Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Gabriel Darwich Leal Misi (UFPA)

Minicurrículo

    Gabriel Darwich é bacharel em Cinema e Audiovisual pela Universidade Federal do Pará e mestrando em Artes no PPGARTES-UFPA com bolsa CNPQ Mestrado-GM. Atua como fotógrafo e realizador autônomo e possui trabalhos de direção, montagem e pós-produção em som de curtas-metragens. Integra o LABNEOCINE e possui pesquisas publicadas sobre a linguagem do Screenlife e Abbas Kiarostami, e atualmente investiga a obra de Kleber Mendonça Filho.

Ficha do Trabalho

Título

    Entre Ruínas e Fantasmas: o cinema da memória de Kleber Mendonça Filho

Seminário

    Teoria de Cineastas: dos processos de criação à dimensão política do cinema

Resumo

    O presente trabalho visa traçar uma teoria do cineasta de Kleber Mendonça Filho a partir do enfoque em um cinema da memória do diretor e suas relações de espectatorialidade. A abordagem adotada parte do referencial da teoria da memória de Bergson para identificar dispositivos de memória em torno de duas figuras na obra do autor: ruínas e fantasmas. Assim, articulamos a semiopragmática e o neoformalismo para a condução das análises fílmicas, estabelecendo o recorte de seus longas de ficção.

Resumo expandido

    A obra do pernambucano Kleber Mendonça Filho é composta de uma variedade de formatos audiovisuais radicalmente distintos – do curta-metragem experimental ao cinema de gênero contemporâneo, passando ainda pelo documental. Há, entretanto, um elemento agregador que atravessa toda a sua obra e serve de ponto de partida para o esboço de uma teoria do cineasta (Aumont, 2004): sua relação com a memória. Seja o resgate de memórias de infância nos fotofilmes Vinil Verde e Jogo Sem Gandula, a memória de sua própria trajetória nos documentários Crítico e Retratos Fantasmas, ou facetas de uma memória social em seus longas-metragens de ficção, há um motivo temático evidente.
    Dentro desta obra, optamos por um primeiro movimento estabelecendo um recorte de seus três longas de ficção. Nestes filmes, identificamos uma construção narrativa que evoca uma memória de classe que paira entre o apagamento de classes marginalizadas na urbanidade de O Som ao Redor e Aquarius, e a redenção na utopia sertaneja de Bacurau. Neste sentido, não são escassas as marcas temáticas de uma aproximação com esta memória social – uma fazenda escravista de família, o acúmulo de discos de vinil e o museu do cangaço, apenas para citar um exemplo de cada um dos respectivos filmes.
    Para além de sua elaboração enquanto temática, contudo, há um uso da noção de memória mais diretamente ligado à estrutura dos filmes e seu efeito na experiência fílmica. De fato, podemos identificar um uso sistemático de dispositivos ligados tanto a uma memória social quanto a uma memória formal da estética cinematográfica. A articulação entre estes dispositivos é verificada, por exemplo, quando o diretor opta por um plano frontal com a quebra da quarta parede em aparições fantasmagóricas, ou no plongé de câmera de segurança em aparições de personagens de classes menos abastadas.
    Portanto, o que propomos neste trabalho é uma abordagem bergsoniana da obra de ficção de Kleber Mendonça, partindo do conceito de memória fundamentado na dualidade entre uma memória ligada ao hábito e outra rememorada como imagem (Bergson, 1975, 2010). Assim, elaboramos uma associação destas duas memórias distintas à recorrência de duas respectivas figuras nos filmes analisados: ruínas, ligadas ao funcionamento social burguês fincado em estruturas coloniais e representadas por uma forma fílmica clássica; e fantasmas, sendo estes os desvios pontuais desta forma clássica que evocam o ressurgimento de classes marginalizadas, operando como comentários do autor em uma tomada de autoconsciência da narrativa.
    Esta abordagem é operacionalizada em uma análise que parte das relações de espectatorialidade que estes filmes promovem. Partimos das premissas dos espaços de comunicação de Roger Odin (2021) para identificar as formas de contextualização empregadas nas obras. Em seguida, empregamos ainda os princípios da análise poética de David Bordwell (1985, 2007) e Kristin Thompson (1988) para compreender como o estilo formal destes filmes se articula para produzir efeitos e sentidos a partir desta contextualização.
    Portanto, o que almejamos com este trabalho é analisar o emprego sistemático de dispositivos de memória na obra de ficção do diretor, estabelecendo o que podemos denominar de uma “Trilogia da Memória” composta por estes três filmes. Esta análise, entretanto, não se limita à descrição destas obras. Pretendemos argumentar que Kleber Mendonça Filho opera a memória duplamente como matéria fílmica e método, produzindo uma relação de espectatorialidade singular. Logo, o que buscamos é produzir uma teoria do cineasta a partir da qual possamos extrair alguns princípios para um cinema da memória.

Bibliografia

    AUMONT, Jacques. As teorias dos cineastas. São Paulo: Papirus, 2004

    BERGSON, Henri. Mémoire et vie. Paris: Presses Universitaires de France, 1975.

    BERGSON, Henri. Matéria e memória: ensaio sobre a relação do corpo com o espírito. 4. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010.

    BORDWELL, David. Narration in the fiction film. Madison: The University of Wisconsin Press, 1985.

    BORDWELL, David. Poetics of cinema. New York: Routledge, 2007.

    ODIN, Roger. Spaces of Communication: Elements of Semio-Pragmatics. Amsterdam: Amsterdam University Press, 2021.

    THOMPSON, Kristin. Breaking the glass armor: neoformalist film analysis. Princeton: Princeton University Press, 1988.