Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Giulianna Nogueira Ronna (PUCRS)

Minicurrículo

    Doutora em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), com bolsa de pesquisa CNPq. Mestre pelo mesmo programa com bolsa CAPES. Participa dos Grupos de Pesquisa Cinema e Audiovisual: comunicação, estética e política, Kinepoliticom/PUCRS e Cinema, Audiovisual, Tecnologias e Processos Formativos (Encruzilhada), vinculados ao CNPq. Atualmente, é professora substituta no Instituto Federal Sul-rio-grandense (IFSul).

Ficha do Trabalho

Título

    Deslocamentos, identidade e hospitalidade no cinema documental brasileiro

Resumo

    A proposta analisa como deslocamento e exílio estruturam narrativas no documentário brasileiro sobre a ditadura civil-militar (1964–1985), revelando violências históricas, desconstruções identitárias e apagamentos vividos por determinados grupos. A partir do conceito de hospitalidade (Derrida) investiga-se a articulação entre imagem e palavra na construção de subjetividades políticas (Mouffe) e no tensionamento entre memória, identidade e pertencimento.

Resumo expandido

    A presente proposta busca compreender como as noções de deslocamento e exílio configuram-se como articulações narrativas e identitárias no cinema documentário brasileiro, à medida que este revisita o legado histórico da ditadura civil-militar (1964–1985) e seus desdobramentos na sociedade. Diante do atual contexto político e social marcado pelo recrudescimento de discursos autoritários e por ataques às instituições democráticas, o documentário tem se afirmado como um espaço de reinscrição crítica da história. Nesse panorama, identificam-se produções que, ao elaborarem esteticamente as diferentes formas de violência de Estado, a exclusão e o deslocamento forçado — seja ele físico, simbólico ou subjetivo —, reatualizam conflitos que atravessam diferentes tempos históricos, tensionando as fronteiras entre passado e presente; história, memória e identidade. Os alicerces do autoritarismo, forjados ao longo de diferentes períodos, impuseram a povos originários, mulheres, populações periféricas, entre outros grupos marginalizados, uma experiência contínua de deslocamento e exílio, mesmo dentro de seus próprios territórios. Para além do desterro físico, esses grupos foram submetidos ao apagamento simbólico, ao silenciamento político e à negação de pertencimento. Tal cenário evidencia a dificuldade de elaboração coletiva do trauma e a fragilidade do processo democrático, constantemente ameaçado pela repetição do horror (Teles; Quinalha, 2020). Dessa forma, considerando a condição histórica de exclusão e apagamento simbólico a que foram submetidos, determinados grupos vivenciam um deslocamento que os situa como estrangeiros em seus próprios territórios. Tal experiência de desenraizamento aproxima-se da noção de hospitalidade elaborada por Derrida (2003), entendida como a impossibilidade de um acolhimento pleno do outro, uma vez que esse encontro é sempre atravessado por assimetrias, desvios e limites. Essa articulação permite refletir sobre as margens do pertencimento e os impasses da memória e do testemunho diante de traumas históricos. Ao mesmo tempo, ao ser pensado como ruptura das identidades fixas, tal deslocamento introduz uma falta constitutiva (Derrida) que torna possível o surgimento de novas subjetividades políticas (Mouffe, 2015). Nesse sentido, o objetivo deste trabalho consiste em analisar de que modo essas condições são inscritas imagética e discursivamente — na tensão entre imagem e palavra — em filmes como GRIN – Guarda Rural Indígena (Roney Freitas e Isael Maxakali, 2016), Torre das Donzelas (Susanna Lira, 2018) e Retratos de Identificação (Anita Leandro, 2014). Tais obras configuram-se como construções sintomáticas de seu tempo ao viabilizarem a emergência do acontecimento histórico enquanto traços e ressonâncias (Gutfreind, 2009), o que favorece a reelaboração de sentidos historicamente consolidados. O que se percebe nessas produções é como as distintas formas de exílio emergem tanto de modo direto quanto transversal, estruturando narrativas de deslocamentos subjetivos e de fraturas identitárias. Filmes em que a fricção entre imagem e palavra, constitui espaços de confronto com a alteridade e com o estranhamento de si, instaurando vazios, silêncios e desvios que desestabilizam representações hegemônicas e revelam formas alternativas de pertencimento. Simultaneamente, essas obras evocam o paradoxo da hospitalidade derridiana: a abertura sempre inacabada ao outro e os impasses ético-políticos do acolhimento em contextos marcados por violências históricas, apagamentos e disputas de memória.

Bibliografia

    DERRIDA, J. Torres de Babel. Tradução de Junia Barreto. Belo Horizonte (MG): UFMG, 1998
    DERRIDA, J. O monolinguismo do outro ou a prótese de origem. Tradução de Fernanda Bernardo. Porto: Campo das Letras, 2001b.
    DERRIDA, J. Anne Dufourmantelle convida Jacques Derrida a falar da hospitalidade. Trad. Antonio Romane. São Paulo: Escuta, 2003.
    GUTFREIND, C. F. Kracauer e os fantasmas da história: reflexões sobre o cinema brasileiro. Comunicação, Mídia e Consumo, 6(15), 129–144. 2009. Disponível em: https://revistacmc.espm.br/revistacmc/article/view/149. Acesso: jan. 2024.
    MOUFFE, C. Sobre o Político. São Paulo: Martins Fontes, 2015.
    TELES, E., & QUINALHA, R. O alcance e os limites do discurso da “justiça de transição” no Brasil. In:TELES, E, QUINALHA, R. Espectros da ditadura. Da comissão da verdade ao bolsonarismo. Belo Horizonte: Autonomia Literária, 2020.