Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Gianna Gobbo Larocca (UERJ)

Minicurrículo

    Gianna Larocca é professora adjunta do Departamento de Integração Cultural da Escola Superior de Desenho Industrial ESDI-UERJ. É bacharel em Comunicação Social – Cinema e Vídeo pela UFF e pós-graduada em Design pela ESDI-UERJ. Tem experiência em trabalhos de arte gráfica para a direção de arte de obras audiovisuais e pesquisa nas interseções entre os campos do design e do cinema.

Ficha do Trabalho

Título

    Quebrado na quebrada: tecnologia e pastelão no caveirão de Mato seco em chamas

Seminário

    Estética e Teoria da Direção de Arte Audiovisual

Resumo

    O caveirão mambembe proposto pela direção de arte de Denise Vieira, no filme Mato seco em chamas (Adirley Queirós e Joana Pimenta, 2022), nos convida a desdobrar uma rede de interpretações em torno das forças de segurança pública e sua personificação do Brasil institucional nas comunidades do país. Na disputa de gramática, proposta pelos diretores, a direção de arte assume um papel eloquente e performático, desestabilizando discursos oficiais e evocando outras narrativas.

Resumo expandido

    Um caveirão desengonçado percorre as ruas da favela do Sol Nascente, Ceilândia. No veículo, agentes da PM observam a rua por um monitor, sob a luz de um inquietante giroflex. A trilha sonora irrompe na voz de Roberto Carlos e o efeito é catártico: “ouvir ‘Obrigada senhor por mais um dia’ vindo de um caveirão põe qualquer sala de cinema abaixo” (PINTO, 2023).
    A cena faz parte de “Mato seco em chamas”, filme dirigido por Adirley Queirós e Joana Pimenta (2022), que aborda a lenda das gasolineiras da quebrada, um grupo de mulheres que administra uma rede ilegal de fabricação de gasolina na Ceilândia.
    Classificado como documentário, o filme pertence a um gênero cujas relações com a direção de arte raramente são exploradas (SOUTO, ROCHA, 2023). Esta conexão, contudo, encontra terreno mais fértil em propostas que desestabilizam as convenções do gênero, valendo-se de expedientes ficcionais e performáticos – recursos que caracterizam a filmografia de Adirley Queirós. Neste estudo, pensar a direção de arte do filme na chave do documentário é um convite para contemplar sua interface com o mundo social compartilhado e suas narrativas do real. Ademais, seu potencial de intervenção, conforme as prerrogativas dos diretores (IMS, 2023), carregam o paratexto para dentro do universo do filme.
    Neste sentido, a representação do caveirão de “Mato seco em chamas” atinge em cheio os atributos de inteligência e eficácia que, segundo o discurso oficial, caracterizam as polícias do BOPE, usuárias do veículo nas comunidades do país, e cuja identidade visual – o brasão da faca na caveira – dá apelido ao blindado. Consoante com este discurso, cabe ao blindado aparecer como signo de investimento na trama de Tropa de Elite 2 (José Padilha, 2010). Na esteira do filme, é possível encontrar repercussão midiática que disseca o veículo, apresentando em infográficos a tecnologia destes “blindados poderosos” (Tecmundo, 2010).
    De outro lado, divergindo destas narrativas, relatos apontam para uma realidade de improvisação e precariedade no uso dos veículos – “eles não passam de colchas de retalho blindadas” – define um fabricante, em reportagem da Revista Piauí (TARDÁGUILA, 2008). Sua baixa visibilidade, assinalada pela repórter da matéria, é abordada no filme de forma cômica, na cena em que um drone, logo à frente do carro, é acionado como a fonte das imagens disponibilizadas no seu interior.
    Além de documentário, Queirós opta por classificações mais híbridas para caracterizar sua produção; neste caso, um mix de bang-bang, filme de gansgter, “Mad Max” (IMS, 2023). Nas cenas que destacamos (e ecoando os depoimentos da matéria citada), a influência de outro gênero fica evidente: a comédia pastelão. A referência a “Os Trapalhões” é irresistível e reflete o recurso ao humorístico na repercussão popular das ações do governo Bolsonaro, abordadas no filme. Não espanta que caiba aos agentes da PM serem tratados dentro desse imaginário. Alvo costumeiro do gênero, o escárnio com a polícia traduz a atitude iconoclasta com a autoridade, típica do humor carnavalesco que distingue este tipo de comédia.
    Dentro dessas chaves de leitura, emerge um caveirão de gambiarra, oposto ao que propaga sua suposta tecnologia de ponta. Usar tal expediente é um procedimento recorrente da direção de arte encabeçada por Denise Vieira nos filmes de Queirós (ROCHA, 2023). Neste caso, o efeito retórico é irônico e aponta para uma apropriação da imagem oficial. No final do filme, esta apropriação se concretiza na decomposição do carro empreendida pelas gasolineiras e evoca imagens, notícias – e lendas – de confrontos com o blindado: letras de funk, manuais de destruição do veículo (TARDÁGUILA, 2008), a imagem de um inesperado “caroneiro” de caveirão que circulou recentemente na TV (RJTV, 2024). Em uma disputa de gramática (IMS, 2023) que se espraia da linguagem audiovisual para as narrativas do real, a imagem do caveirão caracteriza a presença do Brasil institucional nas margens do DF – e do país.

Bibliografia

    IMS. Adirley Queirós, Joana Pimenta e Marcia Vaz conversam sobre “Mato seco em chamas”. Youtube. 13 de mar. de 2023.
    ROCHA, I. Artesanalidade, gambiarra e artifício na direção de arte do cinema brasileiro contemporâneo. In: FERREIRA, B. et al. Dimensões da direção de arte na experiência audiovisual. Rio de Janeiro: Editora Nau, 2023.
    SILVA, L. G. Quem cravou a faca na caveira? Uma análise iconológica do brasão do Bope. Anais do 8º SPGD. Rio de Janeiro, 2023.
    SOUTO, M.; ROCHA, R. A direção de arte como estética performática em documentários de Agnès Varda – realidades de artifício. Esferas, v. 1, n. 26, 2023.
    TARDÁGUILA, C. Dentro do caveirão. Revista Piauí. 19 de abr. de 2008
    PINTO, I. Mato seco em chamas. O precário e o visceral em Adirley Queirós. Cinema Escrito. 14 de mar. de 2023.
    TECMUNDO. Como funciona o Caveirão, o tanque de guerra do BOPE. 26 de nov. de 2010.
    RJTV. Homem ‘pega carona’ pendurado em Caveirão. RJTV. Globo. 16 de mai. De 2024.