Ficha do Proponente
Proponente
- Alexandre Rafael Garcia (Unespar)
Minicurrículo
- Alexandre Rafael Garcia é bacharel em Cinema (FAP-PR), mestre em Multimeios (Unicamp) e doutor em História (UFPR). Professor na Universidade Estadual do Paraná–Unespar (Bacharelado em Cinema e Audiovisual; PPG-CINEAV). Autor do livro “Contos morais e o cinema de Éric Rohmer” (A Quadro, 2021); coordenador editorial da Coleção Escrever o Cinema; criador da série Dicionário de Cinema. Integrante do grupo de pesquisa Cinecriare: Cinema – Criação e Reflexão (Unespar/CNPq).
Ficha do Trabalho
Título
- Os filmes dentro dos filmes de Hong Sang-soo
Seminário
- Teoria de Cineastas: dos processos de criação à dimensão política do cinema
Resumo
- Este trabalho investiga a presença de filmes-dentro-dos-filmes na filmografia de Hong Sang-soo, tomando como base seis títulos em que tais obras são parte visível da narrativa. A análise parte da hipótese de que estas inserções revelam uma dimensão autorreflexiva do cinema de Hong, em que o fazer cinematográfico é tematizado diretamente. O objetivo é discutir uma teoria honguiana do cinema, construída dentro dos próprios filmes e cotejada com as falas do diretor em entrevistas.
Resumo expandido
- Nos mais de 30 filmes dirigidos por Hong Sang-soo em pouco menos de 30 anos, a reflexividade é um traço constante. Mesmo sendo narrativas ficcionais, é comum acompanharmos personagens que trabalham com cinema ou com outras expressões artísticas e refletem sobre seus processos criativos. Além disso, a recorrência de temas e situações narrativas nos sugere que os acontecimentos têm íntima ligação com a realidade extrafílmica — são, de alguma maneira, autobiográficos. A forma fílmica também chama atenção para si: desvia-se da almejada invisibilidade do cinema clássico narrativo por meio da ausência de contraplanos, da recusa aos raccords, do uso de longos planos fixos e de zooms operados de maneira nada discreta. A esses traços reflexivos, podemos acrescentar um último, que é o objeto desta investigação: os “filmes-dentro-dos-filmes”. Para especificar e delimitar ainda mais o recorte, abordamos os filmes-dentro-dos-filmes que são realmente vistos e/ou produzidos pelas personagens — e não aqueles que são apenas mencionados verbalmente.
Com base em seis títulos, propomos uma divisão em três momentos desse recorte.
No primeiro, com “Conto de Cinema” (2005) e “Oki’s Movie” (2010), o filme-dentro-do-filme se revela retrospectivamente, quando a diegese esclarece que aquilo que havíamos visto era um filme-dentro-do-filme — e isso afeta toda a narrativa seguinte. No segundo, temos um momento de transição com “Right Now, Wrong Then” (2015), em que, ao final da história, uma personagem assiste à projeção de um filme dirigido pelo protagonista. A partir de indícios narrativos, poderíamos supor que o filme que ela vê talvez seja o mesmo que assistimos na primeira parte — mas esse dado permanece incerto. Há, então, uma imprecisão sobre os fatos narrativos e sobre sua ligação com a produção cinematográfica diegética. No terceiro e atual momento, temos “The Novelist’s Film” (2022) e “In Water” (2023), em que a narrativa deixa claro que as personagens estão produzindo filmes. Na obra de 2022, vemos o filme diegético propriamente dito, no exato momento em que uma personagem o assiste numa sala de cinema — sua textura, cor, abordagem e estilo são muito diferentes do que víamos até então. Já em “In Water”, acompanhamos com atenção e detalhe a produção cinematográfica, mas não chegamos a ver seu resultado final. Para complicar, a imagem de quase todo “In Water” é desfocada, tornando o filme-dentro-do-filme uma presença quase impressionista e espectral.
A intenção de trazer questionamentos, em um filme, sobre sua própria produção, autoria, procedimentos textuais, referências intelectuais e modos de recepção é denominada reflexividade. Conforme Juliana Rodrigues Pereira e Pedro Plaza Pinto explicam, a partir de Robert Stam, trata-se de uma forma metalinguística de funcionamento que mobiliza o próprio cinema como tema, gesto e estrutura. A partir desses reconhecimentos, podemos afirmar a presença de uma constante reflexiva nos filmes de Hong Sang-soo.
Como aponta o crítico Mark Peranson ao entrevistar Hong (2022), as personagens cineastas dos filmes do diretor frequentemente teorizam sobre o próprio cinema que ele realiza. Apesar da recusa inicial de Hong em concordar com qualquer tese sobre suas obras, suas falas revelam que as narrativas dos filmes são também autobiográficas em suas reflexões sobre a criação artística: a teoria honguiana se evidencia tanto em entrevistas quanto nos próprios filmes.
Esse embaralhamento é assumido por Hong. O cineasta afirma que trabalha com restos de imagens, lembranças e diálogos misturados, e que seu interesse está justamente em cruzar um material íntimo, prévio e real com partes encenadas, para observar como essa justaposição afeta a experiência do filme. O filme-dentro-do-filme, nesse contexto, é mais uma evidência desse cruzamento: uma zona de indiscernibilidade entre ficção, memória e desejo.
Bibliografia
- GARCIA, Alexandre Rafael. “Filmes de conversação: conceito, história e análise de um estilo cinematográfico”. Curitiba: UFPR, 2022. Tese (Doutorado em História).
LIE, Sulgi. “Filming/No Filming: Notes on the latest films of Hong Sang-soo”. In Media Res, 27 nov. 2023. Disponível em: https://mediacommons.org/inmediares/filming-no-filming-notes-latest-films-hong-sang-soo
PERANSON, Mark. “A Public Conversation with Hong Sangsoo on The Novelist’s Film”. Cinema Scope, 1 nov. 2022. Disponível em: https://cinema-scope.com/cinema-scope-online/a-public-conversation-with-hong-sangsoo-on-the-novelists-film/
PEREIRA, Juliana Rodrigues; PINTO, Pedro Plaza. “Pensar o presente, reinventar o passado: o comunismo italiano visto por Nanni Moretti”. Revista Científica/FAP, Curitiba, v. 30, n. 1, p. 391-413, jan./jun. 2024. ISSN 1980-5071.
STAM, Robert. Reflexivity in Film and Literature: From Don Quixote to Jean-Luc Godard. Ann Arbor: UMI Research Press, 1985.