Ficha do Proponente
Proponente
- Alex Ferreira Damasceno (UFPA)
Minicurrículo
- Professor do Programa de Pós-Graduação em Artes e do Curso de Graduação em Cinema e Audiovisual da Universidade Federal do Pará (UFPA). Doutor em Comunicação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Ficha do Trabalho
Título
- A teoria screenlife de Timur Bekmambetov: da poética prescritiva à poiética
Seminário
- Teoria de Cineastas: dos processos de criação à dimensão política do cinema
Resumo
- O trabalho investiga a teoria screenlife, de Timur Bekmambetov, à luz da perspectiva da teoria dos cineastas de Jacques Aumont. A partir dos filmes e textos do cineasta, definimos o screenlife como uma teoria poética que, num percurso de dez anos, vai da prescrição formal à pedagogia do processo criativo. Analisamos os argumentos centrais da teoria que sustentam o screenlife como uma nova linguagem, problematizando-os a partir da aproximação com os pensamentos de David Bordwell e Iuri Lotman.
Resumo expandido
- Timur Bekmambetov é um cineasta cazaque que construiu sua carreira na Rússia e nos Estados Unidos, principalmente dirigindo filmes de blockbuster. A partir de 2014, ele muda de foco e passa se dedicar a um formato que nomeou inicialmente de screenmovie e, pouco tempo depois, de screenlife. Nesses filmes, a narrativa é completamente desenvolvida em telas de computador, ambientada em espaços online e encenada por meio de elementos da interface gráfica. Dentre as obras screenlife dirigidas e/ou produzidas pelo cineasta, as mais conhecidas são Amizade Desfeita (2015), Buscando… (2018), Amizade Desfeita 2: Dark Web (2018) e Perfil (2021). Enquanto produzia os filmes, ele também discutiu o screenlife em diversas entrevistas e publicações. O primeiro texto de sua autoria sobre o tema foi publicado em 2015, na época do lançamento de Amizade Desfeita; o último texto é um livro lançado em 2024, após ter produzido mais de dez obras. Temos, assim, um caso de um cineasta contemporâneo que há quase dez anos reflete sobre o mesmo formato em diferentes filmes, entrevistas, artigos e, finalmente, em um livro.
Neste trabalho, investigo os filmes e os textos de Bekmambetov à luz da perspectiva da teoria dos cineastas (Aumont, 2004; Graça, Baggio e Penafria, 2015). Partindo das classificações de Aumont, parece-me claro que as reflexões de Bekmembetov se inscrevem no eixo de uma teoria poética, que busca entender a relação entre a arte e o mundo: como um tipo de filme é formado e como essa forma reflete o mundo. A tese principal do cineasta é que o cinema contemporâneo, de modo geral, não tem incluído nas narrativas o papel central que as telas de computador desempenham em múltiplas dimensões da vida cotidiana. Bekmambetov conclui que o screenlife é uma nova linguagem que surge para representar essa transformação da sociedade. Embora não acione marcos conceituais, seus argumentos originais ressoam duas premissas de tradição poética, que serão debatidas no trabalho: a) as formas cinematográficas surgem por necessidade de representar convenções sociais (Bordwell, 1996); b) é a partir da colisão imprevisível entre dois sistemas de linguagem (o cinema e as novas mídias) que uma nova linguagem (o screenlife) é formada (Lotman, 1999).
O trabalho também tem o objetivo de analisar o percurso de desenvolvimento da teoria screenlife. O texto inaugural da teoria é um manifesto que estabelece regras para a realização dos filmes com base na poética aristotélica (Bekmambetov, 2015). O manifesto define como regras as escolhas poéticas de Amizade Desfeita, tendo sido bastante influente para outros filmes do formato, fielmente aplicado por vários realizadores. Em suas primeiras formulações, portanto, a teoria poética de Bekmambetov é composta por “prescrições formais”, nos termos de Aumont (2004, p. 92), ou, como definiria Bordwell (2007, p. 12), constitui uma “poética prescritiva”. Ao longo dos anos, Bekmambetov reuniu diferentes colaboradores e formou o grupo conhecido como Screenlife Laboratory. Conforme os colaboradores experimentavam com o formato, o seu pensamento vai se afastando das regras do manifesto. Em textos recentes, o cineasta define o manifesto como o “Velho Testamento” do screenlife: restrições que serviram para impulsionar o desenvolvimento da nova linguagem. No livro que representa o “Novo Testamento”, Bekmambetov (2024) abandona completamente a prescrição. Sua teoria passa a se comportar, novamente nos termos de Aumont (2001; 2004), como uma poiética. A recuperação do radical grego original (poiesis) por Aumont visa enfatizar a construção de uma teoria da prática da arte, interessada nos modos ativos de fazer um filme. Bekmambetov se volta a uma pedagogia do screenlife e busca ensinar sobre as etapas do processo criativo: como criar ideias para filmes, como organizar a pré-produção, como encenar, editar, finalizar etc. A teoria screenlife de Bekmambetov faz, assim, a passagem de uma poética prescritiva para uma poiética.
Bibliografia
- AUMONT, Jacques. As teorias dos cineastas. Campinas: Papirus, 2004.
AUMONT, Jacques. La estética hoy. Madri: Ediciones Catédra, 2001.
BEKMAMBETOV, Timur. Rules of the Screenmovie: The Unfriend Manifest for the Digital Age. Moviemaker Magazine. 2015.
BEKMAMBETOV, Timur et al. Screenlife: How to Start Making Movies with Nothing but a Computer and a Story. Screenlifer: Los Angeles, 2024.
BORDWELL, David. Poetics of cinema. Nova York: Routledge, 2007.
BORDWELL, David. Convention, construction, and cinematic vision. In: BORDWELL, David; CARROL, Noël. Post-theory: reconstructing film studies. Madison: The University of Wisconsin Press, 1996.
GRAÇA, André; BAGGIO, Eduardo; PENAFRIA, Manuela. Teoria dos cineastas: uma abordagem para a teoria do cinema. FAP/Revista FAP. Curitiba, vol. 12, p. 19-32, 2015.
LOTMAN, Iuri. Cultura y explosión: Lo previsible y lo imprevisible en los procesos de cambio social. Barcelona: Editorial Gedisa, 1999.