Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Camila Cattai de Moraes (USP)

Minicurrículo

    Camila Cattai é doutoranda pela FFLCH-USP, desenvolvendo pesquisa sobre adaptações literárias dos primeiros anos da União Soviética para o público infantil realizadas por mulheres cineastas, orientada pela Prof.ª Dr.ª Sandra Trabucco Valenzuela. Mestra em Comunicação (UAM) com pesquisa sobre cinema russo-soviético feito por mulheres (Prêmio Compós 2020). Professora de Direção de Fotografia (AIC, FAM, INC) e diretora de fotografia. Premiada pela Funarte (2021) por texto sobre o cinema brasileiro.

Ficha do Trabalho

Título

    Kashtanka e o cinema infantil soviético: Diálogos entre Anton Tchekhov e Olga Preobrajenskaya

Resumo

    Olga Preobrajenskaya (1881-1971), pioneira do cinema soviético, realizou em 1925 uma adaptação do conto Kashtanka (1887), de Anton Tchekhov (1860-1904). Transformando a narrativa original, marcada por melancolia e cenas de maus-tratos animais, em um longa-metragem realizado para o público infantil, a cineasta optou por um tom esperançoso e familiar. Enquanto Tchekhov retrata a cadela Kashtanka vivendo em uma família violenta, Preobrajenskaya humaniza seus tutores, criando um tom à história.

Resumo expandido

    Olga Ivanovna Preobrajenskaya (1881–1971), uma das primeiras mulheres diretoras do cinema soviético, consolidou sua carreira com 15 filmes, cinco dos quais dedicados ao público infantil. Kashtanka (1925), seu quinto longa-metragem (73 minutos), adapta o conto (1887) homônimo de Anton Tchekhov (1860-1904), transformando uma narrativa sombria em um melodrama comovente e menos cruel. O filme acompanha a cadela Kashtanka, que, após se perder de sua família, é acolhida por um mágico de circo e treinada para espetáculos ao lado de outros animais. Esta análise explora como Preobrajenskaya reinterpreta o texto original, suavizando seu pessimismo e incorporando elementos próprios da linguagem documental, ao mesmo tempo em que constrói uma obra de apelo popular massivo.
    No conto de Tchekhov, Kashtanka vive sob o domínio de Luka Alexandritch, um carpinteiro alcoólatra, e de seu filho Fedushka, uma criança violenta que a maltrata. A cadela, após se perder de ambos, é resgatada por um artista circense que a rebatiza como Tiotka e a integra a um grupo peculiar de animais — um ganso, um gato e uma porca.
    Apesar do carinho e da atenção que Kashtanka recebe de seu novo tutor, o conto, narrado sob a perspectiva dos pensamentos da cadela, mantém um tom melancólico e desesperançoso. Tchekhov conclui sua narrativa com Kashtanka sendo encontrada pelos seus antigos tutores e retornando à sua primeira casa, reconhecendo o tempo que viveu com o artista como “um sonho longo e pesado”. O autor, em seu conto, reforça críticas à condição animal sob o tzarismo e estabelece um paralelo entre a desesperança da sociedade russa com a estrutura na qual vivem os animais.
    Preobrajenskaya, no entanto, reconta essa história com significativas alterações. A família de Kashtanka não é mais composta por figuras brutais, mas por um carpinteiro trabalhador e um filho amoroso. A separação da cadela ocorre não por negligência, mas por um acidente — ela é roubada em uma feira. Essa sequência é um retrato da dinâmica das trocas comerciais soviéticas, apresentações de rua e convivência entre humanos e animais, elementos que se tornariam uma marca registrada da diretora em filmes posteriores, como cita Ferro (1992, p. 118) descrevendo a obra mais célebre de Preobrajenskaya, As mulheres de Ryazan (1927).
    O filme também introduz novos elementos dramáticos, como o sequestro de Fedushka por criminosos e sua fuga emocionante durante uma tempestade de neve — cenas que amplificam o suspense e reforçam os laços familiares, dividindo o protagonismo entre Kashtanka, Luka Alexandritch e Fedushka.
    O filme finaliza com uma alegria que não está presente na obra tchekhoviana: a família – pai, filho e cadela – comemoram em volta da mesa com personagens inventados por Preobrajenskaya, com função decorativa (BRAIT, 1972, p. 48), mas que amotinam a solidão de Luka Alexandritch quando está sem Fedushka e Kashtanka.
    Kashtanka foi um grande sucesso de público, consolidando-se como um fenômeno tanto na URSS quanto no circuito internacional. A cadela que interpretou a protagonista tornou-se uma celebridade, chegando a ser noticiada até mesmo na imprensa brasileira. O êxito do filme ofereceu à Preobrajenskaya a seleção, em 1927, juntamente com outros quatro cineastas soviéticos, para realizarem obras comemorativas em homenagem ao decimo aniversário da Revolução.
    Os trechos do conto e do filme utilizados para a pesquisa foram traduzidos pela autora, do idioma original, garantindo fidelidade às fontes primárias.

Bibliografia

    AUMONT, Jacques. “Raison de la comparaison”. In: Comment pensent les films: Apologie du filmique. Milão: Ed. Mimesis, 2021, p.195-216.
    BRAIT, Beth. A personagem. Editora Contexto, 1972.
    FERRO, Marc. Cinema e História. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
    LEYDA, Jay. Kino: A history of the Russian and Soviet film. New Jersey: Princeton
    University Press, 1983.
    KASHTANKA. Olga Ivanovna Preobrajenskaya. Produção: Goskino, 1925. 73 min.
    NOBLE´S nest. Direção: Vladimir Gardin. Companhia Cinematográfica Thiemann and
    Reinhardt, 1914.
    SOUTO, Mariana. Constelações fílmicas: um método comparatista no cinema. Galáxia, n. 45, 2020.
    STAM, Robert. Teoria e prática da adaptação: da fidelidade à intertextualidade. Florianópolis, 2006.
    TAYLOR, Richard; CHRISTIE, Ian (orgs). Inside the film factory: New approaches to Russian and Soviet cinema. New York: Routledge, 1991.
    TCHEKHOV, Anton. Kashtanka. URSS: M. Nauka, 1976.