Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Marcos Antonio de Lima Junior (UAM)

Minicurrículo

    Mestre e doutorando em Comunicação pela Universidade Anhembi Morumbi. Professor e coordenador do curso de graduação em Design de Animação no SENAC Lapa Scipião. Co-coordenador do projeto de pesquisa Arte e (re)presentação virtual (SENAC/CNPq). Também é professor no curso de pós-graduação em Direção de Arte Audiovisual e no curso superior de Tecnologia em Fotografia, ambos no SENAC, e no Centro Paula Souza – Etec. Interessa-se por surrealismo, insólito e estudos sobre narrativas audiovisuais.

Ficha do Trabalho

Título

    Teddy Perkins, ou o Monstro do Absurdo em Atlanta

Resumo

    A série Atlanta mistura realismo social e estranhamento para questionar a previsibilidade do real. O episódio Teddy Perkins explora o horror psicológico e o grotesco, abordando identidade, racismo e cultura do espetáculo. A partir dos autores Mark Fisher, Slavoj Žižek e Noël Carroll, o episódio será analisado para se observar o uso do absurdo como revelação de fissuras na sociedade, tornando-se, assim, um marco da crítica social e da experimentação narrativa no audiovisual contemporâneo.

Resumo expandido

    A série Atlanta (2016–2023), criada por Donald Glover, sempre buscou diluir as fronteiras entre o real, o surreal e o absurdo (Lima Junior, Orange 2024). Por meio de experimentações narrativas, a produção combina realismo social e estranhamento, desafiando convenções ao inserir seus personagens em situações que quebram qualquer sensação de previsibilidade. Esse jogo entre cotidiano e insólito atinge seu ápice no episódio Teddy Perkins, um dos mais impactantes da série, onde horror e grotesco se entrelaçam em uma experiência profundamente perturbadora.
    A análise aqui proposta utiliza o conceito de Lentes do Absurdo, é um método de análise que recorre ao surreal e ao estranho para revelar verdades ocultas na realidade contemporânea. Tais verdades emergem nas Zonas Cinzentas, termo cunhado por Glover para descrever espaços narrativos entre o real e o onírico. São territórios de suspensão onde experiências humanas, simultaneamente estranhas e plausíveis, se manifestam e só se tornam visíveis sob as lentes do absurdo, que expõem a fragilidade das certezas cotidianas expandindo a experiência do espectador.
    O episódio rompe com o tom humorístico habitual da série, adotando a estrutura de um thriller psicológico com influências do horror gótico e do surrealismo “lynchiano”. Acompanhamos Darius em sua visita à mansão de Teddy Perkins, um homem de aparência inquietante: pele artificialmente pálida, comportamento errático e isolado numa casa decadente. Teddy remete a figuras clássicas do cinema de horror, como Norman Bates (interpretado por Anthony Perkins—não por acaso, um quase homônimo), ele encarna o estranho e o sinistro, conforme definidos por Mark Fisher (2016). O estranho surge da coexistência perturbadora de elementos incongruentes; o sinistro, da presença ou ausência inexplicável de algo que desafia a lógica. A série intensifica esse efeito ao criar um universo onde a normalidade está sempre à beira do colapso.
    Teddy personifica as fissuras da cultura do espetáculo, evocando ícones como Michael Jackson, simbolizando a violência psicológica, o racismo estrutural e a exploração na indústria musical. Porém, em vez de respostas diretas, o episódio opta pela ambiguidade e pelo desconforto, alinhando-se ao sublime ridículo (Žižek, 1989) quando o grotesco atinge um nível tão extremo que expõe as contradições da realidade. Ele não é um monstro convencional; seu terror reside na dissolução da identidade e na fragmentação do real.
    O episódio também dialoga com os estudos de Noël Carroll (1990), ao apresentar uma figura aterrorizante que desafia categorias como humano e lógico, oscilando entre opostos — hospitalidade e ameaça, riso e terror —, criando uma ambiguidade que intensifica o desconforto, marcando a experiência narrativa.
    Ao mobilizar conceitos como o estranho (Fisher), o sublime ridículo (Žižek) e a violação ontológica (Carroll), Atlanta subverte o realismo tradicional e redefine nossa percepção do cotidiano. Teddy Perkins sintetiza essa abordagem, usando o horror como dispositivo estético e político para revelar os abismos da experiência contemporânea. O grotesco torna-se linguagem crítica, expondo as contradições de um mundo onde identidade, memória e corpo são distorcidos por estruturas de poder, racismo e espetáculo midiático. Essa leitura integra a pesquisa de doutorado em curso, cujas hipóteses vêm sendo desenvolvidas e discutidas no âmbito do Seminário Temático “Estudos do Insólito e do Horror no Audiovisual”, espaço onde este trabalho encontra ressonância e expansão teórica.
    Em suma, Teddy Perkins é um manifesto visual sobre o desconforto gerado quando a realidade se funde com o pesadelo. Articulando horror, absurdo e crítica social, Atlanta redefine os limites da narrativa audiovisual. Sob as Lentes do Absurdo, observa-se como o estranho pode ser forma de resistência e reflexão. A série não só tensiona fronteiras entre gêneros, mas oferece uma chave singular para pensar as rupturas da experiência humana.

Bibliografia

    CARROLL, Noel. A Filosofia do Horror ou os Paradoxos do Coração. Campinas: Papirus, 1999.

    CWIK, Greg. Donald Glover Wants Atlanta to Be ‘Twin Peaks with Rappers’. Vulture, jan.2016. Disponível em: . Acesso em 31/mar/2024.

    DONALD Glover explores a surreal feel in ‘Atlanta’. NPR, 2016. Disponível em: Acesso em 31/mar/2024.

    FISHER, Mark. The Weird and the Eerie. London: Repeater Books, 2016.

    FERRARAZ, Rogério. O cinema limítrofe de David Lynch. São Paulo: PUC-SP, 2003.

    LIMA JUNIOR, M. A.; ORANGE, Marília de. A pele que habito: Atlanta, o não-lugar e o onírico afro-surreal. In: Rodrigo Carreiro. (Org.). O mal-estar contemporânea: cinema, horror e decolonialidades. 1ed.João Pessoa: Marca de Fantasia, 2024, v., p. 62-81.

    ŽIŽEK, Slavoj. Lacrimae rerum: ensaios sobre cinema moderno. São Paulo: Boitempo, 2009.

    ŽIŽEK, Slavoj. O Sublime Objeto da Ideologia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2024.