Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Maria Luiza Silva Sena (UFMG)

Minicurrículo

    Mestranda na linha de Pragmáticas da Imagem do Programa de Pós-graduação em Comunicação Social pela UFMG. Bacharela em Jornalismo, com habilitação em Letras pela mesma universidade. Pesquisa a relação entre imagens e espaços e como essa pode interferir na percepção socidade e sujeito. Integra os grupos de pesquisa Poéticas Femininas, Políticas Feministas (PPGCOM-UFMG/Cnpq) e Poéticas da Experiência (PPGCOM-UFMG).

Ficha do Trabalho

Título

    Antes de mães, mulheres: autonomia e subversão nos filmes de Camille Billops.

Eixo Temático

    ET 1 – CINEMA, CORPO E SEUS ATRAVESSAMENTOS ESTÉTICOS E POLÍTICOS

Resumo

    Em Finding Christa (1991) e Suzanne Suzanne (1982), Camille Billops desmonta a idealização da maternidade, e quais os papéis espera-se de mulheres. Através de uma abordagem autobiográfica e experimental, a cineasta questiona estereótipos como o amor incondicional e o sacrifício materno, apresentando mulheres complexas cujas escolhas desafiam normas sociais. Seus filmes não apenas expõem a maternidade compulsória, mas também propõem novas formas de narrar a experiência feminina.

Resumo expandido

    No cinema mainstream, a figura materna é frequentemente reduzida a arquétipos limitantes – a mulher abnegada, o amor incondicional, a priorização absoluta dos filhos. Prevalecendo, assim, o esquecimento de que ser mãe é uma das coisas que uma mulher pode querer ser, mas que quando o faz, ela não deixa de ser um Ser individual. Camille Billops rompe com essas representações em Finding Christa (1991) e Suzanne Suzanne (1982), filmes que desmontam a idealização da maternidade. Através de uma abordagem autobiográfica e experimental, Billops questiona a noção de maternidade como destino biológico, apresentando personagens complexas cujas escolhas desafiam normas sociais. Seus trabalhos não apenas expõem a maternidade compulsória, mas propõem novas formas de narrar a experiência feminina, colocando a autonomia individual acima dos papéis tradicionais esperados.

    Em Finding Christa, a artista revisita sua própria decisão de dar a filha para adoção, ato radical que confronta expectativas sociais sobre o instinto materno. O filme mescla documentário e ficção, criando tensão entre memória e reconstrução – como na cena do reencontro entre mãe e filha, encenada com atrizes. Essa escolha estética revela o caráter performático das relações familiares, questionando a ideia de “verdade” nos arquivos domésticos. Já Suzanne Suzanne explora a vida da sobrinha da cineasta, Suzanne, cuja relação com a mãe, e como mãe, é marcada por violência e dependência química. Através de imagens de arquivo intercaladas com voz over reflexiva, Billops desestabiliza narrativas tradicionais, mostrando como os registros familiares convencionais silenciam experiências traumáticas.

    Carla Italiano (2024) faz uma análise que ilumina como Billops constrói uma contra-narrativa à “maternidade compulsória” – conceito que a pesquisadora vincula aos “programas como Make Room for Daddy (1953-1964) […] que reforçam o lugar das mulheres enquanto esposas confinadas ao lar”, onde espera-se que as mulheres escolham ser mães e, a partir disso, abdiquem de todo e qualquer outro desejo, realizem o papel da maternidade conforme regras cristãs ocidentais e, jamais, se arrependam ou desistam de serem mães. Enquanto essas produções midiáticas propagavam o que a autora chama de “pretenso ideal de respeitabilidade”, os filmes de Billops fazem o movimento inverso: em Finding Christa, a diretora “assume a recusa à maternidade compulsória como mote”, priorizando o que Italiano descreve como “trajetória de autorrealização para se tornar uma artista”. Como observa bell hooks (2023), nesses filmes Camille “convoca mulheres a não serem tão duras consigo. Se estivermos sempre com medo dos julgamentos, não conseguiremos nunca correr os riscos que nos possibilitam total autorrealização”. Essa perspectiva revolucionária se concretiza em Suzanne Suzanne, onde a exposição crua da violência intrafamiliar não apenas desmonta o mito do amor materno incondicional, mas cria espaço para que as personagens – e por extensão as espectadoras – possam reconhecer suas dores sem a autocensura imposta pelos “arquivos de respeitabilidade” (ITALIANO, 2024) que dominam a representação das mulheres negras.

    O legado de Billops, conforme analisado por Italiano, reside justamente em sua capacidade de “fazer — os filmes — de modo franco, sem concessões”. Essa postura ética e estética permite que suas obras transcendam o pessoal para se tornarem documentos históricos da condição feminina negra. Ao recusar conclusões fáceis, Billops amplia radicalmente as possibilidades de representação da maternidade no cinema. Seus filmes não oferecem respostas, mas perguntas incômodas: O que significa ser mãe? É possível existir fora desse papel? É possível desistir desse papel? Essa abordagem não só desafia estereótipos sobre mulheres, mas convida o espectador a repensar suas próprias expectativas. Mais que denúncia, a obra de Billops é “um legado de ser obrigada a confrontar a imagem” (hooks, 2023).

Bibliografia

    BADINTER, Élisabeth. Um amor conquistado: o mito do amor materno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.

    BILLOPS, Camille. Camille Billops’ Interview (vídeo). The History Makers Digital Archive, 14 dez. 2006.

    COMOLLI, Jean-Louis. Ver e poder – A inocência perdida: cinema, televisão, ficção, documentário. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008

    FEDERICI, Silvia. Calibã e a bruxa: mulheres, corpos e acumulação primitiva. São Paulo: Elefante, 2017.

    HARTMAN, Saidiya. Vidas rebeldes, belos experimentos: histórias íntimas de meninas negras desordeiras, mulheres encrenqueiras e queers radicais. São Paulo: Fósforo, 2022.
    HOOKS, bell. Cinema vivido: raça, classe e sexo nas telas. São Paulo: Editora Elefante, 2023.

    ITALIANO, Carla. SOU SUJEITO / ESTOU SUJEITA: Formas de autoinscrição no cinema experimental de mulheres (EUA, 1990-1993)]. UFMG, 2024.