Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Gabriela Kvacek Betella (UNESP)

Minicurrículo

    Professora assistente doutora MS3.2 na FCL-UNESP-Assis, área de Língua e Literatura italiana. Mestre e doutora (ambos com bolsa FAPESP) em Teoria Literária e Literatura Comparada (USP), com pós-doc no IEB-USP (FAPESP). Atuação voltada para os estudos das relações entre Literatura, História e Audiovisual, no âmbito da coordenação da área de italiano no Departamento de Letras Modernas e no programa de pós-graduação de sua unidade, na linha de pesquisa Literatura Comparada e Estudos Culturais.

Ficha do Trabalho

Título

    A melancolia em três filmes de Nanni Moretti: O quarto do filho, Mia madre e Tre piani

Resumo

    Como luto patológico e ferida narcísica segundo Freud, consciência histórica diante das ruínas da modernidade com Benjamin, a melancolia toma forma estética disposta a representar retrocessos sociais nos filmes em que Nanni Moretti se afasta do protagonismo, depositando crises, fragilidades e desamparo em personagens e situações narrativas capazes de estimular nossa consciência da unidade entre pessoal e coletivo a partir da reflexão crítica sobre os conflitos íntimos e os processos históricos.

Resumo expandido

    A melancolia, fenômeno psíquico, histórico e cultural, é analisada desde a Antiguidade. Associada à bile negra na teoria hipocrática, ganha em Aristóteles a dimensão ambígua entre sofrimento e genialidade. No século XVII, Robert Burton, em The Anatomy of Melancholy, abrange da acídia medieval à reabilitação da melancolia como figura do intelecto, reconhecendo sua universalidade. Antes dele, no século XVI, Albrecht Dürer e Hans Holbein já haviam representado a inquietação melancólica como tensão entre paralisia interior e potência criativa. No século XIX, o termo depressão substitui a melancolia na psiquiatria, mas Sigmund Freud a resgata no século XX como “luto patológico”, fruto de uma “ferida narcísica” agravada pela hipertrofia do ego moderno. Ao contrário do luto, a melancolia se refere a uma perda inconsciente, empobrecendo o eu e gerando culpa e autodepreciação. Walter Benjamin a identifica como traço da modernidade: consciência de um mundo em ruínas diante da fragmentação do tempo e da experiência. Ao opor a catarse da tragédia clássica à estagnação do drama barroco, Benjamin aponta a melancolia como impossibilidade de transcendência e forma crítica de olhar os “destroços da história”.
    Há quase 50 anos, um impaciente e combativo Nanni Moretti se expõe e se retrai em seus filmes, instigando o espectador a sair do conforto de suas convicções. A filmografia traz protagonistas na fronteira de contradições insanáveis, como a realização das escolhas absolutas e a adaptação passiva aos próprios limites – discrepância que costuma conferir um humor de herança pirandelliana. Contudo, há momentos em que a obra é visitada por uma melancolia particular, revelando protagonistas mais dispostos a confessar dúvidas, incertezas e dores com uma sinceridade inesperada. Tal contraste pode ser visto em pelo menos três momentos: da passagem de Aprile (1998) para O quarto do filho (La stanza del figlio, 2003), de Il Caimano (2006) e Habemus Papam (2011) para Mia madre (2015) e do período com vários curtas e o documentário Santiago, Italia (2018) para Tre Piani (2021). Sabemos que a crítica social (das esferas da família, da geração do cineasta e do próprio cinema italiano) e o empenho político (disposto a criticar as falácias da direita e, sobretudo, os equívocos da esquerda) pontuam a trajetória do cineasta, porém nos filmes de 2003, 2015 e 2021 a introspecção das personagens, os temas e enredos ligados ao luto, insegurança profissional, crise existencial, descontrole emocional, solidão, abandono, imposição de regras morais e éticas, revelam o efeito devastador das falências pessoais e sociais, compondo uma alta densidade política se levamos em conta as visões reflexivas e pessimistas sobre o esvaziamento de valores fundamentais para a história recente da Itália. O aspecto íntimo e confessional, assim como a presença das dúvidas e incertezas das relações humanas não neutralizam a força combativa do jovem Moretti dos anos de 1970 a 1990, pois há um ganho reflexivo que passa a se dividir entre o tom melancólico e a dimensão crítica do presente.
    Nossa proposta é explorar o caráter melancólico que se instala em diferentes proporções subjetivas nos três filmes como instrumento de representação das situações de confronto com formas de silenciamento e de exclusão impostas por um processo histórico e social, cujos resultados estéticos, tributários de uma política do afeto e da memória, são capazes de devolver ao espectador as próprias insuficiências no intuito de estimular a consciência da unidade entre pessoal e coletivo, assim como do atraso, voluntário ou não, nas duas esferas. O sentido melancólico dos filmes maduros de Moretti ocupa o lugar do individualismo, da irritação e da intolerância dos jovens protagonistas que buscavam a lucidez. O ajuste de tom, em cada momento, refina as possibilidades de esclarecimento, fugindo da vitimização e deixando o espectador sem o anteparo da figura intransigente na qual poderia se espelhar com certo gosto.

Bibliografia

    BENJAMIN, W. Origem do Drama Barroco Alemão. Trad. Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1984.
    BENJAMIN, W. Sobre o conceito de história. In: _____. Magia e técnica, arte e política. Trad. Sergio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1987.
    BETELLA, G. K. Nanni Moretti, leitor de Abraham Yehoshua e Eshkol Nevo. Anais SOCINE 2024 (no prelo).
    FABRIS, M. Valerio Zurlini: primeiro e segundo planos. Anais COMPÓS – 17º Encontro Anual da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação. São Paulo: UNIP, 2008.
    FREUD, S. Luto e melancolia. Trad. Marilene Carone. São Paulo: Cosac Naify, 2012.
    KEHL, M. R. O tempo e o cão. A atualidade das depressões. São Paulo: Boitempo, 2009.
    SABBADINI, A. Algumas reflexões sobre o filme de Nanni Moretti: O quarto do filho. Jornal de Psicanálise 52 (96), 265-271. 2019
    SCLIAR, M. Saturno nos trópicos: A melancolia europeia chega ao Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.