Ficha do Proponente
Proponente
- Fabio Allan Mendes Ramalho (UNILA)
Minicurrículo
- Professor adjunto na Universidade Federal da Integração Latino-Americana, atua no bacharelado em Cinema e Audiovisual e no Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Estudos Latino-Americanos. Doutor em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco (2014) e mestre pela mesma instituição (2009). Membro do coletivo de realização audiovisual Surto & Deslumbramento. E-mail: fabio.ramalho@unila.edu.br.
Ficha do Trabalho
Título
- A estranheza do mundo em Memoria (Apichatpong Weerasethakul, 2021)
Resumo
- Nesta comunicação, proponho uma análise de Memoria (Apichatpong Weerasethakul, 2021) a partir da noção de estranhamento e suas reverberações nos estudos de cinema. A abordagem se centra nos procedimentos por meio dos quais o filme é capaz de suscitar uma apreensão inabitual do meio sensível. Busco examinar como certos elementos dissonantes (sons, eventos inexplicáveis) perturbam a protagonista em cena, desencadeando um singular senso de deslocamento e uma relação intensificada com o mundo.
Resumo expandido
- Em Memoria (Apichatpong Weerasethakul, 2021), acompanhamos uma série de situações nas quais se articulam modos diversos de relação entre um corpo em cena e o ambiente que o circunda. No filme, a figura de uma mulher insone — perturbada pela intrusão de manifestações físicas desorientadoras — é quem nos conduz ao longo desses encontros. Um som de origem desconhecida, que teima em perturbar o espaço-tempo diegético, bem como uma sucessão de eventos inexplicáveis, são alguns dos elementos dissonantes que dão forma ao deslocamento e à inquietude experimentados pela protagonista. Tais elementos catalisam outra atitude perceptiva diante do mundo, desvelando camadas insuspeitas de apreensão do meio sensível.
Para empreender esta análise, parto do conceito de estranhamento elaborado no texto clássico de Victor Chklovski (1976 [1917]) e suas reverberações nos estudos de cinema. Sob essa perspectiva, o filme se configura como objeto estético que, mediante procedimentos peculiares, suscita modos de relação intensificada com o mundo, atuando assim como vetor de singularização e desautomatização das sensações. Proponho percorrer também uma cadeia de associações entre o estranhamento e outras noções correlatas, como a desfamiliarização e a alienação. Interessa-me, igualmente, a evocação de certa qualidade alheia – ou mesmo “alienígena” – do cinema, conforme a expressão de André Gaudreault (2006) rearticulada por Annie van den Oever e Laura Mulvey (Oever; Mulvey, 2010). Ao longo da argumentação, buscarei ainda ensaiar certas aproximações entre o estranhamento e a noção de dissociação, retomando inquietações que motivaram o trabalho apresentado na edição passada do evento.
Ainda que a noção desenvolvida por Chklovski — conforme destacado por Alexandra Berlina (2020) — não deixe de suscitar a questão dos efeitos provocados pela obra no espectador, estabelecendo o que a autora chama de “implicações extratextuais” (Berlina, 2020, p. 48), minha análise privilegiará uma abordagem centrada nos procedimentos estéticos. Nesta comunicação, proponho uma leitura que, embora reconheça tais dimensões que concernem à situação espectatorial, adere ao entendimento de que o estranhamento se mostra mais produtivo quando analisado a partir de suas estratégias imanentes. Assim, o foco recairá sobre como a obra prefigura esses efeitos por meio de seus materiais específicos – a linguagem poética, nos casos analisados por Chklovski em seu texto; os sons e as imagens, no nosso caso.
Por fim, destaco que a produtividade do conceito de estranhamento para pensar o cinema — e, particularmente, o filme em questão — nos conduz a debates mais amplos dos estudos de cinema contemporâneos, como é o caso da tensão entre forma fílmica e experiência espectatorial (Brinkema, 2014). Diante disso, como um filme pode “dar forma” a uma experiência de deslocamento da percepção? E de que modo essa experiência se atualiza em nossa relação com a materialidade audiovisual? Em Memoria, o próprio corpo da protagonista se torna um catalisador de estímulos que desorganizam os seus limites, abrindo-o a uma perspectiva estranha, alheia, em suma, colocam-no em contato com uma espécie de alteridade radical que borra os contornos da realidade.
Bibliografia
- BERLINA, Alexandra. “Ostranenie: To Give Back the Sensation of Life”. RUS (São Paulo), São Paulo, Brasil, v. 11, n. 16, p. 43–66, 2020. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/rus/article/view/168820. Acesso em: 2 abr. 2025.
BRINKEMA, Eugenie. The forms of the affects. Durham: Duke University Press, 2014.
CHKLOVSKI, Victor. “A arte como procedimento”. In: TOLEDO, Dionísio de Oliveira (org.). Teoria da Literatura: Formalistas Russos (3ª ed.). Porto Alegre: Editora Globo, p. 39-56, 1976.
GAUDREAULT, André. “From ‘Primitive Cinema’ to ‘Kine-Attractography’.” In: STRAUVEN, Wanda (ed). The Cinema of Attractions Reloaded. Amsterdam: Amsterdam University Press, p. 85-104, 2006.
OEVER, Annie van den; MULVEY, Laura. “Conversation with Laura Mulvey”. In: OEVER, Annie van den (Ed.). Ostrannenie: on “strangeness” and the moving image. The history, reception, and relevance of a concept. Amsterdam: Amsterdam University Press, p. 185-203, 2010.