Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    fernanda ribeiro de salvo (UFJF)

Minicurrículo

    Professora adjunta da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora, no Departamento de Fundamentos, Teorias e Contextos. Doutora em Comunicação Social pela Universidade Federal de Minas Gerais. Pós-doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Líder do Grupo de Pesquisas Estéticas, Narrativas e Políticas da Imagem.

Ficha do Trabalho

Título

    Cartografias latino-americanas: geopolítica e espacialidades no cinema de Maya Da-rin

Resumo

    Este artigo discute a relação entre o espaço construído na representação e a geopolítica que se desenha junto com o cinema, tomando como objeto empírico os documentários Margem (2007) e Terras (2009), de Maya Da-rin. Nos dois filmes, as fronteiras latino-americanas são inventariadas, permitindo a reelaboração de imaginários e historicidades sobre o território. Como aporte teórico-metodológico, utilizaremos as noções de “epistemologias do Sul” e “sociologia das ausências” (Santos, 2019).

Resumo expandido

    Neste artigo faremos uma reflexão sobre os espaços conformados pelo cinema de Maya Da-rin, com atenção a dois de seus documentários. O primeiro é Margem (2007) que acompanha durante dois dias uma embarcação que parte da fronteira entre o Brasil e a Colômbia, com destino à Iquitos (Peru). No filme, a câmera inventaria a paisagem à medida em que o barco avança e os passageiros apresentam suas compreensões sobre o território, cravado no interior da floresta amazônica. Em Terras (2009), a cineasta recupera as experiências subjetivas dos moradores das cidades fronteiriças de Letícia (Colômbia) e Tabatinga (Brasil).
    Nos filmes, as fronteiras são investigadas não como limite territorial, mas como lugar de muitos atravessamentos: dos fluxos migratórios e dos significados, dos intercâmbios linguísticos, dos movimentos e emergências. Ao tomar a fronteira em seu sentido geográfico sem descuidar de sua dimensão simbólica, os filmes de Da-rin colocam sob rasura a noção de fronteira como invenção do mundo colonial.
    Com efeito, as narrativas fornecem cartografias outras, permitindo a reelaboração de imaginários e historicidades sobre os territórios latino-americanos. Os filmes conformam espacialidades políticas, à medida em que constroem representações férteis de mapeamentos e formas de conhecimento pautados pelas heterogeneidades, confluências e intercâmbios próprios dos territórios que figuram.
    Para discutir a geopolítica que se desenha junto com os filmes de Da-rin, retomaremos o conceito de “epistemologias do Sul”, formulado por Boaventura de Sousa Santos (2019). Com a noção, Santos prenuncia a constituição de um Sul epistemológico, não-geográfico, de onde se manifestam conhecimentos nascidos dos atos resistentes ao capitalismo e ao colonialismo. Instrumento metodológico primoroso para a aproximação ao tema, sugere Santos, é a aplicação da “sociologia das ausências”— uma espécie de cartografia que identifica os modos como a linha que separa o lado metropolitano do lado colonial do planeta (separação produzida pelo colonialismo histórico) produziu exclusões abissais e a não-existência de certos grupos, localidades e modos de vida, a fim de torna-los perigosos, descartáveis ou ameaçadores (Santos, 2019).
    A proposição de Santos nasce pontuada por sua preocupação com a produção dos espaços no mundo colonial como reiteração das relações hegemônicas. Preocupação análoga alimentou o debate crítico no campo das artes e das ciências humanas durante todo o século XX. Não por acaso, as transformações no espaço pictórico impulsionadas pelas vanguardas artísticas no início do século negaram a geometria perspectivista e o espaço euclidiano criado no Iluminismo. Do mesmo modo, a temática do espaço integrou argumentos de filósofos e historiadores da arte ao longo do século, como se observa nas contribuições de Ortega y Gasset, Pierre Francastel e Michel Foucault, só para citar alguns nomes. Tais pensadores preferiram uma compreensão aguda do espaço, destronando as crenças racionalistas relativas ao espaço e tempo homogêneos.
    No que tange ao “espaço representado”, Jacques Aumont (2012, p. 228) recupera a colaboração de Francastel para quem as relações espaciais deveriam ser observadas não somente em função do “visível e de sua geometria, mas de um ponto de vista múltiplo, fundado também na noção de ‘espaço social’ de Durkheim e na noção de espaço ‘genético subjetivo’ de Piaget e Wallon”.
    Em seus escritos sobre as experiências espaciais mundo moderno, David Harvey (2008) afirma que a tendência a privilegiar a espacialização do tempo, que se observou em pensadores como Lyotard, Fish, Frampton e Foucault “oferece múltiplas possibilidades no âmbito das quais uma ‘alteridade’ espacializada pode florescer” (Harvey, 2008, p. 248).
    Com base nessas contribuições, examinaremos como os filmes de Maya Da-rin constroem espacialidades políticas, que redundam em novas formas de conhecimento sobre os territórios latino-americanos e de figuração da alteridade.

Bibliografia

    AUMONT, Jacques. A imagem. Campinas, SP: Papirus, 2012.
    FOUCAULT, Michel. Outros espaços. In: BARROS DA MOTTA, Manoel (org.). Estética: Literatura e Pintura, Música e Cinema. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006. p. 411-422.
    HANNERZ, Ulf. Fluxos, fronteiras, híbridos: palavras-chave da antropologia transnacional. Mana, 1997. Disponível em: https://www.scielo.br/j/mana/a/bsg6bwchcBbqfnpW6GYvnPg/ Acesso em 04 de abril de 2025.
    HARVEY, David. Condição pós-moderna. Uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 17ª Edição. São Paulo: Edições Loyola, 2008.
    LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. São Paulo: Centauro, 2001.
    SANTOS, Boaventura de Sousa. O fim do império cognitivo: a afirmação das epistemologias do Sul. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2019.
    SOJA, Edward W. Geografias pós-modernas: a reafirmação do espaço na teoria social. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1993.