Ficha do Proponente
Proponente
- Ivan Kooiti Camargo Nakamura (Unifesp)
Minicurrículo
- Ivan Nakamura é mestrando em Ciências Sociais pela Unifesp, formado em Audiovisual (ECA-USP) e Letras (FFLCH-USP). Também é pós-graduado em Escrita Literária pelo Instituto Vera Cruz. Atua como roteirista de cinema e TV, com trabalhos premiados em festivais nacionais e internacionais, e passagem por salas de roteiro de séries como 3% (Netflix), Turma da Mônica Jovem (Cartoon) e Nosso Mundo Zoo (Discovery Kids). Áreas de interesse: Cinema de Horror; Cinema Brasileiro; Antropologia da Religião
Ficha do Trabalho
Título
- Horror, ritual e identidade: alteridade indígena no cinema brasileiro contemporâneo
Seminário
- Estudos do Insólito e do Horror no Audiovisual
Resumo
- Apresentação derivada de pesquisa de mestrado que analisa como o cinema de horror brasileiro mobiliza rituais e cosmologias indígenas na construção de uma ideia de identidade nacional, da qual depende para produzir seus efeitos emocionais. A partir de uma abordagem antropológica e ritual, os filmes são interpretados como performances que tensionam representações de brasilidade, revelando disputas em torno de pertencimentos e alteridades.
Resumo expandido
- A apresentação integra uma pesquisa de mestrado dedicada ao estudo do cinema de horror brasileiro contemporâneo que incorpora referenciais indígenas em suas narrativas. O objetivo é compreender como elementos vinculados a cosmologias e imaginários indígenas são mobilizados no gênero como forma de afirmação simbólica da brasilidade, atuando tanto como marca de identidade cultural quanto como signo de ameaça e antagonismo.
Parte-se da hipótese de que o horror, em contraste com outros gêneros audiovisuais mais afetados pela lógica do consumo individualizado e fragmentado, preserva uma dimensão sensorial que o aproxima das práticas rituais. Com base nos conceitos de liminaridade desenvolvidos por Victor Turner, observa-se que o gênero conserva características que evocam a experiência ritual: fruição coletiva, atmosferas imersivas e suspensão da realidade cotidiana. Mesmo diante da crescente “dessacralização” da experiência cinematográfica, o horror ainda exige condições específicas de recepção — como escuridão, silêncio e atenção emocional concentrada — que produzem um espaço simbólico de transição entre mundos. Nessa perspectiva, o horror não é apenas narrativa ficcional, mas uma forma de performance que reorganiza fronteiras entre humano e não humano, familiar e estranho, “nós” e “eles”.
A abordagem teórica segue as propostas de Stephen Prince (1997), que defende a formulação de uma “teoria social do horror” como alternativa aos modelos psicológicos predominantes. Em vez de interpretar as sensações provocadas pelos filmes apenas como manifestações do inconsciente ou do trauma individual, Prince propõe compreendê-las como respostas a conflitos relacionados à alteridade, os quais demandam uma contextualização social mais ampla. Com esse enquadramento, o horror brasileiro contemporâneo se apresenta como um campo privilegiado para examinar as disputas simbólicas em torno da identidade nacional.
A metodologia de análise está ancorada nos estudos do ritual desenvolvidos por Turner (2015), Tambiah (2018) e Peirano (2002), que compreendem os rituais não como representações abstratas de ideias, mas como práticas multissensoriais e transformadoras, articulando sons, gestos, imagens, espaços e objetos. Essa perspectiva permite identificar, no cinema de horror, estruturas narrativas e articulações entre imagem e som que operam de forma semelhante aos rituais, produzindo efeitos performáticos sobre os espectadores.
Como estudo de caso, será analisado o filme Skull – A Máscara de Anhangá (2020), dirigido por Kapel Furman e Armando Fonseca. O enredo acompanha a ativação de uma máscara ritual de origem indígena, que desperta uma força sobrenatural ancestral. Ao traçar paralelos com práticas rituais indígenas reais, percebe-se que a máscara ultrapassa sua função cenográfica e atua como operador simbólico, catalisando processos de presentificação de alteridades e de trânsito entre mundos. O objetivo não é aferir o grau de fidelidade das representações, mas compreender como os rituais indígenas, concebidos como formas próprias de pensamento, podem funcionar como chaves interpretativas para a compreensão dos filmes. Essa aproximação ajuda a entender como elementos como a máscara, a floresta e os mortos — recorrentes no gênero — são mobilizados por filmes brasileiros para gerar pertencimento a uma certa ideia de identidade nacional.
Bibliografia
- BARCELOS NETO, Aristóteles. Apapaatai. Rituais de máscaras no Alto Xingu. São Paulo: Edusp. 2008.
CANEVACCI, Massimo. Antropologia do cinema: do mito à indústria cultural. São Paulo: Brasiliense, 1984.
GRANT, Barry Keith. Film genre: iconography, ideology, and identity. London: Wallflower Press, 2007.
PEIRANO, Mariza (Org.). O dito e o feito: ensaios de antropologia dos rituais. Rio de Janeiro: .UFRJ, 2002.
POMPA, Cristina. Presença e ausência dos indígenas na história do Brasil. São Paulo: Editora Contexto, 2003.
PRINCE, Stephen. Dread, Taboo and The Thing: Toward a Social Theory of the Horror Film. Post Script, v. 16, n. 2, 1997.
TURNER, Victor. Do ritual ao teatro: a seriedade humana do brincar. Rio de Janeiro: UFRJ, 2015.
TAMBIAH, Stanley Jeyaraja. Cultura, pensamento e ação social. Petrópolis: Vozes, 2018.
WEAKLAND, John H. “Feature films as cultural documents”. In: HOCKINGS, Paul (Org.). Principles of Visual Anthropology. Berlin: Mouton de Gruyter, 1995.