Ficha do Proponente
Proponente
- Maria Carolina Oliva Freire Pereira (UFMG)
Minicurrículo
- Mestranda no Programa de Pós-graduação em Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), na Linha de pesquisa Pragmáticas da Imagem. Bolsista CAPES. Bacharela em Som, Imagem e Movimento, com habilitação em Audiovisual pela Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB). Colaboradora no projeto de pesquisa Cinema das Comunidades (CFAC/UFSB) e integrante do Grupo de pesquisa Poéticas Ameríndias (UFSB) e Poéticas da Experiência (UFMG).
Ficha do Trabalho
Título
- A fabulação em “Mato Seco em Chamas”
Seminário
- Cinemas, Comunidades, Territórios: interpelações aos gestos analíticos
Resumo
- Este trabalho propõe uma aproximação da noção de fabulação Deleuziana das atrizes-intercessoras à forma fílmica de “Mato Seco em Chamas”, tendo como hipótese a possibilidade de caracterizar o filme como fabulador. Atentos aos gestos fabulatórios do filme (que fabula por meio da montagem) e das atrizes (que fabulam por meio dos gestos, do texto e dos olhares), nos interessa compreender como a fabulação das atrizes e os fenômenos que as cercam, como o universo carcerário, levam o filme a fabular.
Resumo expandido
- “Mato Seco em Chamas” (2022), longa-metragem dirigido por Adirley Queirós e Joana Pimenta, narra a história das personagens ficcionais Chitara, Lea, e Andreia, que levam o mesmo nome das atrizes que as interpretam. No filme, a tríade encontra e comercializa clandestinamente petróleo no bairro Sol Nascente, mote ficcional oriundo da aposta de Queirós naquilo que Gilles Deleuze chamaria de “função fabuladora”, incentivando que as atrizes-intercessoras se proponham a “ficcionar” e inventar personagens de si à medida que estas “tornam-se tão mais reais do que melhor inventaram” (Deleuze, 2018), contribuindo para a invenção de seu povo. Assim como seus antecessores, o filme segue a aposta na forma cinematográfica indissociável dos processos de criação colaborativos e coletivos, que se criam e se recriam no decorrer da produção, e são capazes de mobilizar, a cada vez, “novas figuras de comunidade” (Alvarenga, 2006).
A partir de análises prévias, observamos a estruturação do filme em três regimes de imagens. No primeiro regime, dramático, constrói-se um contrato com o espectador de que há um contato direto entre ele e o filme, gerando certa impressão de “realidade”, próximo ao que poderíamos chamar de “transparência” (Xavier, 2008). O segundo lança mão da utilização do relatório policial de prisão da atriz Lea (documento não integrado na diegese do filme e que não faz parte do mote ficcional do petróleo) e da referência ao processo de gravação do filme, em um movimento de contraposição a invisibilidade dos meios de produção, que concerne à “opacidade” (Xavier, 2008). Por último, com a volta de Lea da prisão, colocamos como possibilidade de abertura o pensamento sobre um terceiro regime, lendário ou épico; um devir do filme, que (re)expõe os regimes anteriores, marcado pela recusa do documentário integral, afirmando ser possível criar ficção diante da dureza do real.
Verificamos um encapsulamento do segundo regime, com estruturas estilísticas suscetíveis de produzir uma “leitura documentarizante” (Odin, 2012), pelo primeiro e pelo terceiro, com estruturas estilísticas típicas da “leitura fictivizante” (Odin, 2012), como uma bola documental nas mãos da ficção. Dessa forma, os regimes se infiltrariam, estabelecendo relações entre si. Tal movimento dos regimes, em que registros “documentais” são apropriados pela ficção, nos remeteu a incorporação de aspectos do real para criação de personagens ficcionais, “sem serem, no entanto, seres de ficção” (Lafond apud Deleuze, 2018), característica da função fabuladora supracitada, proposta por Deleuze. Tanto há “o devir da personagem real quando ela própria se põe a ficcionar” (Deleuze, 2018), quanto há o devir do filme. Ora, seria possível afirmar que um filme híbrido pode fabular?
Por um lado, provocadas a fabular pela presença da câmera, relação com máquinas de petróleo e suas armas, e pelo estímulo anterior às gravações (período em que diretor e atrizes estudam obras ficcionais para construção do roteiro), Chitara, Lea e Andreia incorporam às personagens gasolineiras elementos de suas experiências no universo carcerário. Por outro, o filme é levado a fabular ao se deparar com os fenômenos que cercam as mulheres gravadas, como a “força envolvente do crime e da sujeição criminal” (Mesquita; Coutinho, 2023), modificando a forma fílmica e contrariando tentativas estilísticas. Seria a fabulação a forma que o filme encontra de abarcar toda a complexidade do mundo das atrizes?
Neste sentido, esse trabalho propõe uma aproximação da noção de fabulação Deleuziana à forma fílmica de “Mato Seco em Chamas”, tendo como hipótese a possibilidade de caracterizar, somado às atrizes-intercessoras, o filme como fabulador. Atentos aos gestos fabulatórios do filme (que fabularia por meio da montagem) e das atrizes (que fabulam por meio dos gestos, do texto e dos olhares), nos interessa compreender como a fabulação das atrizes e os fenômenos que as cercam, como o universo carcerário, levam o filme a fabular.
Bibliografia
- ALVARENGA, Clarisse Castro. Comunidades por vir e imagens periféricas. Devires – Cinema e Humanidades, Belo Horizonte, 3 (1), p. 166-179, 2006.
DELEUZE, Gilles. As potências do falso. In: _____. Cinema 2: A imagem-tempo. São Paulo: Editora 34, 2018. p. 185-125.
MESQUITA, Cláudia; COUTINHO, Luiz Fernando. “As rainhas da kebrada”: desvio, dissenso e construção distópica em Mato seco em chamas (2022). 32° Encontro Anual da Compós, Universidade de São Paulo (USP). São Paulo, jul., 2023.
ODIN, Roger. Filme documentário, leitura documentarizante. Significação: Revista de Cultura Audiovisual. São Paulo, n. 37, p. 12-29, 2012.
XAVIER, Ismail. O Discurso cinematográfico. 11ª edição. São Paulo: Paz & Terra, 2008.