Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Enzo Ruggeri Parede Monteiro (USP)

Minicurrículo

    Graduando no curso de Audiovisual pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). Pesquisador na área de história do cinema, cinematografias queer, corpo e sensorialidade com bolsa pela PIBIC-CNPQ 2023/2024 e 2024/2025, sob a orientação da Profª. Drª. Esther Imperio Hamburger. Atua como diretor, roteirista e curador com experiências no Kinoforum (2024) e na Spcine Play (2025).

Ficha do Trabalho

Título

    Corpos Queer como Tela: As Relações de Multissensorialidade entre Derek Jarman e Daniel Nolasco

Eixo Temático

    ET 1 – CINEMA, CORPO E SEUS ATRAVESSAMENTOS ESTÉTICOS E POLÍTICOS

Resumo

    A pesquisa propõe uma análise comparativa entre as representações cinematográficas do corpo masculino e do desejo homoafetivo nos filmes Sebastiane (1976) de Derek Jarman e Vento Seco (2020) de Daniel Nolasco. A abordagem do estudo está atrelada às ideias de hapticidade conceituada por Laura U. Marks, investigando, de maneira historiográfica e transnacional, como a visualidade no cinema queer reivindica uma multissensorialidade para materializar a corporalidade em tela.

Resumo expandido

    Sebastiane (1976) é um dos primeiros filmes homoeróticos explícitos a romper com o circuito underground (DYER, 2003). A obra do britânico Derek Jarman teve uma distribuição que incluiu tanto o circuito de festivais quanto comercial, alcançando também sua exibição na televisão quando entrou na programação do Channel 4 nos anos 1980. Já Vento Seco (2020), longa-metragem fomentado pelo edital PRODECINE 05 de apoio a produções com alguma inovação artística, tem sua estreia no Festival de Berlim. O filme do goiano Daniel Nolasco também foi distribuído por streaming pela Globoplay. Ambos diretores estavam estreando na direção de longas ficcionais e possuíam uma intenção clara: criar momentos estéticos homoeróticos que careciam de representação. Eles romperam com a normatividade narrativa para colocar na centralidade do quadro corpos homossexuais que seriam desejados por sua sensorialidade por alguns e repudiados por sua exposição por outros, assim, desafiando a espectatorialidade em diversas instâncias de fruição sobre o prazer e o medo do proibido.
    Derek Jarman (1942-1994) passou, durante a juventude, por uma educação cristã e estudou literatura e história da arte até se graduar em artes visuais. Ele também fazia experiências com Super-8, realizando curtas que seriam seus estudos estéticos. Toda essa bagagem foi essencial para realizar Sebastiane, um filme que aborda a história de Santo Sebastião que recria sua imagem clássica em que está seminu alvejado por flechas. A obra, então, se concentra na disputa entre Sebastiane (Leonardo Treviglio) e Severus (Barney James), chefe do pelotão que fica encantado pelo jovem cristão que, por sua vez, nega as investidas nele, o que culmina em sua morte como punição final. Jarman ambienta essa história de 303 d.C. em Sardenha e, assim como em seus curtas, cria uma visualidade cheia de texturas em que a luz do sol é essencial para evidenciá-las. Na medida em que o olhar libidinoso de Severus comanda a temporalidade do filme, por vezes o espectador é levado a uma experiência em que os corpos entram em um slow-motion que é guiado por uma decupagem que caminha pela pele das personagens e uma trilha sonora imersiva. O tempo se dilata em função do desejo homoerótico que é constituído principalmente pelo contraste entre a pele dos atores com as pedras e águas da ilha.
    Daniel Nolasco (1983-) nasceu em Catalão, interior de Goiás e se mudou para o Rio de Janeiro para estudar cinema, mas não esqueceu suas origens para realizar seus filmes. Vento Seco se passa na sua cidade natal, onde Sandro (Leandro Faria Lelo) precisa lidar com uma relação sigilosa que mantém com seu colega de trabalho e suas fantasias fetichistas impulsionadas pela chegada de um novo morador. Inspirado nas figuras do BDSM e nos desenhos de Tom of Finland, o filme explora os desejos do seu protagonista através de sonhos que vão diluindo as barreiras com a realidade. Nolasco possui uma abordagem pornográfica, na qual o ato sexual explícito não é negado, mas sua estilização o afasta da pornografia mainstream. Se por um lado Sebastiane faz um choque de texturas com elementos da natureza, por outro lado, Nolasco traz o artificial, em que as luzes neon, pele, látex, fluidos, correntes e pelos são os componentes para criar uma atmosfera imersiva.
    Esses filmes mobilizam uma visualidade que evoca o toque, como propõe Laura U. Marks, potencializando a representação do desejo queer por ir além de visualizar o objeto. Porém, o uso da expressão multissensorialidade para descrever os momentos estéticos dessas obras se torna mais adequado do que hapticidade pela dimensão sensorial contemplar outras sinestesias visuais, incluindo toques, cheiros, gostos que, em última instância, interferem até mesmo na temporalidade das narrativas. Esses cineastas, mesmo distanciados pelo tempo, compartilham essa plasticidade que materializa e ressignifica o corpo homossexual como superfície política e sensível.

Bibliografia

    BALTAR, Mariana. Corpo e Afeto: Atualizações do regime de Atrações no cinema Brasileiro Contemporâneo, Aniki: Revista Portuguesa da Imagem em Movimento, 10(2), pp. 4–28. 2023;
    BENSHOFF, Harry M.; GRIFFIN, Sean. Queer Images: a history of gay and lesbian film in america. Oxford: Rowman & Littlefield Publishers, Inc., 2006;
    DYER, Richard. Now You See It. 2. ed. New York: Routledge, 2003;
    JARMAN, Derek. At your own risk: A saint’s testament . Edited by M. Christie. London: Vintage, 2019;
    GERACE, Rodrigo. Cinema Explícito: representações cinematográficas do sexo. São Paulo: Perspectiva, 2015;
    HAMBURGER, Esther. Desigualdades sociales, la crisis de la democracia y el audiovisual. Ñawi, v. 6, p. 105-124, 2022;
    MARKS, Laura U. The Skin of the Film: Intercultural Cinema, Embodiment, and the Senses. Durham, Duke University Press, 2000;
    SOBCHACK, Vivian. Carnal Thoughts: Embodiment and Moving Image Culture. Berkeley: University of California Press, 2004.