Ficha do Proponente
Proponente
- fernanda ribeiro de salvo (UFJF)
Minicurrículo
- Professora adjunta da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora, no Departamento de Fundamentos, Teorias e Contextos. Doutora em Comunicação Social pela Universidade Federal de Minas Gerais. Pós-doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Líder do Grupo de Pesquisas Estéticas, Narrativas e Políticas da Imagem.
Ficha do Trabalho
Título
- Cartografias latino-americanas: geopolítica e espacialidades no cinema de Maya Da-rin
Resumo
- Este artigo discute a relação entre o espaço construído na representação e a geopolítica que se desenha junto com o cinema, tomando como objeto empírico os documentários Margem (2007) e Terras (2009), de Maya Da-rin. Nos dois filmes, as fronteiras latino-americanas são inventariadas, permitindo a reelaboração de imaginários e historicidades sobre o território. Como aporte teórico-metodológico, utilizaremos as noções de “epistemologias do Sul” e “sociologia das ausências” (Santos, 2019).
Resumo expandido
- Neste artigo faremos uma reflexão sobre os espaços conformados pelo cinema de Maya Da-rin, com atenção a dois de seus documentários. O primeiro é Margem (2007) que acompanha durante dois dias uma embarcação que parte da fronteira entre o Brasil e a Colômbia, com destino à Iquitos (Peru). No filme, a câmera inventaria a paisagem à medida em que o barco avança e os passageiros apresentam suas compreensões sobre o território, cravado no interior da floresta amazônica. Em Terras (2009), a cineasta recupera as experiências subjetivas dos moradores das cidades fronteiriças de Letícia (Colômbia) e Tabatinga (Brasil).
Nos filmes, as fronteiras são investigadas não como limite territorial, mas como lugar de muitos atravessamentos: dos fluxos migratórios e dos significados, dos intercâmbios linguísticos, dos movimentos e emergências. Ao tomar a fronteira em seu sentido geográfico sem descuidar de sua dimensão simbólica, os filmes de Da-rin colocam sob rasura a noção de fronteira como invenção do mundo colonial.
Com efeito, as narrativas fornecem cartografias outras, permitindo a reelaboração de imaginários e historicidades sobre os territórios latino-americanos. Os filmes conformam espacialidades políticas, à medida em que constroem representações férteis de mapeamentos e formas de conhecimento pautados pelas heterogeneidades, confluências e intercâmbios próprios dos territórios que figuram.
Para discutir a geopolítica que se desenha junto com os filmes de Da-rin, retomaremos o conceito de “epistemologias do Sul”, formulado por Boaventura de Sousa Santos (2019). Com a noção, Santos prenuncia a constituição de um Sul epistemológico, não-geográfico, de onde se manifestam conhecimentos nascidos dos atos resistentes ao capitalismo e ao colonialismo. Instrumento metodológico primoroso para a aproximação ao tema, sugere Santos, é a aplicação da “sociologia das ausências”— uma espécie de cartografia que identifica os modos como a linha que separa o lado metropolitano do lado colonial do planeta (separação produzida pelo colonialismo histórico) produziu exclusões abissais e a não-existência de certos grupos, localidades e modos de vida, a fim de torna-los perigosos, descartáveis ou ameaçadores (Santos, 2019).
A proposição de Santos nasce pontuada por sua preocupação com a produção dos espaços no mundo colonial como reiteração das relações hegemônicas. Preocupação análoga alimentou o debate crítico no campo das artes e das ciências humanas durante todo o século XX. Não por acaso, as transformações no espaço pictórico impulsionadas pelas vanguardas artísticas no início do século negaram a geometria perspectivista e o espaço euclidiano criado no Iluminismo. Do mesmo modo, a temática do espaço integrou argumentos de filósofos e historiadores da arte ao longo do século, como se observa nas contribuições de Ortega y Gasset, Pierre Francastel e Michel Foucault, só para citar alguns nomes. Tais pensadores preferiram uma compreensão aguda do espaço, destronando as crenças racionalistas relativas ao espaço e tempo homogêneos.
No que tange ao “espaço representado”, Jacques Aumont (2012, p. 228) recupera a colaboração de Francastel para quem as relações espaciais deveriam ser observadas não somente em função do “visível e de sua geometria, mas de um ponto de vista múltiplo, fundado também na noção de ‘espaço social’ de Durkheim e na noção de espaço ‘genético subjetivo’ de Piaget e Wallon”.
Em seus escritos sobre as experiências espaciais mundo moderno, David Harvey (2008) afirma que a tendência a privilegiar a espacialização do tempo, que se observou em pensadores como Lyotard, Fish, Frampton e Foucault “oferece múltiplas possibilidades no âmbito das quais uma ‘alteridade’ espacializada pode florescer” (Harvey, 2008, p. 248).
Com base nessas contribuições, examinaremos como os filmes de Maya Da-rin constroem espacialidades políticas, que redundam em novas formas de conhecimento sobre os territórios latino-americanos e de figuração da alteridade.
Bibliografia
- AUMONT, Jacques. A imagem. Campinas, SP: Papirus, 2012.
FOUCAULT, Michel. Outros espaços. In: BARROS DA MOTTA, Manoel (org.). Estética: Literatura e Pintura, Música e Cinema. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006. p. 411-422.
HANNERZ, Ulf. Fluxos, fronteiras, híbridos: palavras-chave da antropologia transnacional. Mana, 1997. Disponível em: https://www.scielo.br/j/mana/a/bsg6bwchcBbqfnpW6GYvnPg/ Acesso em 04 de abril de 2025.
HARVEY, David. Condição pós-moderna. Uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 17ª Edição. São Paulo: Edições Loyola, 2008.
LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. São Paulo: Centauro, 2001.
SANTOS, Boaventura de Sousa. O fim do império cognitivo: a afirmação das epistemologias do Sul. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2019.
SOJA, Edward W. Geografias pós-modernas: a reafirmação do espaço na teoria social. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1993.