Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    João Lucas de Castro Pedrosa (UFRJ)

Minicurrículo

    Formado em Cinema pela PUC-Rio e em Letras pela UNIRIO, começou no cinema em 2011 pela Oficina Pequeno Cineasta (onde foi tutor entre 2020 e 2024). Produz obras institucionais e autorais, como o vídeo “Dois Rios” (ALC Videoart Festival 2021) e o documentário “Muro da Paz” (em pós). Bolsista PIBIC de 2017 a 2021, ganhou Menção Honrosa na JIC UNIRIO 2020 pela pesquisa sobre Bernardo Carvalho. Atualmente é bolsista no mestrado de Comunicação e Cultura da UFRJ. Redator na “Multiplot!” desde 2019.

Ficha do Trabalho

Título

    O segredo restante: representações do sexo no cinema brasileiro pós-pandêmico à luz do pornovídeo

Eixo Temático

    ET 1 – CINEMA, CORPO E SEUS ATRAVESSAMENTOS ESTÉTICOS E POLÍTICOS

Resumo

    Partindo da hipótese que o formato hegemônico do vídeo pornô conduz a uma metrificação neoliberal do desejo, a pesquisa busca traçar um “zeitgeist sexual” contemporâneo a partir de formas e meios que denotam a construção de um “olhar pornográfico consumidor” vigente na cultura de massa. Num segundo momento, uma análise de obras do cinema brasileiro pós-pandêmico que explorem a sexualidade do(s) protagonista(s) tenta compreender possíveis influências e respostas a tais discursos e dinâmicas.

Resumo expandido

    Ainda em fase inicial, a pesquisa funciona em duas metades. A primeira tenta contornar um possível “zeitgeist sexual contemporâneo”, para cuja compreensão o vídeo pornô nos servirá de propulsor-chave. A pornografia, por meio da ostensiva exposição do que deve manter-se obsceno, tenta preencher um vazio, uma falta: trata a explicitação do desejo como sua materialização (ABREU, 2012); o video (latim para “eu vejo”, uma ação corrente) é como um objeto-processo, sem extremidades finais ou iniciais, à medida que se apresenta numa quantidade infinita de material, filtrado pelo gênero do corpo a ser consumido (gordos, pretos, latinos, asiáticos, twinks, etc), formato (amador/anônimo ou não) e prática (anal, sem camisinha, etc). A visão do corpo é cada vez menos acessada pelo realismo, e cada vez mais pela ficção.

    Levanto o objeto-pornovídeo como ferramenta neoliberal (involuntária ou não). O impacto da “imagem total” pornográfica (o gesto sexual explícito) na profusão do vídeo é a ilusão de transparência ilimitada; a rejeição das noções de segredo ou negatividade, o estímulo à exposição constante (HAN, 2023). O seu efeito é a metrificação do desejo: a obrigatória progressão linear rumo ao clímax (aproximação dos corpos / felação / penetração / ejaculação), que rejeita outras manifestações do erotismo – como, por exemplo, em ondas (TRIKA, 2023).

    Na segunda metade da pesquisa, debruço-me sobre filmes independentes brasileiros lançados durante ou após a pandemia. A iniciativa visa compreender como as obras dialogam com um contexto de centralidade do digital mas relações, viabilizando-as em sua quase totalidade. Mantenho à vista, todavia, a profundidade formativa que os produtos industriais (nisso, das grandes emissoras e produtoras de cinema, das marcas de produto, mas também a da pornografia) têm na condução dos costumes e na educação do sistema de prazer coletivo num geral, muito antes desse recorte temporal. Trazem formulações de mundo e do outro que inevitavelmente influenciam a dos próprios autores aqui analisados.

    Nesta comunicação, abordarei especificamente “Regra 34” (Julia Murat, 2023). O filme não apresenta grandes influências da mise-en-scéne pornográfica per se: as cenas de sexo ou masturbação tendem a ser filmadas em close de rosto. Sua problemática se manifesta, principalmente, pelo roteiro. O filme segue Simone (Sol Miranda), estudante de direito recém aprovada numa defensoria pública que trabalha, por fora, como cam girl. Ela gosta do trabalho e, após ver determinado vídeo, passa a incorporar aplicações de dor e sofrimento à prática sexual. Simone rejeita da equação quaisquer protocolos de segurança por todo o filme, dando margens para ser abusiva e abusada. O filme flerta com diversos tópicos de uma só vez (sexo, aparato público, significados históricos do corpo, a autoimagem pornográfica, extremos da carne, etc) e anula os efeitos do consumo sobre a percepção de uma personagem que literalmente se dá para o consumo (aquisição e, potencialmente, destruição) de seu corpo ao fim do filme: Simone envia seu endereço a um estranho no Chaturbate por 20 mil tokens, para fazer o que quiser com ela (“A regra é que não há regras”). A conotação escravista é gritante.

    Num contexto em que a diferença entre a liberdade do olhar consumidor sobre o corpo (ou seu potencial de ser consumido) e a liberdade do corpo em si se borram, o filme de Murat parece acreditar que os dois são o mesmo – “pornografia” e “sexo” são equivalentes na trama, assim como “consumo” e “desejo”. Raspa a superfície da contradição dos desejos como subterfúgio do seu consumo. Assim se manifesta uma autoria consumidora, ficcionalizando o corpo e o mundo como se as originais observadas fossem versões suas já previamente ficcionalizadas. Não é o caso de um jogo vertiginoso de clichês e arquétipos, mas a crença de que se monta, na obra, uma representação ambígua ao invés de um pragmatismo fetichista. A ficção pornográfica se impõe como realismo cinematográfico.

Bibliografia

    ABREU, Nuno Cesar. O Olhar pornô: A representação do obsceno no cinema e no vídeo.
    São Paulo: Alameda Casa Editorial, 2012.
    BATAILLE, Georges. O Erotismo. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2017.
    CRARY, Jonathan. 24/7: Capitalismo tardio e os fins do sono. São Paulo: Ubu Editora,
    2016.
    DELEUZE, Gilles. Conversações. São Paulo: Editora 34 Ltda., 2008.
    DUBOIS, Philippe. Cinema, vídeo, Godard. São Paulo: Cosac Naify, 2004
    GERACE, Rodrigo. Cinema explícito: representações cinematográficas do sexo. São
    Paulo: Perspectiva: Edições Sesc São Paulo, 2015.
    HAN, Byung-Chul. Psicopolítica: O neoliberalismo e as novas técnicas de poder. Belo
    Horizonte: Editora Âyiné. 2023.

    ARTIGOS
    TRIKA, Maria. Se apropriar do desejo ou a métrica das imagens. MULTIPLOT!
    Disponível em:
    .