Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Myllena Matos Souza de Jesus (UFPE)

Minicurrículo

    Graduada em Artes Visuais pela UFPE e mestranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFPE na linha Estética e Culturas da Imagem e do Som, onde pesquisa as intersecções entre cinema e artes-visuais.

Ficha do Trabalho

Título

    A alegoria espectral nas poéticas de Janaína Wagner e Apitchatpong Weerasethakul.

Eixo Temático

    ET 3 – FABULAÇÕES, REALISMOS E EXPERIMENTAÇÕES ESTÉTICAS E NARRATIVAS NO CINEMA MUNDIAL

Resumo

    No rastro de autores como May Ingawanij a partir de suas considerações sobre animismo no cinema de Apichatpong, de Lucia Monteiro referenciando uma temporalidade geólogica ao cinema, e das considerações do tempo espectral de Bliss Cua Lim. Esta pesquisa analisa os filmes Curupira e a máquina do destino (2021) e Tio Boonme, que pode recordar suas vidas passadas (2010) a partir da sua condição de representações sensíveis de alegorias históricas através da possibilidade intermidiática do cinema.

Resumo expandido

    Em Curupira e a Máquina do destino (2021) a artista e cineasta Janaína Wagner percorre a Transamazônica BR-230 e a Rodovia Fantasma BR-319,que já na década de 1980 estava abandonada, ficando conhecida como Estrada Fantasma, para reencenar a história cíclica de Iracema, personagem resgatada do filme homônimo “Iracema: Uma Transa Amazônica” (1984, Jorge Bodanzky e Orlando Senna). Se apropriando de elementos que remontam práticas do cinema experimental ou que recusa as convenções narrativas usuais, como o uso de sobreposições e não-linearidade temporal o filme busca evocar uma Iracema fantasma, em constante estado de desaparição que em sua busca por uma Curupira nas margens da floresta cortada pelas rodovias busca vingar e romper com a história cíclica que assombra a personagem de Iracema.

    Em Tio Boonme, que pode recordar suas vidas passadas (2010) do cineasta Apichatpong Weerasethakul a fronteira que marca a selva e as ruínas históricas empregadas por um processo histórico que tem suas raízes epistemológicas na antagonização entre cultura versus natureza é representada através das criaturas que habitam a selva de Siam, ao mesmo tempo que remonta a história de Boonme, assombrado pela memória da guerra-fria na Tailândia.

    Esses filmes serão analisados comparativamente a partir da sua condição de figuração espectral enquanto uma alegoria histórica que empreende uma compreensão de suas narrativas a partir da chave da não-contemporaneidade ou não-sincronidade (Bliss Cua Lim, 2001), utilizando da fronteira entre floresta/civilização como uma paisagem palimpsesto, uma zona que desafia a partir de seus viventes, as demarcações coloniais modernas. Essa zona indeterminada representa aqui um lugar de subjetivação conjurado pela suspensão temporal, ou temporalidade espectral caracterizada pela aparição de seus personagens: Huay, Boonsong, Iracema e a Curupira. A narrativa espectral abre espaço para compreender e radicalizar o conceito de não-sincronicidade, a irrupção do fantasma/criatura força a dobra de tempo que desafia um paradigma histórico dominante e torna o espectro uma chave de entendimento e uma figura desafiadora em sua natureza incapturável. O impulso da alegoria é resgatar do esquecimento histórico aquilo que ameaça desaparecer. Embora um olhar retrospectivo ao passado através da aparição dos fantasmas como alegorias históricas calcule uma linearidade histórica, a animação do espectro no presente, sugere que ao invés de superar o passado ele passeia por temporalidades outras e simultâneas, vivendo em um regime de opacidade e não-sincronia. Enquanto a figura da Curupira, força reguladora da natureza, é utilizada como possibilidade de análise do extrativismo ainda corrente frente à promessa de desenvolvimento que envolve a construção da Transamazônica e da Estrada Fantasma em plena ditadura militar no Brasil. A representação analógica da floresta, filmada em Super 16 mm e adotando a técnica da noite americana, assim como a aparição casual dos personagens respectivamente fantasma e criatura, Huay e Boonsong, representam a floresta como uma zona de subjetivação e indeterminação ontológica frente ao terror praticado durante e após a guerra-fria na Tailândia, onde a selva serviu ao mesmo tempo, como território de fuga e ameaça. As selvas se tornaram uma zona de abrigo dos silêncios que marcaram as violências neocoloniais das duas regiões, e também um lugar carregado de metamorfose, onde a transformação em criatura ou abrigo dela se mostra como uma possibilidade de preservação de alguma essência frente às sucessivas tentativas de apagamento da história.a naturalização do tempo secular moderno é projetado em várias direções, e por isso as narrativas fantástico-espectrais desafiam esse tempo neutro e homogêneo ao impor uma co-presença espaço-temporal que o desafia. A figura espectral/fantasmagórica insiste na ideia de que os modos de consciência nunca estão firmados e superados, e a realidade é um consenso fragmentado.

Bibliografia

    Berry, Chris. Realismo assombrado: pós-colonialidade e o cinema de Chang Tso-Chi. Realismo Fantasmagórico / Cecília Mello et al. São Paulo: Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária – USP, 2015.

    DIAS, Laurindo. Espectros de Derrida na ficção brasileira contemporânea: 1964 e seus fantasmas consistentes nas obras A resistência de Júlian Fuks e Lavoura Arcaica de Raduan Nassar. v. 25 n. 1 (2017): Dossiê Literatura e Filosofia.

    INGAWANIJ, May Adadol. O animismo realista performativo de Apichatpong Weerasethakul. Realismo Fantasmagórico / Cecília Mello et al. São Paulo: Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária – USP, 2015.

    LIM, Bliss Cua. Translating Time: Cinema, the Fantastic, and Temporal Critique. Durham: Duke University Press, 2009.

    MONTEIRO, L. R. Por Um Cinema Geológico: visibilidades possíveis para os tempos da Terra. Revista Eco Pós, v. 23, n. 2, p. 163–187, 21 nov. 2020.