Ficha do Proponente
Proponente
- ANTOINE NICOLAS GONOD D ARTEMARE (ESPM-RJ)
Minicurrículo
- Antoine d’Artemare é doutor em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense (UFF, 2024) e mestre em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ, 2020). Formou-se em Cinema pela La Fémis (ENSMIS, 2010). Desde 2018, trabalha como professor no Curso de Cinema e Audiovisual da ESPM-RJ, onde leciona as disciplinas de fotografia. Seus principais temas de pesquisa são cinema e audiovisual, direção de fotografia, luz e biopolítica. E-mail: antoine.dartemare@gmail.com
Ficha do Trabalho
Título
- Diálogos entre a genealogia e o método de Warburg para o estudo das dimensões cristãs da luz
Seminário
- Estudos Comparados de Cinema
Resumo
- A apresentação surge de uma crise metodológica enfrentada em pesquisas recentes sobre a influência da colonialidade do poder e da cultura cristã na imagem cinematográfica latino-americana contemporânea, especialmente no imaginário luminoso concretizado pela direção de fotografia. A comunicação busca assinalar um problema metodológico e refletir sobre uma possível articulação entre a perspectiva genealógica (Foucault) e o pensamento das sobrevivências (Warburg) para ultrapassar esse impasse.
Resumo expandido
- A apresentação nasce de uma crise metodológica experimentada pelo autor em suas últimas pesquisas. Nelas, buscou-se compreender de que maneira a colonialidade do poder (Quijano, 2005) e, em particular, a cultura cristã podem influenciar, de forma consciente ou inconsciente, a produção imagética cinematográfica latino-americana contemporânea e, mais especificamente, as práticas da direção de fotografia e o imaginário luminoso por ela mobilizado.
Em um recente artigo, “Dimensões cristãs da luz em quando eu era vivo: estratégias e sentidos cristãos das luzes e das trevas no cinema de terror latino-americano (2025)” — trabalho que deriva dos questionamentos da apresentação no congresso da Socine de 2024 — buscou-se, por exemplo, questionar de que forma o imaginário luminoso mobilizado, concretizado e difundido pelo filme de Marco Dutra é atravessado por dimensões cristãs da luz e da sombra.
Para isso, partimos de algumas premissas da perspectiva genealógica, que considera a maneira como produções discursivas são capazes de produzir em paralelo determinados efeitos de produção histórica e determinadas relações de poder (Foucault, 1999). Ou, reformulando de forma mais específica, a perspectiva genealógica nos permitiu pensar como produções discursivo-culturais como a direção de fotografia podem ser consideradas a um só tempo como os efeitos e como os instrumentos de determinadas configurações históricas e de determinadas relações de poder — segundo a lógica foucaultiana de “efeito instrumento”. No artigo mencionado, partimos desses pressupostos para colocar em paralelo o filme de terror de Marco Dutra com diversas práticas e materialidades cristãs da luz que foram desenvolvidas no contexto da Europa antes do século XVIII (as lanternas dos mortos dos séculos XI ou XII; os aparatos ópticos do padre jesuíta Kircher do século XVII). Mas, ao invés de delinear uma ruptura entre as produções luminosas contemporâneas e as do passado, percebemos a existência do que poderíamos chamar de “sobrevivências” de alguns motivos e de algumas lógicas cristãos da luz (em particular, no que dizia respeito a sua possível instrumentalização econômica).
Ora, nossa crise metodológica vem justamente da contradição entre, por um lado, o olhar genealógico voltado para as rupturas e, por outro lado, a percepção de determinadas sobrevivências. De fato, a genealogia busca evidenciar determinados deslocamentos, determinadas rupturas históricas nos modos de subjetividade, nas relações de poder e nas produções discursivas. Trata-se, em suma, de uma abordagem pouco aberta à percepção de analogias e de continuidades de sentidos entre diferentes períodos históricos.
Os estudos sobre a colonialidade do poder, contudo, nos mostraram que, se é possível identificar deslocamentos históricos, alguns elementos da história parecem demoram em passar e “sobrevivem” a determinadas configurações históricas. Portanto, o que poderíamos chamar de “pensamento das sobrevivências” parece colocar (ao menos parcialmente) em dificuldade a ideia de uma plena ruptura histórica entre, por exemplo, o período colonial e os tempos presentes no território latino-americano.
Diante dessa situação, buscaremos, na comunicação, compreender de que modo é possível articular a perspectiva genealógica com o pensamento das “sobrevivências” — no sentido proposto por Aby Warburg (Burucúa, 2007; Didi-Huberman, 2013; Warburg, 2015) — a fim de argumentar a existência de padrões decorativo-simbólicos cristãos que atravessam, moldam e assombram, de forma consciente ou inconsciente, os imaginários luminosos concretizados pelas direção de fotografia. A apresentação busca, em suma, produzir uma reflexão metodológica a fim de trilhar um possível caminho para futuras pesquisas comparativas da imagem cinematográfica contemporânea com os elementos passados que a assombram.
Bibliografia
- BURUCÚA, José Emilio. Historia, Arte, Cultura: De Aby Warburg a Carlo Ginzburg. Buenos Aires: Fondo de cultura económica, 2007.
DIDI-HUBERMAN, George. A imagem sobrevivente: História da arte e tempo dos fantasmas segundo Aby Warburg. [s.l.] : Contraponto Editora, Museu de Arte do Rio, 2013.
FOUCAULT, Michel. Método. Em: História da sexualidade 1: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1999. p. 88–97.
FOUCAULT, Michel. Nietzsche, a genealogia e a história. Em: Microfísica do poder. Rio de Janeiro & São Paulo: Paz & Terra, 2019.
QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder, Eurocentrismo e América Latina. Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales (CLACSO), [S. l.], p. 117–142, 2005.
SOUTO, Mariana. Infiltrados e invasores – uma perspectiva comparada sobre as relações de classe no cinema brasileiro. Salvador: EDUFBA, 2019.
WARBURG, Aby. Histórias de fantasma para gente grande. Escritos, esboços e conferências. [s.l.] : Companhia das Letras, 2015.