Ficha do Proponente
Proponente
- Maíra Tristão Nogueira (UFRJ)
Minicurrículo
- Maíra Tristão é pesquisadora e realizadora audiovisual. Doutoranda em Comunicação e Cultura (UFRJ), mestra em Ciência da Comunicação – Cinema e Televisão (Universidade Nova de Lisboa), bacharel em Ciências Sociais (UFES) e em Comunicação Social (UVV). Como realizadora, dirigiu curtas-metragens e séries que tiveram exibições nacionais e internacionais com temáticas feministas e sociais. Seus interesses de pesquisa envolvem questões de gênero, cinema brasileiro e sociologia do cinema.
Ficha do Trabalho
Título
- A construção de redes e o fazer coletivo entre mulheres de cinema
Mesa
- Mulheres no cinema: experiências de organização, práticas e políticas
Resumo
- Esta comunicação propõe investigar alguns coletivos de cinema e audiovisual de mulheres que emergiram na última década no Brasil. Nosso interesse está em compreender como se configuram as práticas coletivas das trabalhadoras da imagem, com o objetivo de relacionar os ativismos feministas ao cinema. Dessa maneira, a partir da teoria feminista, refletimos sobre as práticas relacionais que, em rede, se propõem a uma transformação epistemológica e às formas de construção do olhar.
Resumo expandido
- Organizar-se em coletivos para realizar, exibir e ensinar cinema não é algo novo na história, especialmente quando falamos de um grupo social que, historicamente, precisou criar suas próprias organizações de resistência: as mulheres. No Brasil e na América Latina, as mulheres vêm se organizando em coletivos desde os anos 1970. Alguns exemplos são o Cine Mujer, do México, entre 1975 e 1986, na Colômbia, também foi fundado o Coletivo Cine Mujer que existiu entre 1978 e 1990. No mesmo periodo, na Venezuela, mulheres cineastas formaram o coletivo feminista Miércoles (1979-1988). No Brasil, o primeiro coletivo que pudemos apurar foi o Lilith Vídeo, sediado em São Paulo e fundado em 1981, com atuação até 1988. Outro coletivo de realização audiovisual importante na história do cinema e do vídeo no país foi o Comulher (1985), que segue ativo até hoje por meio de um canal no YouTube. Sem esquecer, o Coletivo Mulheres de Cinema e Vídeo do Rio de Janeiro (1985-1987), que atuou na articulação das mulheres do audiovisual no Brasil.
A maioria dos coletivos que surgiram entre as décadas de 1970 e 1980 concentrou-se na realização audiovisual, diferindo dos coletivos que surgiram na última década, que, em muitos casos, têm se organizado para articular as mulheres trabalhadoras do cinema e audiovisual. A partir de 2015, grupos de mulheres começaram a se organizar em plataformas online, com um constante diálogo com o offline. O espaço digital facilitou encontros presenciais, articulações nacionais e aspirações internacionais. Além disso, a internet possibilitou uma maior interação com acontecimentos globais e alimentou nosso descontentamento com a maneira como as mulheres são representadas e inseridas no setor audiovisual.
Neste período de efervescência nas redes sociais, surgem coletivos de cinema e audiovisual de diferentes formas e em diversas regiões do país. As motivações para a criação de um coletivo são variadas e dependem do contexto social, econômico e político em que as integrantes estão inseridas. Entretanto, a insatisfação com o mercado audiovisual dominado por homens, os relatos de assédio em sets de filmagem, a falta de representatividade e a baixa participação das diretoras nos festivais de cinema ou plataformas streaming impulsionaram elas a se unirem, criarem suas próprias redes de apoio e colaboração.
Nos apoiamos em Donna Haraway (2009) para refletir sobre as práticas relacionais na produção do conhecimento e sobre como o saber perspectivo e parcial, em rede, possibilita o rompimento com saberes hegemônicos. Dessa forma, os coletivos contestam e desconstroem formas de organização que raramente têm deslocado os olhares para as realidades das mulheres no cinema. A prática de construção de redes entre mulheres é uma forma de transformação dos sistemas de conhecimento e das maneiras de ver. Como discorre Haraway (1995), essa transformação só é possível quando são fortalecidos os pensamentos localizados e críticos, que viabilizam as conexões que a autora chama de solidariedades políticas.
Acreditamos que os coletivos de cinema feministas se organizam de uma maneira política em que as imagens, as representações e as formas de linguagem são essenciais para a criação de leituras da realidade das mulheres na sociedade. Por isso, nos interessa pensar o cinema e o audiovisual como uma ação do comum enfatizando a relação com e entre mulheres. Para mulheres em coletivo, o entre representa o ponto de encontro, mas também o ponto de conflito. É o espaço onde mulheres dialogam e constroem um desejo de construção comum, mas também é nesse entre que as relações de poder e de disputa aparecem. No entre, reside a tentativa de enxergar juntas, construindo conexões parciais entre cada que podem dar origem a novos diálogos e narrativas (Haraway, 1995).
Bibliografia
- COMBAHEE RIVER COLLECTIVE. The Combahee River Collective Statement. In: KEEANGA-YAMAHTTA, Taylor. How We Get Free: black feminism and the Combahee River Collective. Chicago, Illinois: Haymarket Books, 2017.
CRARY, Jonathan. Terra arrasada: o declínio da experiência no capitalismo contemporâneo. São Paulo: Ubu, 2020.
FEDERICI, Silvia. O feminismo e a política dos comuns. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de (org.). Pensamento feminista: conceitos fundamentais. Rio de Janeiro: Editora Bazar do Tempo, 2019b. p. [279-397].
HARAWAY, D. “Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial”. Cadernos Pagu, 5, pp.7-41, 1995
HARAWAY, Donna. [1985] “Manifesto Ciborgue: Ciência, Tecnologia e feminismo socialista no final do século XX. In Tadeu, T. (org). Antropologia do Ciborgue – as vertigens do pós-humano. Belo Horizonte: Autêntica, 2009