Ficha do Proponente
Proponente
- Rodrigo Capistrano Camurça (UFCA)
Minicurrículo
- Professor da Universidade Federal do Cariri (UFCA). Doutor em História pela UFC e mestre em Comunicação pela UFF, também é realizador em audiovisual, desenvolvendo projetos na “Caldeirão Filmes”. Na UFCA desenvolve a pesquisa Cartografias audiovisuais do cariri cearense e ministra especialmente as disciplinas de Documentário, Cinema Brasileiro e Laboratório de Jornalismo Audiovisual. Atualmente coordena o debate sobre a implantação de uma licenciatura em Cinema e Audiovisual no Cariri cearense.
Ficha do Trabalho
Título
- Cinema Experimental e Documentário como prática de liberdade e resistência no Cariri cearense
Resumo
- Esta comunicação pretende refletir a proposta metodológica e os resultados de dois cursos livres de formação audiovisual realizados na região do Cariri cearense: “Doc Cariri” (2018/2023) e “Experimentar o Experimental” (2025). Os cursos foram estruturados a partir da reflexão sobre certo cinema que recusa a lógica das grandes narrativas e que trabalha com as múltiplas possibilidades de experimentação coletiva, resultando em obras que investiram em uma estreita relação com o território.
Resumo expandido
- O Cariri cearense é uma região localizada no sul do estado e conhecido por ser um celeiro de ricas manifestações culturais. Contando com 28 municípios, numa população total de aproximadamente um milhão de habitantes, o Cariri também possui uma importante história na produção cinematográfica do estado do Ceará, mas sempre conviveu com a escassez dos cursos de formação em audiovisual e a consequente falta de investimento em produções cinematográficas. Nos últimos anos essa realidade vem mudando, podendo ser mapeados uma maior diversidade de atividades de cineastas, coletivos, produtoras e cineclubes. Acreditamos que essas transformações foram ocasionadas a partir das políticas públicas de fomento, em especial o investimento em formação, que proporcionou o surgimento de vários cursos livres na região.
O DOC Cariri – Curso de Documentário, projeto contemplado na Secretaria de Cultura do Governo do Estado do Ceará (SECULT-CE), foi uma iniciativa do cineasta caririense Ythallo Rodrigues e que ocorreu em duas oportunidades: a primeira edição entre fevereiro a maio de 2018 e a seguinte entre março a junho de 2023. Nos dois cursos foram formados 46 alunos que se dedicaram a uma carga horária média de 260H. As turmas eram de alunos residentes especialmente das cidades de Juazeiro do Norte, Crato e Barbalha e os processos de seleção contaram com ações afirmativas e critérios de vulnerabilidade social. A criação de um cineclube, intitulado Cineclube Elizabeth Teixeira, marcou a segunda edição do Doc Cariri, garantindo a exibição de filmes realizados pelos alunos e professores convidados.
Experimentar o Experimental também foi idealizado pelo cineasta Ythallo Rodrigues, desta vez em parceria com Alexandre Veras, artista com longa experiência na criação de processos formativos em audiovisual no estado do Ceará. O título escolhido é uma referência a um texto de Hélio Oiticica (1980), que, debatendo acerca de algumas de suas obras, aborda a necessidade de assumir o experimental como exercício de liberdade. O curso ocorreu entre fevereiro e março de 2025 e formou 30 alunos, numa carga horária com duração de 120 horas. O formato contou com quatro semanas de aulas em pontos diferentes da cidade de Juazeiro do Norte e finalizou com uma viagem de cinco dias para o Atelier Rural, espaço de experimentação artística e finalização de filmes organizado por Alexandre Veras.
Acreditamos que esses dois modelos de cursos livres adotaram gestos pedagógicos que potencializam o surgimento de práticas de liberdade e resistência, fazendo do cinema um espaço capaz de tramar novos circuitos e agenciamentos (PIPANO, 2023). Os filmes que resultaram dessas propostas de cursos livres partiram das próprias experiências de vida da comunidade discente, desenvolvendo preferencialmente obras voltadas para o cotidiano, a intimidade e os lugares comuns. Os interesses das realizações também apontaram para a investigação da estética do sonho, a ressignificação das imagens de arquivo e para os elementos estruturais do audiovisual. Essas características destoam completamente da produção cinematográfica que marcou de forma hegemônica o Cariri cearense, construído a partir de um universo carregado de religiosidade e cultura popular, mas que contribuíram para a reprodução de estereótipos da região. (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2011).
Estes processos formativos e os filmes realizados apontam importantes formas de inscrição política, na valorização de uma aliança entre cinema e território (CÉSAR, 2022) e apostando em suas possibilidades de reinvenção. O que também estava em jogo era o próprio ato de criação artística credenciado como estado de resistência, numa tentativa de resgatar no mundo a potência que suscita e constrói acontecimentos (DELEUZE, 1992). Esta criação de possíveis encontrou ressonância nesses gestos pedagógicos desenvolvidos no Cariri cearense, e desembocaram na formação de uma coletividade capaz de produzir e reverberar movimentos de liberdade e criação.
Bibliografia
- ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A Invenção do Nordeste e outras artes. São Paulo/Recife: Cortez/Massangana, 2011.
CESAR, Amaranta. “Documentário como prática de liberdade: uma experiência pedagógica universitária popular e periférica no Recôncavo da Bahia”. In: WELLER, Fernando; RICARDO, Laércio; COSTA, Mannuela (orgs.). Pensar o documentário – volume 2. São José dos Pinhais: Estronho, 2022.
DELEUZE, Gilles. Conversações. São Paulo: Editora 34, 1992.
FERREIRA, Jairo. Cinema de invenção. São Paulo: Beco do Azougue, 2016.
HOOKS, Bell. Ensinando comunidade: uma pedagogia da esperança. São Paulo: Elefante, 2021.
OITICICA, Hélio. “Experimentar o experimental”. Arte em revista. São Paulo: Kairós, n. 5, 1980.
PIPANO, Isaac. Isso que não se vê: teorias para cinemas e educações. Rio de Janeiro: Multifoco, 2023.