Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Adriana Mabel Fresquet (CINEAD/UFRJ)

Minicurrículo

    Professora Titular da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Coordena o Grupo CINEAD/LECAV. Pesquisa “Acervos audiovisuais e universidades na produção de conhecimento escolar” (FAPERJ) e “REDE KINO pesquisa: inovações pedagógicas latino-americanas em educação, cinema e audiovisual em tempos de educação digital” (CNPq). Coordena o Programa de Extensão Cinema, Aprender e Desaprender. É uma das fundadoras da REDE KINO: Rede Latino-Americana de Educ., Cinema e Audiovisual.

Ficha do Trabalho

Título

    Cerâmica, cinema e educação contra o tecnofeudalismo

Mesa

    Lugares do cinema na educação: invenção, memória e alteridade

Resumo

    A comunicação analisa o impacto das reformas educacionais digitais e propõe resistências ao tecnofeudalismo por meio do cinema e de práticas audiovisuais críticas e criativas. Destaca-se o uso da cerâmica como tecnologia de arquivamento durável, acessível e não destrutiva, que rompe com a lógica da obsolescência e da vigilância, oferecendo novos horizontes para a preservação da memória e a defesa da educação como bem comum.

Resumo expandido

    A ascensão das reformas educacionais digitais no Brasil — inseridas no movimento global de digitalização e financeirização da educação — evidencia um dilema central para o campo do cinema e da educação: como disputar os sentidos da formação e da memória em um contexto marcado pelo avanço do tecnofeudalismo, como define Yanis Varoufakis, e pela hegemonia das plataformas algorítmicas que reconfiguram os arquivos, as políticas e as práticas pedagógicas?
    A partir dessa questão, esta comunicação propõe refletir sobre as disputas em torno do lugar do cinema na educação digital contemporânea, especialmente frente ao que Saura, Adrião e Arguelho (2024) identificam como a consolidação de um novo regime de reformas educacionais digitais — a REDB — caracterizado por três elementos interdependentes: agendas tecnoeducativas, redes políticas de governança digital e mercados financeirizados da indústria EdTech.
    Tais agendas operam com base em imaginários sociotécnicos voltados à promessa de inovação e eficiência, muitas vezes articulados por alianças público-privadas envolvendo o Estado, corporações tecnológicas, fundos de investimento e fundações filantrópicas, como exemplifica o papel central do Cieb na Política Nacional de Educação Digital e na Estratégia Nacional de Escolas Conectadas. Em nome da conectividade e da personalização da aprendizagem, instaura-se um regime de plataformas e de dados que afasta a escola de sua função pública, reduzindo a complexidade da formação a modelos escaláveis de gestão algorítmica.
    Nesse cenário, os arquivos audiovisuais — entendidos aqui não como repositórios estáticos, mas como dispositivos de invenção, memória e alteridade — tornam-se alvos da mesma lógica de mercantilização. O cinema, enquanto linguagem coletiva, histórica e política, vê-se ameaçado pela substituição de sua materialidade sensível por conteúdos “digitais” otimizados, atomizados e ajustados às demandas dos mercados de capital de risco, como os que impulsionam as EdTechs na América Latina.
    Frente a esse diagnóstico, buscamos mobilizar experiências e práticas que rompem com essa lógica tecnosolucionista. São iniciativas que apostam em formas de arquivamento e curadoria audiovisual enraizadas no território, na escola, na cultura popular e na educação como bem comum. Tais práticas convocam o cinema como experiência estética e política que resiste à datificação da vida e à colonização do imaginário escolar por dashboards e roteiros instrucionais.
    No entanto, resistir ao tecnofeudalismo exige também imaginar outras formas de tecnologia. Projetos como o Cerabyte — que propõe soluções de armazenamento de dados em cerâmica com durabilidade de até 10.000 anos, independência energética e resiliência ao tempo — abrem horizontes para uma reconfiguração radical dos arquivos digitais. Ao propor um modelo não volátil, acessível e não destrutivo de arquivamento, a Cerabyte oferece um contraponto às lógicas atuais de obsolescência programada, dependência de nuvens corporativas e vigilância permanente. A tecnologia, nesse contexto, pode ser reinscrita como aliada da memória coletiva, da soberania informacional e da educação como um campo público.
    A comunicação, portanto, propõe um deslocamento: do fetiche pela inovação tecnológica para o reconhecimento do cinema como linguagem de complexidade, sensibilidade e produção de mundos — em articulação com novas infraestruturas tecnológicas comprometidas com o comum. Ao invés de se render à lógica das redes de governança digital e dos pacotes educacionais customizados, propomos a valorização de redes de cuidado, criação e circulação de arquivos audiovisuais públicos, acessíveis e críticos — capazes de reencantar a escola e abrir brechas para outras pedagogias do olhar e do escutar.
    Disputar os futuros da educação digital é também disputar os modos de narrar, preservar e imaginar. O cinema — e as tecnologias como a Cerabyte — podem ser instrumentos centrais dessa resistência.

Bibliografia

    BEIGUELMAN, G. Políticas da imagem: vigilância e resistência na dadosfera. São Paulo: Ubu, 2021.
    BEIGUELMAN, G. Eugenia maquínica do olhar: visão computacional, etarismo e gênero. VIRUS, v. 1, p. 14-28, 2024.
    FRESQUET, A. M. (Org.) Proposta de Programa Nacional de Cinema na Escola. Belo Horizonte, Universo Prod., 2024.
    FRESQUET, A. M. Entrevista a Inés Dussel: sobre a Política Nacional de Educação Digital. Revista GEARTE, [S. l.], v. 11, 2024.
    FRESQUET, A. M. e ALVARENGA, C. Cinema e Educação digital: a lei 14533. Belo Horizonte, Universo Produção, 2023.
    SAURA, G.; ADRIÃO, T.; ARGUELHO, M.. Reforma educativa digital: agendas tecnoeducativas, redes políticas de governança e financeirização edtech. Educ. Soc., Campinas, v. 45, e286486, 2024.
    SOUSA, A. P. e RAVANCHE, G. Janelas em revolução. Disrupções, dilemas regulatórios e novas oportunidades para o audiovisual. São Paulo: Projeto Pardiso, 2022.
    VAROUFAKIS, Y. Tecnofeudalismo: el futuro del capitalismo. Buenos Aires: Ediciones Planeta,