhood and representation: the mother in popular culture and melodrama. London and New York: Routledge, 1992.
TIBONI, Marcela. Mama: um relato de maternidade homoafetiva. São Paulo: Jandaíra, 2023.
ZANELLO, Valeska; PORTO, Madge (orgs.). Aborto e (não) desejo de maternidade(s). Brasília: CFP, 2016.