Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Gustavo de Souza Araujo (PPGCINE-UFF)

Minicurrículo

    Doutorando no Programa de Pós-graduação em Cinema e Audiovisual da Universidade Federal Fluminense, o PPGCine-UFF. Estuda temporalidades na escrita do roteiro audiovisual através da percepção de ritmo e andamento prévios e como esses elementos impactam a relação roteiro-filme.

Ficha do Trabalho

Título

    Do tempo de Hilda Hilst ao de Eduardo Nunes; uma análise de Unicórnio (2018)

Resumo

    Este estudo investiga a adaptação de Unicórnio (2018), de Eduardo Nunes, a partir do roteiro e dos dois contos de Hilda Hilst que originaram o filme. A análise comparada busca examinar como se dá essa transposição tripla e, em especial, como a temporalidade é construída nesses três suportes, contrastando o fluxo da prosa de Hilst com a lentidão sugerida já na escrita audiovisual e sua posterior materialização na imagem cinematográfica.

Resumo expandido

    Unicórnio (2018), de Eduardo Nunes, transpõe os contos O unicórnio (1970) e Matamoros (da fantasia) (1980), de Hilda Hilst, para a linguagem cinematográfica. A prosa de Hilst é conhecida por ser fragmentada e verbalmente densa, e, no caso de O unicórnio, por apresentar vozes de narradoras-personagens que se confundem em diálogos não lineares de tom retóricos. Já o filme opta por uma narrativa visual delicada, com camadas oníricas e fantasiosas intensificadas pelo uso do som e da cor, substituindo a verborragia por silêncios e planos longos, com enquadramentos abertos e poucos movimentos, características que definem cinematografias de ritmo lento (De Luca, 2017; Monteiro, 2017). Essa escolha converte o tempo literário, acelerado como um fluxo de pensamento, em um tempo audiovisual contemplativo.
    No caso estudado, o roteiro de Nunes, intermediário nesse processo, descreve ações com advérbios como “lentamente”, que indicam a cadência do filme. Consideramos que a escrita e leitura do roteiro envolvem a criação mental de imagens e sons que antecipam o filme (Igelström, 2014), e, por sua abertura interpretativa, o roteiro possui autonomia como obra audiovisual (Nanicelli, 2021). Transpor um texto para outro meio — seja intra, interlinguística ou intersemiótica (Jakobson, 2021) — não se limita à tradução literal e envolve uma reinvenção criativa. Em Unicórnio (2018), a passagem dos contos para o roteiro e, depois, para o cinema, implica em ressignificar tempos, espaços e linguagens.
    No contexto fílmico, o tempo-espaço é intercalado entre passado e presente, dividido em dois ambientes principais que marcam isso no longa; o “espaço branco”, onde Maria rememora acontecimentos com seu pai, e a “casa no campo”, onde a personagem vive com a mãe — cada um se refere a um dos contos. Na transposição, o nome da protagonista (Maria), por exemplo, vem de Matamoros e a maioria dos diálogos vem de O unicórnio. Há uma passagem num dos textos da autora em que, ao contar uma história, a narradora fala de um momento que seu irmão enterra um canivete numa figueira (Hilst, 2018), adaptada no filme (sequência 11) quando o criador de cabras golpeia uma árvore com um facão; ambos justificam que “vegetais não sentem dor”, enquanto a narradora/protagonista protesta. Outro exemplo é a história contada de um rato que quer subir em um muro, traduzida quase literalmente no filme como uma animação narrada pela personagem do pai. Esses casos revelam que o roteirista, ao transpor um texto literário, atua como tradutor e autor (Cassins, 2015) ao selecionar trechos dos contos e os projetar em novas linguagens; o filme amplifica o “não dito” dos textos fonte, como a relação de Maria com a natureza, e introduz elementos autônomos, como cor e som ambiente.
    A partir de um método de análise comparativa, este estudo pretende examinar três linhas: o cotejo de passagens-chave (como a cena da árvore, do rato e outras) entre os contos, o roteiro e o filme; a análise da mise-en-scène (planos, ritmo, som) para compreender como a palavra literária se transforma em texto no roteiro e, depois, em imagem — e como, nesse processo, a temporalidade fílmica se manifesta em contraste com a dos textos de origem; e o exame das estratégias de ampliação narrativa no roteiro. Os resultados preliminares mostram que a adaptação no longa-metragem opera por reinterpretação mais que por fidelidade literal – ainda que se encontrem trechos correspondentes entre as obras.

Bibliografia

    CASSINS, Fahya Kury. Adaptação: O trabalho de preenchimento intertextual do roteirista. in: Cenas das Interfaces com o mercado, p. 72-78, 2015.
    DE LUCA, Tiago. “On Length: A Short History of Long Cinema”. Aniki, v. 4, p. 335-352, 2017.
    HILST, Hilda. Da prosa. Volume 1. São Paulo: Companhia das letras, 2018.
    IGELSTRÖM, Ann. Narration in the screenplay text. Tese apresentada no College of Arts and Humanities da Bangor University em Londres, 2014.
    JAKOBSON, Roman. “On Linguistics Aspects of Translation”. In: The Translation Studies Reader. Londres & Nova York: Routledge, 2021. p. 156-161.
    MARQUES, Márcia Gomes; Alves, Gedy Brum Weis. O Narrador Na Transposição Intermidiática De Memórias Póstumas. Caderno de Letras, n. 45, p. 323-335, 2023.
    MONTEIRO, Lúcia Ramos. “O cinema existe e resiste. Longa duração, análise fílmica e espectatorialidade nos filmes de Lav Diaz”. Aniki:, v. 4, p. 434-455, 2017.
    NANNICELLI, T. (2021). Seria o roteiro uma obra de arte?. Esferas, 1(21), 28-46, 2021.