Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    TATIANA GOMES DOS SANTOS (PPGCOM/UFRGS)

Minicurrículo

    Tatiana Gomes dos Santos é Mestranda em Comunicação Social no PPGCOM/UFRGS, é Especialista em Direito do Trabalho (VERBO JURÍDICO/ 2021) e possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais (PUCRS/ 2009). Atualmente também é graduanda em Publicidade e Propaganda na UFRGS. Participa do Grupo de Pesquisa em Semiótica e Culturas da Comunicação (GPESC), do Projeto de Pesquisa O pensamento político em imagens de ocupação urbana no Brasil, do Grupo de Pesquisa Agenciamentos da Imagem (GPAGI).

Ficha do Trabalho

Título

    O afeto da vingança e o ritual nos filmes Bacurau (2019) e Propriedade (2022)

Eixo Temático

    ET 1 – CINEMA, CORPO E SEUS ATRAVESSAMENTOS ESTÉTICOS E POLÍTICOS

Resumo

    O principal objetivo desta pesquisa é identificar os aspectos afetivos da vingança no cinema brasileiro, com ênfase nos filmes que abordam vinganças coletivas de caráter sacrificial ou ritualístico em contextos de disputas políticas e sociais, como Bacurau (2019) e Propriedade (2022).

Resumo expandido

    A vingança é um tema recorrente no cinema. Apesar de ser associada recorrentemente com a justiça ou confundida com atos de legítima defesa, ninguém está autorizado legalmente a praticar justiça com as próprias mãos. Nesse contexto, este estudo busca investigar como o cinema brasileiro mobiliza este afeto de vingança sob duas perspectivas que se entrelaçam: a teoria dos afetos de Baruch de Espinosa e a teoria do ritual de vingança de René Girard. Sendo assim, para compor o corpus do presente trabalho foram selecionados dois filmes distintos que abordam o tema das vinganças coletivas: Bacurau (2019) e Propriedade (2022).
    Bacurau é um filme que mistura muitos elementos de suspense, western, ficção científica, dentre outros, e que se passa em uma pequena cidade fictícia no sertão nordestino do Brasil. A trama gira em torno da comunidade local que começa a enfrentar eventos estranhos após o velório de uma moradora idosa. À medida que os acontecimentos se desenrolam, a cidade percebe que está sendo alvo de um grupo de estrangeiros que buscam explorar e dominar a região, “caçando” literalmente vários habitantes da comunidade. Diante dos ataques e mortes, os moradores de Bacurau revidam violentamente ao ataque.
    Já Propriedade (2022) é um filme de terror que aborda a luta de classes na sociedade brasileira. Ele conta a história de Tereza, uma mulher de classe média alta de Recife, que em seu passado, foi vítima de violência. Após o ocorrido, a personagem passa a viver reclusa em um apartamento com a sua família. No filme, ela e o marido vão passar um tempo no campo e ao chegarem à fazenda, se veem em meio a uma revolta dos trabalhadores locais que viviam em situação análoga à escravidão. Em um ciclo de violência, o proprietário, marido de Tereza, é atacado e gravemente ferido e, com isso, ela foge e se enclausura no carro blindado da família, que a separa do contato com os moradores locais e impossibilita a comunicação entre ambos os lados.
    Inicialmente, a análise dos filmes tem como base teórica a teoria dos afetos de Baruch de Spinoza (2009 e 2013) e a teoria do sacrifício, ritual e violência de René Girard (1990 e 2008). Para Spinoza (2009) em sua obra Tratado Político, o desejo de vingança pode ter um papel positivo quando associado a busca coletiva por justiça, considerando que os seres humanos são guiados mais pelos afetos do que pela razão, a partilha de afetos, como por exemplo, a esperança, o medo ou o desejo de vingança, permite que um grupo atue em conjunto, como se tivesse uma única mente, ou seja, um corpo político, ou a multidão. Já para Girard, os sacrifícios e rituais funcionam como mecanismo para frear um ciclo de violência e de vingança dentro de uma sociedade. Os rituais de sacrifício serviram, assim, ao longo da história para interromper vinganças intermináveis em sociedades pré-jurídicas. Sendo assim, para Girard, as estratégias de contenção da violência, como o sacrifício ou o ritual, assim como as da utilização de bode expiatório, são capazes de reconciliar e pacificar temporariamente os homens. O sacrifício, nesse sentido, não é apenas um ato de violência institucionalizada, mas um meio ritualizado de estabilizar as tensões e reafirmar a coesão social (Girard, 2008).
    Diante do exposto, propõe-se uma análise imagética dos dois filmes, com o intuito de identificar elementos afetivos que expressem o afeto da vingança e sua ritualização como forma de contenção de violência, conforme a teoria de René Girard. Sendo assim, importante referir que assim como nos filmes analisados, em contextos marcados pela insegurança jurídica, o afeto da vingança, quando motivado pela luta pela sobrevivência, pela resistência ou pela demanda por justiça pode, de acordo com os ensinamentos de Spinoza, não apenas aumentar a potência de agir, mas também reforçar os vínculos sociais e a reivindicação por um Estado que assegure efetivamente a justiça.

Bibliografia

    GIRARD, René. A violência e o sagrado. Tradução de Martha Conceição Gambini. São Paulo: Editora Universidade Estadual Paulista, 1990.
    GIRARD, René. O Bode Expiatório e Deus. Tradução de Márcio Meruje. Portugal: Covilhã, 2008.
    SPINOZA, Baruch. Tratado Político. São Paulo: Martins Fontes, 2009. 
    SPINOZA, Baruch. Ética. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013.