Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Ana Caroline de Almeida (UFPE)

Minicurrículo

    Carol Almeida é pesquisadora, professora e curadora de cinema. Doutora no programa de pós-graduação em Comunicação na UFPE, com pesquisa centrada no cinema contemporâneo brasileiro. Faz parte da equipe curatorial do Festival Olhar de Cinema/Curitiba, da Mostra de Cinema Árabe Feminino e da Mostra que Desejo, esta última promovida pelo Mirante Cineclube. Realiza oficinas sobre cinema brasileiro, curadoria e crítica de cinema e representação de mulheres no audiovisual.

Ficha do Trabalho

Título

    A inscrição do arquivo nos corpos palestinos que dançam

Seminário

    Arquivo e contra-arquivo: práticas, métodos e análises de imagens

Resumo

    A partir de uma análise do filme Dancing Palestine, da diretora palestina Lamees Almakkawy, esta comunicação busca pensar os arquivos não apenas como evidências, mas sobretudo como possibilidades de imaginar outros futuros da Palestina que não estejam confinados no próprio apagamento do seu povo. No filme, “o corpo se torna um arquivo” na documentação em movimento de uma dança chamada “dabke”, e assim assistimos a um gesto de uso de algumas imagens na produção de uma “imaginação arquivística”.

Resumo expandido

    É possível identificar, com uma recorrência que certamente não é casual, a centralidade do debate arquivístico na produção do cinema palestino, esteja ele fundado num passado histórico de grupos ativistas que filmavam na consciência constante de produzirem evidências da política genocida de um estado sionista (a ver a intensa produção cinematográfica da Organização pela Libertação da Palestina, OLP, nos anos 1970), esteja ele ligado a um gesto contemporâneo de usar arquivos existentes, ou mesmo o apagamento desses arquivos, como fonte para invenção e fabulação de novos arquivos que semeiam outro tipo de futuro para o povo palestino, vítima desde 1948 daquilo que Achile Mbembe vai definir como o exemplo mais notório do conceito de “necropolítica”.
    Esta comunicação pretende usar como estudo de caso um desses filmes contemporâneos que tenta buscar imagens de arquivo não apenas como evidências, mas sobretudo para imaginar outras possibilidades de futuro da Palestina quando o suporte maior do arquivo se torna o corpo vivo das pessoas que inscrevem rastros de um povo em seus movimentos e em suas peles. O filme em questão chama-se Dancing Palestine, da diretora palestina Lamees Almakkawy, e parte, justamente, da ausência de arquivos de fácil acesso sobre uma dança palestina chamada “dabke”. “O corpo se torna um arquivo. Porque quando tudo lhe é retirado, o que sobra é apenas o seu corpo”, nos conta o filme no momento em que vemos imagens produzidas por forças coloniais se moverem pelo corpo-tela de duas dançarinas e um dançarino.
    Apoiando-se do conceito – sempre em disputa – do arquivo como “vestígio bruto de vidas que não pediam absolutamente para serem contadas dessa maneira e que foram coagidas a isso porque um dia se confrontaram com as realidades da polícia e da repressão” (Farge, 2009. p. 13-14), parte-se aqui do pressuposto de que Dancing Palestine faz parte de uma corrente do cinema documental e experimental palestino contemporâneo que funciona dentro da lógica narrativa do “tempo perturbado” (Said, 1999) do povo palestino, leia-se, um tempo “disperso, descontínuo, marcado pelos arranjos artificiais e imposições do espaço interrompido ou confinado, pelos deslocamentos e ritmos não sincronizados” (Said, 1999, p. 20) e que, portanto, exige uma mirada sobre os arquivos com as especificidades de um contexto em que a violência colonial se dá sobre as bases de apagamento material e simbólico do passado, presente e futuro de todo um povo, bem sintetizados na famosa frase da ex primeira-ministra de Israel, Golda Meir, quando questionada sobre o povo palestino: “Eles não existem”.
    Igualmente, o filme se alia a um grupo de outros filmes contemporâneos palestinos que reelaboram os usos dos arquivos em gestos que podemos chamar de contra-arquivísticos, no sentido de que eles desobedecem certos métodos de manejo dessa documentação e passam a produzir uma “imaginação arquivística que opera a serviço do futuro e promove uma temporalidade que excede a causalidade histórica” (Hochberg, 2021, p. 3). No mesmo texto sobre filmes palestinos que, segundo a autora, fabulam outros futuros na reelaboração criativa dos arquivos, essa imaginação “obscurece a distinção entre arquivos oficiais e documentos arquivísticos reconhecidos, por um lado, e arquivos alternativos, impossíveis ou imaginários, por outro” (Hochberg, 2021, p. 3).
    Se em 1975, Serge Le Péron escrevia na Cahiers du Cinéma que “os cineastas palestinos são simplesmente confrontados com a seguinte tarefa: (re)construir uma memória de vida e luta que seja mobilizadora, ou seja, motriz para o futuro”, Hochberg, nos estudos contemporâneos desse cinema, atualiza e acentua o debate: A questão palestina é a questão dos arquivos. E o cinema tem sido a ferramenta central dessa premissa.

Bibliografia

    DAKHLI, Leyla. Archiving in an age of (counter)revolutions: The Remaking of the Political in the Arab World. Hal Open Science, London, 2022. Disponível em: https://shs.hal.science/halshs-03924550/document.

    FARGE, Arlette. O sabor do arquivo. São Paulo: Edusp, 2009.

    HOCJBERG, Gil Z. Becoming Palestine: Toward an Archival. Imagination of the Future. Durham, NC: Duke University Press, 2021.

    MBEMBE, Achille. Necropolítica. 3. ed. São. Paulo: n-1 edições, 2018.

    PERÓN, Serge. Sobre o cinema palestino. In: SANTOS, William Fernando de Oliveira. Mostra de Cinema Militante: Palestina anos 1970. (Trabalho de conclusão de curso). Departamento de Comunicação Social – Universidade Federal de Pernambuco, 2024.

    SAID, Edward. After the Last Sky: Palestinian lives. Nova York: Columbia University Press, 1999.