Ficha do Proponente
Proponente
- Marcel Gonnet Wainmayer (PPGCine-UFF)
Minicurrículo
- É Doutor em Cinema e Audiovisual pelo Programa de Pós-Graduação em Cinema e Audiovisual da Universidade Federal Fluminense – PPGCine-UFF (2025). Possui Mestrado no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense – PPGCOM-UFF (2017). Possui Licenciatura em Jornalismo – Universidad Nacional de Lomas de Zamora, Argentina (2004). Integrante da Asociación de Documentalistas Argentinos (DOCA) e de Directores Argentinos Cinematográficos (DAC).
Ficha do Trabalho
Título
- O que há de humano em cada imagem: cinema, artesanato e trabalho morto
Resumo
- As novas possibilidades de criação de imagens por inteligência artificial reacenderam as discussões sobre autoria e originalidade. Na passagem da antiga inteligência artesanal para a nova inteligência artificial – ou “dos artesanatos aos algoritmos”, para utilizar a expressão de Néstor García Canclini (2024) – parece importante recuperar a dimensão artesanal das imagens frente às novas formas de imagem digital e sintética que parecem chamadas a ocupar todo o espaço audiovisual.
Resumo expandido
- As novas possibilidades de criação de imagens por inteligência artificial reacenderam as discussões sobre autoria e originalidade. Na passagem da antiga inteligência artesanal para a nova inteligência artificial – ou “dos artesanatos aos algoritmos”, para utilizar a expressão de Néstor García Canclini (2024) – parece importante recuperar a dimensão artesanal das imagens frente às novas formas de imagem digital e sintética que parecem chamadas a ocupar todo o espaço audiovisual.
Nos estudos de cinema, a figura do artífice ou artesão nunca achou um espaço claro no campo teórico, e as menções ao “cinema artesanal” não parecem ter alcançado o status de conceito ou categoria de análise. A pesquisa bibliográfica mostra que as relações entre cinema e artesanato não são muito precisas.
No entanto, é possível abordar a “experiência artesanal” no cinema e no audiovisual como forma de engajamento, como herança histórica e sensorial, e até como fonte de prazer. E no que diz respeito às imagens, é possível encontrar em todo filme pegadas e marcas dessa “experiência artesanal” como vestígio do processo de criação.
Seguindo Richard Sennett, a experiência artesanal aponta a valorização da originalidade humana, do prazer do processo coletivo de criação e da experimentação.
Poderíamos dizer que o lugar ocupado atualmente pela inteligência artificial, como a mais nova “indústria da consciência” – para utilizar a expressão de Alexander Kluge – já foi ocupado pelo cinema, sobretudo nas décadas de 1920 e 1930, quando foi elevado ao lugar de síntese de todas as artes. Isto alimentou diversas esperanças e visões revolucionárias na época, como as dos futuristas e os surrealistas. Dentre eles, Jean Epstein, numa citação recolhida por Ismail Xavier no livro O discurso cinematográfico, parece adiantar-se à ideia do cinema como forma de pensamento e ao próprio advento da inteligência artificial:
No esquema de Epstein, o cinema ocuparia um lugar privilegiado na modelagem desta nova inteligência: “É impensável que um tal instrumento não venha a ter influência sobre o pensamento. As máquinas que o homem inventa têm sua inteligência à qual recorre a inteligência humana” (Jean Epstein apud XAVIER, 2005, p. 108).
A visão de Epstein parece confrontar com alguns dos postulados de Marx, que não vê conciliação possível entre a máquina e a humanidade sob o capitalismo (GORZ, 1991, p. 37). Para Marx, não somente não há algo de vivo nas máquinas, senão que elas próprias estão constituídas por “trabalho morto”. A inteligência artificial parece deste modo a mais nova, concentrada e particularmente voraz forma de trabalho morto.
No recente livro Artificial Aesthetics (2024), que recolhe a discussão dos últimos anos em relação ao lugar do artista e o trabalho no mundo da inteligência artificial, Emanuele Arielli sugere que é possível vislumbrar no futuro uma era na qual as marcas do trabalho vivo desapareçam completamente, na qual “(…) a impossibilidade de uma verdadeira demarcação pode levar a uma situação “pós-artificial” onde acabamos suspendendo o julgamento sobre a verdadeira origem autoral de uma obra, abandonando permanentemente a questão de saber se algo é genuinamente feito por humanos ou não” (ARIELLI, 2024, p. 175).
Nesse futuro distópico de superprodução e crise, talvez as pegadas artesanais nos permitam encontrar o caminho para distinguir o que é verdadeiramente humano em cada imagem. Neste sentido, a imprevisibilidade da criação humana parece um bom refúgio contra a produção em série, o cálculo de probabilidades e os algoritmos. Outro refúgio parece estar no erro: o enfoque artesanal sugere que na era da reprodutibilidade técnica, o erro pode ser uma forma de originalidade. Também as narrativas do sonho, que ecoam formas profundas do processo inconsciente, sempre serão fonte de desvio e delírio. É por isso que o surrealismo propunha, segundo Benjamin, “ganhar as forças da embriaguez para o serviço da revolução” (BRATU HANSEN, 2019, p. 246).
Bibliografia
- BRATU HANSEN, Miriam. Cine y Experiencia. Siegfried Kracauer, Walter Benjamin y Theodor W. Adorno. Trad. Hugo Salas. Buenos Aires: El Cuenco de Plata, 2019.
GARCÍA CANCLINI, Néstor. Dos artesanatos aos algoritmos. Rio de Janeiro: Fundação Darcy Ribeiro, 2024.
GORZ, André. La metamorfosis del trabajo. Búsqueda del sentido. Crítica a la razón económica. Tradução de Mari-Carmen Ruiz de Elvira. Madrid: Sistemas, 1991.
RUIZ, Raúl. Poéticas del Cine. Tradução ao espanhol de Alan Pauls. Santiago de Chile: Ediciones UDP, 2013a.
SENNETT, Richard. O Artífice. Tradução de Clóvis Marques. Rio de Janeiro: Editora Record, 2015.
XAVIER, Ismail. O discurso cinematográfico: a opacidade e a transparência, 3° edição. São Paulo: Paz e Terra, 2005.
ARIELLI, Emanuele. “From Tools to Authors”. In MANOVICH, Lev; ARIELLI, Emanuele. Artificial Aesthetics: Generative AI, Art and Visual Media. New York: Cultural Analytics Lab, 2024.