Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Michael Abrantes Kerr (UFPel)

Minicurrículo

    Professor Associado na área de montagem dos cursos de Cinema e Audiovisual, Cinema de Animação e Design de Jogos da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Doutor e mestre em Ciências da Comunicação pela UNISINOS na linha Mídias e Processos Audiovisuais. Atualmente também é chefe do Núcleo de Radiodifusão Pública da UFPel.

Ficha do Trabalho

Título

    Montagem e Restauro: Produção e Memória no Documentário sobre o 8 de Janeiro

Resumo

    O artigo propõe uma reflexão sobre a montagem na construção da memória dos atos de 8 de janeiro de 2023, a partir da produção de um documentário que trata da restauração de obras de arte vandalizadas no Palácio do Planalto. A proposta traz a montagem como um modo de pensamento e uma ferramenta teórica capaz de articular imagens do passado e do presente, colocando-as em confronto para produzir sentidos históricos, assim como uma forma de restituição simbólica, sem apagar as lacunas da destruição.

Resumo expandido

    Este artigo propõe uma reflexão sobre a prática da montagem e a construção da memória acerca dos atos de 8 de janeiro de 2023, a partir da produção de um documentário que trata da restauração de obras de arte vandalizadas no Palácio do Planalto naquela ocasião. Para a investigação do documentário intitulado “8 de janeiro: memória, restauração e democracia”(2025), realizado por este pesquisador, juntamente com técnicos e alunos do curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal de Pelotas, estamos propondo observar a relação entre imagem, política e memória, explorando como a montagem pode operar no retorno do passado através das imagens.
    O documentário faz parte de um projeto maior, solicitado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), o qual coloca o papel do restauro como ato simbólico e material de resistência cultural, social e política. As imagens da vandalização de várias obras, incluindo “Mulatas à Mesa”, de Di Cavalcanti, são discutidas sob a perspectiva da imagem-sintoma, um conceito que remete às marcas deixadas pela violência e ao potencial de leitura histórica através dessas fissuras visuais.
    A montagem do documentário é entendida como um campo de confronto entre passado e presente. Inspirada na dialética das imagens proposta por Georges Didi-Huberman, a edição busca criar relações que reconstroem o que foi apagado, mas sem anular suas ausências. Dessa forma, questiona-se como uma estrutura documental pode restituir às imagens aquilo que nelas já não está, mas que ainda as atravessa, e de que forma o cinema documental pode construir a memória de atos realizados naquela data, especificamente acerca das ações criminosas sobre as obras de arte. Nesse contexto, a montagem emerge como um modo de pensamento, um campo de experimentação visual e teórica.
    Nesse sentido, é importante abordarmos alguns conceitos de montagem, como o de Eisenstein (2002), o qual diz que as imagens agem umas sobre as outras por uma atração, e por meio de um choque dialético entre duas imagens, surge uma terceira. Benjamin (1984) também fala sobre as imagens dialéticas e o efeito de choque, uma qualidade atribuída ao cinema, a qual pode ser produzida por meio dos cortes nas imagens, ou seja, na montagem, tendo efeito sobre as formas de ação e percepção. Didi-Huberman (2021) observa a capacidade que a montagem tem em mostrar algo por meio de deslocamentos e recomposições. Segundo ele, para mostrar temos que dispor as diferenças, os choques mútuos, suas confrontações.
    A partir de Warburg e o conceito de “Nachleben”, ou seja, na sobrevivência das imagens (DIDI-HUBERMAN, 2013a), o documentário em análise trabalha com imagens do vandalismo do 8 de janeiro como vestígios da tentativa de golpe, contrapondo-as às imagens das obras sendo restauradas, assim como a diversos depoimentos. A montagem passa a ser compreendida como um campo de tensão entre imagens e palavras, gerando conceitos, dando a ver um pensamento histórico.
    Por fim, o artigo investiga como a montagem pode representar o acontecimento de forma lacunar, abraçando as ausências, ofertando ao espectador elementos para a construção de significados. Nesse sentido, também se propõe a discutir como o restauro das obras funciona como um ato simbólico de resistência cultural e política, integrando a prática documental à construção de uma narrativa histórica mais ampla. A montagem, então, é explorada como um campo de experimentação onde se cruzam duração, memória, estética e política.

Bibliografia

    BENJAMIN, Walter. O anjo da história. Belo Horizonte: Autêntica, 2021.
    BENJAMIN, Walter. Origem do drama barroco alemão. São Paulo: Brasiliense, 1984
    BERGSON, Henri. Matéria e Memória. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
    EISENSTEIN, Sergei. O Sentido do Filme. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002
    DIDI-HUBERMAN, Geroges. A imagem sobrevivente: história da arte e do tempo dos fantasmas segundo Aby Warburg. Rio de Janeiro: Contraponto, 2013a.
    DIDI-HUBERMAN, Georges. Diante da imagem. São Paulo: Editora 34, 2013b.
    DIDI-HUBERMAN, Geroges. Quando as imagens tomam posição. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2021.
    DUBOIS, P. Cinema, vídeo, Godard. Cosac Naify, São Paulo: 2004.
    LEONE, Eduardo. Reflexões sobre a montagem cinematográfica. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005.
    MURCH, Walter. Num piscar de olhos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.