Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Cíntia Langie Araujo (UFPel)

Minicurrículo

    Cineasta, pesquisadora e professora de Cinema. Docente no curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) desde 2007. Atualmente coordena o projeto Circuito: produção e difusão audiovisual, para realização de parcerias com a comunidade. Mestre em Comunicação Social (2006) e Doutora em Educação (2020), com tese premiada pela CAPES. Atua na pesquisa acadêmica com ênfase nas questões relativas a cinema brasileiro, experiência estética e roteiro audiovisual.

Ficha do Trabalho

Título

    Circuito de Cinema na Escola: fomento de público, criação e parentesco

Mesa

    Lugares do cinema na educação: invenção, memória e alteridade

Resumo

    A pesquisa apresenta uma experiência de difusão audiovisual e de itinerários de criação com estudantes de escolas públicas, realizada por graduandos de Cinema da UFPel. Essa experiência reúne curadoria brasileira, exibição de filmes, engenharia reversa e criação audiovisual, em práticas não convencionais (Le Guin) e que oportunizem a formação de parentescos (Haraway).

Resumo expandido

    Esta comunicação tem como evento disparador o projeto de extensão “Circuito de Cinema na Escola” do curso de Cinema da Universidade Federal de Pelotas, que promove sessões de cinema brasileiro em escolas públicas, seguidas por percursos de criação a partir dos elementos estéticos dos filmes. A ação está num entre-lugar – nem cineclube, nem oficina -, mas numa fricção entre fruição e invenção. O objetivo é exibir curtas-metragens nacionais e, após a projeção, realizar a engenharia reversa para, juntos, destacar elementos da estética e da linguagem audiovisual. Partindo destes elementos, a ideia é propor atividades artísticas com os estudantes que envolvam escrita, experimentos em vídeo, jogos e desenhos. O diferencial da proposta é mesclar uma experiência de distribuição educativa (LANGIE, 2023) – acreditando no fomento de público para cinema local – com exercícios de criação.
    Aqui, procuramos pensar a partir de alguns rastros de experiências formativas nesse itinerário de aprendizagem. O primeiro é uma ética curatorial arejada, ao escolher filmes que apresentem algo de dissenso narrativo. Ursula Le Guin (1989) escreveu sobre a teoria da cesta e nos instiga a pensar a narrativa não com o foco na caça ou no heroi, mas na cesta, dando ênfase ao repositório e nas inúmeras formas de guardar e armazenar. Com isso, nos impulsiona a selecionar obras cuja bússola narrativa seja o processo, a contemplação ou a invenção de outras formas de encadear imagens e sons, ao invés da narrativa clássica – aquela do foco no conflito e na resolução.
    De acordo com Bergala (2008), a importância de manter ofertas permanentes de conteúdo audiovisual artístico na escola é o melhor meio de conseguir descolonizar as referências das crianças e adolescentes. “O encontro de outros filmes e sua frequentação permanente é hoje a melhor resposta ao poder de fogo do cinema pipoca” (BERGALA, 2008, p. 46-47). Além do foco em cinema brasileiro, buscamos exibir bastante conteúdo realizado pela própria universidade. Para os graduandos em Cinema, extensionistas do projeto, a ação oportuniza a prática da difusão – etapa muitas vezes preterida nos cursos de Cinema do Brasil. O trânsito de conhecimentos e a ênfase em novos modos de partilha (RANCIÈRE, 2009) podem, a longo prazo e pelas beiradas, provocar um aprimoramento dos processos de circulação de filmes no país.
    Outro rastro é apostar em percursos inventivos, valorizando elementos visuais, sonoros, simbólicos e estéticos dos filmes exibidos. Criar encontros com o cinema como obra de arte, escapando do senso comum da entrada de filmes na escola para transmissão de conteúdos. Colocar em prática uma abordagem sensível do cinema, a partir da materialidade dos filmes, valorizando suas imagens, sons, texturas, luzes, ritmos, cortes e elementos simbólicos. Valorizar o cinema como modo de pensamento e, a partir dessa perspectiva, criar uma atmosfera inventiva e colaborativa no ambiente escolar.
    Por fim, o último rastro é a possibilidade de formar parentescos inventivos, entre alunos das escolas públicas, graduandos em Cinema e filmes nacionais. Donna Haraway (2023) insiste que deveríamos, diante de períodos turbulentos, ficar com o problema e formar parentescos para inventar saídas. Inaugurar formas de estar-junto para viver bem no presente, inaugurando respostas potentes. Algumas marcas desses tempos perturbadores são a espetacularização do mundo e a soberania de um repertório visual hegemônico, colonizado, em uma injusta disputa de distribuição de imagens. Diante disso, acreditamos que o cinema e a experiência fílmica são ferramentas coletivas potentes para desenvolver atmosferas de criação no enfrentamento de um mundo cada vez mais individualizado e embrutecido, criando espaços de encontro, estimulando a escuta, ativando conversas, reflexões e imaginários compartilhados. Ele nos convoca a sentir junto, pensar junto e, sobretudo, criar juntos — algo cada vez mais urgente.

Bibliografia

    BERGALA, Alain. Hipótese-cinema. Pequeno tratado de transmissão do cinema dentro e fora da escola. Rio de Janeiro: Booklink, 2008.
    HARAWAY, Donna. Ficar com o problema: fazer parentes do Chthuluceno. São Paulo: n-1 edições, 2023.
    LANGIE, Cíntia. Cinema brasileiro e distribuição educativa: uma cartografia dos cinemas localizados em universidades públicas. Rio de Janeiro: Editora Multifoco, 2023.
    LE GUIN, Ursula. A ficção como cesta. Dancing at the Edge of the World – Thoughts on Words, Women, Places. Ed. Grove Press, 1989.
    RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível: estética e política. São Paulo: EXO experimental org.; Editora 34, 2009.