Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Cláudia Cardoso Mesquita (UFMG)

Minicurrículo

    Professora dos cursos de graduação e do programa de pós-graduação em Comunicação Social da UFMG, onde integra os grupos de pesquisa Poéticas da Experiência e Poéticas Femininas, Políticas Feministas. Pesquisadora do cinema brasileiro, publicou, com Consuelo Lins, o livro “Filmar o real – sobre o documentário brasileiro contemporâneo” (Jorge Zahar, 2008); organizou, com María Campaña Ramia, o livro “El otro cine de Eduardo Coutinho” (Equador, 2012), e, com André Brasil, “Cinemas da Terra” (2024).

Coautor

    André Guimarães Brasil (UFMG)

Ficha do Trabalho

Título

    Andanças pela “arte popular do nosso chão”

Seminário

    Cinemas, Comunidades, Territórios: interpelações aos gestos analíticos

Resumo

    O texto se dedica a Andança – Os encontros e as memórias de Beth Carvalho, em suas possibilidades de diálogo com a tradição documentária brasileira, seja os filmes em torno do fenômeno musical e do samba, seja aqueles que, por meio da montagem de arquivos, se propõem a elaborar a história do País, especialmente no período da redemocratização. Em Andança, as imagens inscrevem o samba e o pagode como “comunhão de todos”, “arte popular do nosso chão”, enraizada nos lugares onde se cria.

Resumo expandido

    Lançado recentemente, em 2022, o filme Andança – Os encontros e as memórias de Beth Carvalho, de Pedro Bronz, guarda a possibilidade de diálogos vários com a tradição documentária brasileira: de um lado, ele participa da ampla produção de filmes que “abordam diferentes aspectos do fenômeno musical” (LIMA, 2016, p.8), em particular, a trajetória de compositores e intérpretes da música popular brasileira. Mas, diferentemente de outros filmes que se valem de depoimentos, imagens de arquivo e, algumas vezes, da narração em voz over, Andança constrói uma montagem imanente aos arquivos, sem recorrer a qualquer registro exterior a este material (senão a narração, montada a partir de registros sonoros da cantora, além de cartelas e letreiros que identificam as pessoas nas imagens).
    Por outro lado, o filme poderia ser colocado em diálogo com documentários historicamente dedicados ao samba no Brasil (suas formas de expressão ligadas a contextos socioculturais específicos, seus personagens). Nessa linhagem, Andança se soma a filmes notáveis, como Nelson Cavaquinho (1969) e Partido Alto (1982), de Leon Hirszman, ou Aniceto do Império em dia de alforria (1980), de Zózimo Bulbul. Aqui, a atenção aos personagens e às performances musicais (as rodas de samba, os improvisos etc.) permitem, muitas vezes, por meio da estratégia do direto, dar a ver a relação de reciprocidade entre o samba e os contextos em que ele se cria. Para tal, o plano sequência e a sincronia entre a gravação de som e de imagem são estratégias importantes que permitem apreender a criação e performance em ato, seja em cenas da intimidade do artista, seja em encontros coletivos. Em Andança, a montagem preserva a duração dos registros de atuação de Beth Carvalho, em estúdio, nas favelas e periferias, onde se dedicou a pesquisar e escutar os compositores de samba; nos quintais, onde ocorriam as rodas de samba e pagode; nos shows. Tudo isso permite apreender a composição e interpretação musical em seus momentos de feitura e de compartilhamento.
    E, para além dos documentários musicais, poderíamos também nos atentar à personagem de Beth Carvalho como pesquisadora e militante consciente de seu papel político e intelectual, engajada não só na difusão, mas na valorização do trabalho de compositores, músicos e intérpretes de expressão popular e negra no Brasil. Esse viés nos aproximaria de filmes que, por meio da retomada e montagem de arquivos, se propõem a elaborar a história do País, especialmente no período da redemocratização. O fato de que a própria Beth Carvalho tenha cuidado dos registros e sua salvaguarda, em situações muito diversas, muitas delas cruciais para a memória do samba brasileiro (como os encontros com Cartola, Nelson Cavaquinho, os compositores da Velha Guarda da Portela e do bloco Cacique de Ramos, entre outros), nos sugere uma aproximação, talvez inusitada: trata-se da produção cinematográfica de Vincent Carelli que, especialmente em sua trilogia, retomou registros feitos por ele próprio, em sua longeva e constante relação com inúmeros grupos indígenas no Brasil. Ainda que tematicamente distantes, Andança e a trilogia de Carelli sugerem a importância do registro videográfico e digital para a memória e elaboração da história da redemocratização, em contextos em que a democracia nunca chegou senão precariamente. Tanto nos arquivos de Vincent Carelli, quanto nos de Beth Carvalho, revelam-se intelectuais/artistas que exercitaram uma postura de escuta e de aliança que se valeu, não à toa, da persistência dos registros sonoros e imagéticos ao longo de pelo menos cinco décadas.
    Tecendo a rede entre os diálogos e aproximações sugeridos acima, propomos nos voltar para os modos como as imagens, em Andança, inscrevem o samba e o pagode como “comunhão de todos”, nas palavras de Neoci sobre o Fundo de Quintal, “arte popular do nosso chão” (Coisa de Pele/Jorge Aragão e Acyr Marques), enraizada nos lugares, nos corpos, nos coletivos e na história.

Bibliografia

    BERNARDET, Jean-Claude. Cineastas e imagens do povo. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
    LIMA, Cristiane. Música em cena – à escuta do documentário brasileiro. Tese (doutorado) – Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Belo Horizonte, 2015.
    SARAIVA, Leandro. Cineastas e imagens dos povos – de Cabra marcado para morrer a Martírio. [S. l.]: Socine, 12 nov. 2020b. 1 vídeo (99min). SOCINE EM CASA – Live 45. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?app=desktop&v=8ywCt22D4TE. Acesso em: 5 abril. 2025.