Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Alberto Inácio da Silva (Sorbonne Université)

Minicurrículo

    Alberto Da Silva é doutor em História (UFPE) e em Estudos Lusófonos (Sorbonne Université). É professor universitário de história contemporânea brasileira na Sorbonne Université. Membro do Centre de recherche interdisciplinaire sur les mondes ibériques contemporains (CRIMIC). Especialista em cinema brasileiro, é autor de vários artigos sobre as questões de gênero, raça e classe. Trabalha também com o espaço no cinema e as relações entre os vestígio do passado no cinema contemporâneo.

Ficha do Trabalho

Título

    Imagens fantasmagóricas do passado no cinema brasileiro

Resumo

    Alguns filmes brasileiros dos últimos anos tratam de maneira diferente a relação com o passado. Seu tempo diegético é o presente em que foram produzidos: nessas produções cinematográficas, não há, particularmente, uma preocupação com a reconstituição formal e narrativa do passado. Para esta comunicação, propomos analisar alguns desses filmes cujas referências fantasmagóricas assombram as relações de classe, gênero e raça, questionando as conexões entre passado, presente e futuro.

Resumo expandido

    No cinema brasileiro da segunda metade dos anos 2000, diversos filmes se inserem na tradição do cinema histórico, por meio de um importante trabalho de pesquisa sobre as fontes do passado, assim como do diálogo com especialistas do período, com o objetivo de reconstituir o passado da forma mais fiel possível. No entanto, algumas obras abordam de maneira distinta a relação com o passado. Seu tempo diegético é o presente: elas não se preocupam particularmente com a reprodução formal e narrativa do passado. Nesses filmes, as imagens do passado surgem no presente, infiltram-se nele — às vezes, segundo a expressão de Walter Benjamin, “no instante de um relâmpago” (BENJAMIN, 2013); essas imagens também podem aparecer como resquícios de um passado que se faz presente ao mesmo tempo em que remete ao que já foi.
    Esses filmes, que situam suas tramas no período em que foram produzidos, são atravessados por uma história composta por vestígios, por camadas do passado. Suas narrativas se desenrolam no presente, mas são constantemente permeadas pelo passado. Essa “presença do passado”, segundo Linda Hutcheon, não sugere uma busca por um sentido transcendente e atemporal, tampouco uma idealização, mas sim uma reavaliação e um diálogo com o passado à luz do presente. Eles não propõem, como diria Hutcheon, um “retorno nostálgico”, mas sim uma reavaliação crítica, um diálogo irônico com o passado, problematizando assim o presente e questionando tanto a relação entre a história e a realidade quanto entre a realidade e a linguagem (HUTCHEON, 1991, p. 34).
    Para esta comunicação, propomos analisar alguns desses filmes, cujas referências aos fantasmas assombram as relações sociais de classe, gênero e raça, em conexão com temáticas do passado brasileiro que continuam a perturbar a sociedade atual. Acreditamos que esse interesse por temáticas tão importantes da história do Brasil está relacionado às transformações vividas pelo país nos últimos anos, marcadas pelos antagonismos entre, de um lado, os debates promovidos por movimentos negros, intelectuais e artistas alinhados à esquerda brasileira, e, de outro, um discurso racista, misógino, homofóbico e antiesquerdista propagado por movimentos associados à extrema-direita.
    Nas nossas reflexões, interessa-nos compreender de que maneira esses vestígios surgem como espectros do passado, à luz de uma interpretação do conceito derridiano que nos parece pertinente para a leitura desses filmes brasileiros que fazem retornar o passado colonial do Brasil ao “desarticular o tempo” (DERRIDA, 1993) — um tempo do passado que não cessa de voltar, como podemos observar em filmes como O Nó do Diabo (2016) de Ramon Porto Mota, Ian Abé, Gabriel Martins e Jhésus Tribuzi, Praia Formosa (2024), de Juliana de Simone, Açúcar (2017), de Renata Pinheiro e Sérgio Oliveira, ou ainda em O Som ao Redor (2012) e Aquarius (2016), de Kleber Mendonça Filho.
    O uso recorrente desses dispositivos em referência ao passado colonial, nos filmes aqui propostos , demonstra que os fantasmas podem ser um instrumento importante para discutir esse passado, não apenas no Brasil, mas também em outros países ainda assombrados por essas questões. Nesse sentido, Inês Nascimento Rodrigues (NASCIMENTO RODRIGUES, 2018) afirma que, no contexto dos estudos pós-coloniais, a fantasmagoria é uma ferramenta social e conceitual relevante para revelar histórias e vozes silenciadas, questionando, assim, as relações entre passado, presente e futuro. Nos filmes aqui propostos, essa maneira de conceber a abertura do passado para analisar o presente e oferecer esperança ao futuro ressoa com as propostas de Walter Benjamin para se pensar a história, afastando-se de uma perspectiva nostálgica e imutável. O filósofo vai ainda mais longe ao imaginar que essa abertura poderia, possivelmente, fazer justiça a todas as vítimas do passado, conferindo, assim, uma “pretensão” reparadora de redenção, dentro de uma lógica benjaminiana.

Bibliografia

    BENJAMIN, Walter, Sur le concept d’histoire, Paris, Éditions Payot & Rivages, 2013.
    BLANCO, María del Pilar; PEEREN, Esther (orgs.), The Spectralities Reader. Ghosts and Haunting in Contemporary Cultural Theory, New York/London: Bloomsbury, 2013.
    DA SILVA, Denise Ferreira, « À brasileira: racialidade e a escrita de um desejo destrutrivo »,Estudos Feministas, Florianópolis, vol. 14, n° 1, janvier-avril 2006, pp. 61-83.
    DERRIDA, Jacques, Spectres de Marx, Paris, Galilée, 1993.
    GORDON, Avery F, Ghostly Matters: Haunting and the Sociological Imagination, Minneapolis/London, University of Minnesota Press, 2008.
    HUTCHEON, Linda, Poética do Pós-modernismo, Rio de Janeiro, Imago Ed., 1991.
    JOSEPH-VILAIN, Mélanie ; MISRAHI-BARAK, Judith, « Introduction », in Postcolonial Ghosts, Montpellier, Presses universitaires de la Méditerranée, 2009.
    LÖWY, Michael, Walter Benjamin : avertissement d’incendie – une lecture des Thèses « Sur le concept d’histoire », Paris, L’Éclat/Poche, n° 28, 201