Ficha do Proponente
Proponente
- Juliana Rodrigues Pereira (UFPR)
Minicurrículo
- Juliana Rodrigues Pereira é doutoranda em História pela Universidade Federal do Paraná e mestra pela mesma instituição (2018). Tem graduação em Cinema pela Faculdade de Artes do Paraná (2013) e Jornalismo pela PUC-PR. (2008). É assessora de comunicação e atua com revisão e preparação de textos.
Ficha do Trabalho
Título
- A prática reflexiva de Nanni Moretti em O melhor está por vir (2023)
Seminário
- Teoria de Cineastas: dos processos de criação à dimensão política do cinema
Resumo
- A partir do filme O melhor está por vir (2023), este trabalho investiga a reflexividade – traço central do estilo de Nanni Moretti – enquanto estratégia por meio da qual o filme pode pensar sobre si mesmo. Ao mesmo tempo em que opera como uma ferramenta para demarcar a visão de Moretti sobre o fazer cinematográfico, a reflexividade também possibilita a reelaboração de temas e elementos presentes em seus filmes anteriores.
Resumo expandido
- Desde seu primeiro curta-metragem, Nanni Moretti tem construído uma obra que orbita ao redor da prática reflexiva. São abundantes em seus filmes as referências diretas e indiretas a outros filmes, atores e realizadores; ao processo produtivo do cinema, como a pesquisa e a escrita do roteiro, as dificuldades de produção e as dinâmicas dentro de um set de filmagem; e a relação do espectador com o cinema e a televisão. A intenção de trazer questionamentos sobre sua própria produção, autoria, procedimentos textuais, referências intelectuais e recepção é chamada de reflexividade (Stam, 2003). Ela ocorre quando a obra “mostra o dispositivo (reflexividade cinematográfica) ou produz efeitos de espelho (reflexividade fílmica). Esta pode, por sua vez, remeter a outros filmes ou se autorrefletir” (Aumont; Marie, 2003, p. 254). Stam lembra que todo texto artístico é formado por outros textos, por fórmulas anônimas e suas variações, em citações que podem ser diretas ou indiretas, conscientes ou não. Nem sempre as fontes são plenamente identificáveis, uma vez que se trata de um processo sutil e dispersivo (Stam, 1981, 1985). Barthes também aponta o texto como um “espaço de dimensões múltiplas, onde se casam e se contestam escrituras variadas, das quais nenhuma é original: o texto é um tecido de citações, oriundas dos mil focos da cultura” (Barthes, 1988, p. 62).
Em O melhor está por vir, essa abordagem se manifesta na forma de um filme dentro do filme sobre membros do Partido Comunista Italiano (PCI), ambientado na década de 1950, que está sendo dirigido por Giovanni, interpretado por Moretti. A interseção entre a realidade da produção cinematográfica e a ficção histórica permite que Moretti construa um discurso que constantemente questiona os limites entre a autenticidade e a representação. A reflexividade pode se manifestar tanto como um desvelamento do dispositivo fílmico quanto como um processo de reescrita da própria história.
A maneira como como O melhor está por vir revisita motivos recorrentes na filmografia de Moretti, sejam temáticos ou mesmo visuais, também está relacionada com a reflexividade. Esta não é a primeira vez que Moretti retrata o PCI, que já havia sido tema de três de seus filmes, La sconfitta (1973), Palombella rossa (1989) e La cosa (1990). Também não é inédito que um impasse sobre como filmar uma determinada cena paralise um set de filmagem, tal qual em Mia madre (2015). Os patinetes usados por Giovanni e seu produtor para percorrerem a cidade evocam as perambulações de vespa em Caro diário (1993) ou Aprile (1998). Além disso, o desfile da sequência final se transforma em uma celebração do cinema de Moretti a partir do momento em que entram em cena atores que participaram de filmes produzidos ao longo dos 50 anos da carreira do realizador. Assim, pela reflexividade, Moretti faz uma superposição de camadas que tem como matéria sua própria filmografia.
Por meio da análise estilística, apoiada em entrevistas e falas públicas de Moretti, este estudo visa contribuir para a compreensão da obra do realizador italiano e ampliar o debate sobre a reflexividade no cinema contemporâneo, ressaltando como o procedimento se consolida como estratégia central para a construção de um discurso cinematográfico que é, simultaneamente, estético, teórico e político, uma forma de um filme pensar sobre si mesmo.
Bibliografia
- AUMONT, Jacques; MARIE, Michel. Dicionário teórico e crítico do cinema. Campinas: Papirus, 2003.
AUMONT, Jacques. Pode um filme ser um ato de teoria? Porto Alegre: Revista Educação e Realidade, v. 33 n. 1, jan/jun de 2008, pp. 21-34.
BARTHES, Roland. A Morte do Autor (1968). In: O Rumor da Língua. São Paulo: Brasiliense, pp: 57-64, 1988.
STAM, Robert. O espetáculo interrompido. Literatura e cinema de desmistificação. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.
______. Reflexivity in Film and Literature. From Don Quixote to Jean-Luc Godard. Ann Harbor: UMI Research Press, 1985.
______. Introdução à teoria do cinema. Campinas: Papirus, 2003.