Ficha do Proponente
Proponente
- Alex Santana França (UESC)
Minicurrículo
- Alex Santana França é Professor Assistente do Departamento de Letras e Artes da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), pesquisador, escritor, cineclubista, curador e crítico de cinema. Graduado em Letras Vernáculas (UFBA), Mestre e Doutor em Letras pelo Programa de Pós-graduação em Literatura e Cultura da Universidade Federal da Bahia. É um dos organizadores do livro Cinema negro baiano (2021), publicado pela editora Emoriô. E-mail: asfranca@uesc.br.
Ficha do Trabalho
Título
- Violência colonial e memórias de Moçambique em Uma memória em três atos (2016), de Inadelso Cossa
Resumo
- A violência foi um elemento essencial na estruturação e consolidação do sistema colonialista em Moçambique. Este trabalho visa analisar a abordagem deste tema no documentário Uma memória em três atos (2016), dirigido por Inadelso Cossa. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica, que utiliza métodos descritivos e analíticos. Acredita-se que o filme desempenha um importante papel ao narrar as experiências de violência e de trauma, servindo como um espaço de memória e resistência anticolonialista.
Resumo expandido
- A violência foi um elemento essencial na estruturação e consolidação do sistema colonial português em Moçambique. Como afirma Valdemir Zamparoni (2022, p. 137), “não há colonialismo que prescinda do exercício da violência”. Assim, boa parte da história recente deste país africano está atrelada à experiência colonial e todas as suas consequências, cujas marcas ainda persistem de forma profunda nas sociedades colonizadas.
Este trabalho visa analisar a abordagem da violência colonial e do trauma no documentário Uma memória em três atos (2016), dirigido pelo cineasta moçambicano Inadelso Cossa. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica, que utiliza os métodos descritivos e analíticos, tendo como embasamento teórico os estudos de Frantz Fanon (1968), Aimé Cesáire e Grada Kilomba (2019). Como salienta Césaire em seu ensaio “Discurso sobre o Colonialismo” (1978):
A colonização desumaniza, repito, mesmo o homem mais civilizado; que a ação colonial, a empresa colonial, a conquista colonial, fundada sobre o desprezo, tende, inevitavelmente, a modificar quem a empreende; que o colonizador, para se dar boa consciência se habitua a ver no outro o animal, se exercita a tratá-lo como animal, tende objetivamente a transformar-se, ele próprio, em animal (Césaire, 1978, p. 23).
Para Fanon (1968) a descolonização também é um processo violento, necessário e inevitável para a destruição do sistema colonial e para a restauração da dignidade dos povos colonizados. Esse movimento envolve uma transformação radical nas relações de poder entre colonizadores e colonizados, sendo fundamental que os colonizados, primeiramente, destruam a estrutura colonial que os oprime e, em seguida, reconstituam a própria identidade e cultura, que foram suprimidas pela imposição da dominação colonial. A violência desempenha um papel central nesse processo, uma vez que o próprio sistema colonial é sustentado por ela. Assim, é por meio da violência que os colonizados podem romper com a ordem colonial, subverter a opressão imposta e conquistar sua independência.
Já o trauma, segundo Kilomba (2019, p. 214), caracteriza-se como “um evento violento na vida do sujeito”, essas circunstâncias de violência são determinadas pela sua intensidade e pelos efeitos duradouros e angustiantes na mente dos sujeitos que passaram por situações traumáticas. Ele não é algo isolado, mas sim uma experiência que ecoa ao longo do tempo, afetando a mente do indivíduo que não consegue responder adequadamente a esse evento Kilomba (2019, p. 214).
O documentário Uma memória em três atos está estruturado em três partes: O fantasma do colono”, “As memórias da violência”, e “Entre as ruínas de uma memória”, e desenvolve a sua narrativa usando material de arquivo, intercalando com depoimentos dos três personagens principais que narram suas experiências vividas durante a colonização, em especial, a perseguição e opressão da Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE), construindo um ambiente repleto de rememoração e lembranças.
O processo de análise fílmica foi feito em duas etapas consideradas fundamentais, a pesquisadora destaca: a decomposição, ou seja, a descrição do filme; e a interpretação, isto é, o estabelecimento e compreensão das relações entre os elementos decompostos (Penafria, 2015, p. 1). Observou-se então que histórias e memórias pessoais narradas pelos entrevistados fornecem um olhar muito abrangente por meio de experiências em primeira mão de como o governo colonial português funcionou e como a resistência foi organizada contra ele, significativamente na capital do país e em interação com ela.
Este é um filme que não é apenas sobre a luta de Moçambique pela independência de Portugal, mas também sobre o significado político diacrônico da memória nas lutas anticoloniais, passadas e presentes. Assim, acredita-se que ele desempenha um importante papel ao narrar as experiências de violência e de trauma, servindo como um espaço de memória e resistência anticolonialista.
Bibliografia
- AUMONT, Jacques; MARIE, Michel. Dicionário teórico e crítico de cinema. Tradução: Eloisa Araújo Ribeiro. Campinas, SP: Papirus, 2003.
CABAÇO, José Luís de Oliveira. Moçambique: identidades, colonialismo e libertação. 2007. 475 f. Tese (Doutorado) – Pós-Graduação em Antropologia Social, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.
CÉSAIRE, Aimé. Discurso sobre o Colonialismo. Lisboa: Livraria Sá da Costa Editora, 1978.
FANON, Frantz. Os condenados da terra. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.
KILOMBA, Grada. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019.
PENAFRIA, Manuela. Análise de filmes: conceitos e metodologias. VI Congresso SOPCOM, abr. 2009. Disponível em: . Acesso: 20 jan. 2025.
ZAMPARONI, Valdemir. Literatura e anticolonialismo. In: GALLO, Fernanda (org.). Breve dicionário das literaturas africanas. Campinas: Editora da Unicamp, 2022. p. 137-152.