Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Ramayana Lira de Sousa (UNISUL)

Minicurrículo

    Professora do Programa de Pós-graduação em Ciências da Linguagem e do Curso de Cinema e Audiovisual da Universidade do Sul de Santa Catarina. Membro do Comitê Científico da SOCINE. Pesquisadora do Instituto Ânima

Coautor

    Alessandra Soares Brandão (UFSC)

Ficha do Trabalho

Título

    “Um instrumento de seu prazer”: o cinema como dildolândia

Seminário

    Tenda Cuir

Resumo

    Com base na pesquisa para um curta sobre a relação de mulheres cuir e pessoas trans com brinquedos sexuais, esta apresentação parte da proposta de Maria Lugones de alianças minoritárias criativas e lúdicas. Assim, forma-se uma comunidade cuir brincante, onde o trauma do “sair do armário” se desloca para o gesto de “tirar da gaveta”, discutindo metodologias que, ao cuirizar o brinquedo, talvez ludifiquem o cuir.

Resumo expandido

    “Mel”, canção com letra de Waly Salomão e composição de Caetanos Veloso e canonicamente conhecida na voz de Maria Bethânia, diz assim: “Ó abelha rainha / faz de mim / um instrumento de teu prazer / sim, e de tua glória”. Notadamente, a voz poética se entrega como meio para alcançar o prazer, desfazendo, assim, toda uma agência da subjetividade liberal que se baseia na distinção entre sujeito e objeto, entre quem dá e quem recebe a glória do gozo. Fazer-se instrumento, meio, e não fonte ou destino, eis o desafio. Ou, antes, não fazer-se, mas ser “feita” instrumento, abrindo mão de vez da agência em nome da abertura radical à alteridade. A súplica da canção nos inspira a pensar que esse instrumento do prazer tem menos a ver com a procura teleológica do orgasmo como finalidade da relação e está melhor colocada em uma possibilidade de pensar que essa glória, deslocada de seu sentido especificamente teológico, aproximando-a de outro tipo de regozijo: a profanação que vem do gesto lúdico e criativo.
    É a partir dessa noção de “instrumento” que desativa seu sentido mais utilitário e o avizinha do brincar e do brinquedo que pensamos o projeto de realização de um documentário de curta-metragem intitulado, exatamente, “Um instrumento de teu prazer”, cujo processo de pesquisa em andamento buscaremos relatar, discutir e teorizar nesta apresentação. Neste processo, evocamos tês conceitos já trabalhados em outros encontros da SOCINE: bodylands, inventariação e velcro. O primeiro nos ajuda a pensar o cinema como um território, um “Um entre-lugar na paisagem audiovisual que abriga as construções de uma geografia do desejo lésbico entre a existência e o apagamento, entre a negação e a morte, mas que também enseja modos de desestabilizar a cisheteronormatividade dominante nos filmes” (Brandão; Sousa, 2020, p. 110). Assim como encontramos uma paisagem para o desejo lésbico em bodylands, queremos com “Um instrumento de seu prazer” colaborar com a construção de uma paisagem onde os brinquedos sexuais apareçam como meios de “desestabilizar a cisheteronormatividade dominante nos filmes”, parte de uma dildolândia. O segundo conceito, inventariação (Sousa; Brandão, 2020), aparece como possibilidade para pensar a criação lúdica de arquivos de prazeres e existências cuir, onde o exercício da imaginação não se en contra mais imantado pelo trauma do “sair do armário” , mas pelo gesto de “tirar da gaveta”, de modo que os objetos não sejam entendidos como parte do mundo secreto e privado de cada pessoa, mas, antes, como prolongamento de uma imaginação compartilhada. Por fim, o velcro (Sousa; Brandão, 2024) sugere formas de organização das imagens disparadas pelo desejo cuir e lésbico.
    Tendo esses conceitos como fundamento, também evocamos a discussão de Maria Lugones (2003) sobre a ludicidade (playfulness). Lugones argumenta que a ludicidade envolve risco, invenção e ruptura. Ela rompe porque, ao acolher diferentes formas de viver e perceber o mundo, ameaça certezas e desfaz estruturas baseadas em uma única perspectiva. Ao subverter regras estabelecidas, o brincar/jogar cria suas próprias normas, abrindo espaço para outras possibilidades de relação. Para Maria Lugones, essa ludicidade, quando sustentada por vínculos afetivos e experiências compartilhadas, pode gerar modos mais inclusivos de estar junto. Mas o jogo também é arriscado: sua força criadora e destrutiva pode tanto fortalecer comunidades quanto produzir novas formas de exclusão.
    Os instrumentos/brinquedos, então, aparecem como possibilidades mediadoras, não genitalizantes, mas ludificantes. E propomos, também, que essa atitude lúdica se mostra como fértil metodologia de encontro entre as pessoas no processo de pesquisa e realização de documentários onde, através da mediação do brinquedo/brincar tirado da gaveta, podemos ver emergir um mundo em comum, habitado por corpos orgânicos e inorgânicos.

Bibliografia

    BRANDÃO, Alessandra Soares; SOUSA, Ramayana Lira de. Bodylands para além da in/visibilidade lésbica no cinema: brincando com água. Rebeca – Revista Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual, [S.L.], v. 9, n. 2, p. 98-118, 15 dez. 2020.
    LUGONES, María. Pilgrimages/Peregrinajes: Theorizing Coalition against Multiple Oppressions. Lanham: Rowman & Littlefield, 2003.
    SOUSA, Ramayana Lira de; BRANDÃO, Alessandra S.. Inventário de uma infância sapatão em um mundo de imagens. Revista Brasileira de Estudos da Homocultura, [S.L.], v. 3, n. 9, p. 121-137, 31 ago. 2020.
    _______. Des/col(oniz)ando o velcro: modo de ver o cinema. In: XXVII Encontro SOCINE, 2024, Campo Grande.