Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Leandro Rodrigues Lage (UFPA)

Minicurrículo

    Pesquisador e atual coordenador do PPGCom-UFPA, professor da FACOM-UFPA. Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq. Coordenador do Grupo de Pesquisa em Comunicação, Estética e Política (CEPOLIS/CNPq). Vice-coordenador do GT Comunicação, Arte e Tecnologias da Imagem da Compós. Formou-se doutor e mestre em Comunicação pela UFMG, onde também especializou-se em Comunicação: Imagens e Culturas Midiáticas.

Ficha do Trabalho

Título

    Cinema como contra-ataque: imagem, memória e resistência em “Tuíre Kayapó – O gesto do facão”

Resumo

    O filme Tuíre Kayapó – O gesto do facão, do Coletivo Beture, revisita o gesto histórico da guerreira indígena em 1989, quando protestou contra a construção de Belo Monte. Na produção, ao narrar a cena ao neto, Tuíre transforma a memória da resistência em imagem de esperança. O trabalho analisa o filme como “contra-ataque”: um cinema que transforma o tempo histórico, desafia o esquecimento e articula imagem, desejo e política sob a perspectiva Mẽbêngôkre-Kayapó.

Resumo expandido

    Sob a luz da trajetória cinematográfica dedicada à luta de classes, Brenez (2017) aposta na “eficácia histórica” para caracterizar o que chama de cinema engajado. Tais cinemas, se assim podemos circunscrevê-los, seriam “contra-ataques”: registram fatos e constituem documentos, deixando arquivos e memórias das lutas para a história e para futuras gerações. A essa funcionalidade histórica soma-se outra, tão bem sintetizada por Didi-Huberman (2020): fazer imagem é, também, revoltar-se diante da história. Assim, podemos dizer que tais cinemas contra-ataques se constituem enquanto gestos que não apenas aquiescem ao tempo, mas transformam-no.
    Em julho de 2024, semanas antes do falecimento de Tuíre Kayapó, o Coletivo Beture, movimento de jovens cineastas indígenas Mẽbêngôkre-Kayapó, apresentou ao público o filme intitulado “Tuíre Kayapó – O gesto do facão” (9’40’’). Com direção do Coletivo, de Patkore Kayapó e de Simone Giovine, o filme registra o diálogo entre Tuíre e seu neto, Patkore, sobre o paradigmático episódio de 1989, em que a guerreira Kayapó encostou seu facão no rosto do engenheiro e diretor da Eletronorte, José Antônio Muniz, durante o 1º Encontro dos Povos Indígenas do Xingu, em Altamira (PA), em protesto contra a construção daquela que se tornaria a Usina Hidrelétrica de Belo Monte.
    O filme se desenvolve em torno de uma única cena, na qual Tuíre, a avó, está sentada à mesa, diante de um notebook, por meio do qual o neto, Patkore, mostra imagens de arquivo e pede a ela para recontar aquela história, ocorrida antes dele nascer. Ambos assistem atentamente aos vídeos, com trechos dos documentários “The Kayapo: Out of the Forest” (1989), “Kaiapó” (1993) e “A Batalha de Belo Monte: O facão” (2014). Tuíre descreve com paciência a atmosfera daquele contexto. Os áudios dos vídeos ficam em segundo plano, sendo interrompidos quando a avó relembra o episódio e narra a história de luta contra os kuben (os não-indígenas).
    O que confere ao filme de Tuíre uma “eficácia histórica” e também política? Qual contrapartida “Tuíre Kayapó – O gesto do facão” deixa ao tempo?
    O texto se propõe a explorar as questões acima, examinadas à luz de uma antropologia política das imagens esteada em trabalhos recentes de Georges Didi-Huberman (2017, ##), voltados às múltiplas relações entre imagens e desejos, especialmente os afetos indignados. O ponto de partida é assumir que o filme do Coletivo Beture opera, de saída, como um daqueles “contra-ataques”. O próprio grupo descreve seu trabalho como um cinema de luta e de afirmação cultural, ao produzir filmes que narram histórias sob a perspectiva Mẽbêngôkre-Kayapó.
    Ao ouvir Tuíre uma vez mais, o coletivo não apenas compõe um acervo de memórias de suas lutas para a história, mas confronta a perspectiva Mẽbêngôkre-Kayapó com outras narrativas e interpõe, ao tempo do perecimento e do esquecimento, a persistência do desejo e da esperança. Diante das imagens de arquivo dedicadas à sua própria história de luta, Tuíre é convidada observar a si, enquanto é novamente observada, o que faz do filme o registro de uma conversa entre avó e neto, mas também um gesto de apropriação do tempo e da história dos vencidos que nunca se dão por vencidos.
    Kararaô, antigo nome do projeto de Belo Monte, foi construída na Bacia do Rio Xingu e gerou profundos impactos às culturas indígenas daquela região. Mas o filme de Tuíre não é sobre derrota. O gesto da guerreira indígena, cujo registro se tornou emblemático, adiou a construção de Belo Monte por décadas. Se, como afirma Butler (2017), um levante é animado pelas imagens e narrativas das sublevações que lhe precederam, então o filme do coletivo também se afirma enquanto imagem de esperança, produzindo uma heroína, recontando uma parte de sua história e encorajando levantes futuros. Por iniciativa da juventude Kayapó e por meio do cinema – uma arma dos não-indígenas, diga-se -, Tuíre fez mais um contra-ataque, tornando-se, ela mesma, uma imagem de luta.

Bibliografia

    A BATALHA DE BELO MONTE: O FACÃO. Direção: Lalo de Almeida; Douglas Lambert; Marcelo Leite. Brasil: TV Folha, 2014. 1 filme (23’).
    BRENEZ, Nicole. O cinema como contra-ataque. In: DIDI-HUBERMAN, Georges (Org.). Levantes. São Paulo: Sesc, 2017. p. 113-130.
    BUTLER, Judith. Quem se levanta? In: DIDI-HUBERMAN, Georges (Org.). Levantes. São Paulo: Sesc, 2017. p. 17-28.
    DIDI-HUBERMAN, Georges (org.). Levantes. São Paulo: Sesc, 2017.
    DIDI-HUBERMAN, Georges. Imagens apesar de tudo. São Paulo: Editora 34, 2020.
    DIDI-HUBERMAN, Georges. Olhos livres da história. Ícone, v. 16, n. 2, p. 161-172, 2018.
    KAIAPÓ. Direção: Manuele Franceschini. [S.l.]: Studioline Filmes, 1993. 1 filme (26’38’’).
    THE KAYAPO: OUT OF THE FOREST. Direção: Michael Beckham; Terence Turner. Reino Unido: Granada Television, 1989. 1 filme (52’).
    TUÍRE KAYAPÓ – O GESTO DO FACÃO. Direção: Coletivo Beture; Patkore Kayapó; Simone Giovine. Produção: Coletivo Beture; Julia Sá Earp. Brasil: Coletivo Beture, 2023. 1 filme (9’40’’).