Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Alexandre Wahrhaftig ((sem vínculo))

Minicurrículo

    Doutor em Meios e Processos Audiovisuais pela Universidade de São Paulo, com pesquisa sobre poéticas de repetição no cinema brasileiro. É também cineasta e montador. Montou os longas “Diz a ela que me viu chorar” (de Maíra Buhler) e “Ela e Eu” (de Gustavo Rosa de Moura). E dirigiu uma série de filmes dedicados às contradições e desigualdades do espaço urbano, como o longa “Panorama” e os curtas “E” e “O Castelo”.

Ficha do Trabalho

Título

    Cineasta como topógrafo: o espaço nos filmes de cidade de Daniel Eisenberg

Seminário

    Cinema e Espaço

Resumo

    Nos filmes de Daniel Eisenberg entre o final da década de 1980 e início dos anos 2000, o espaço adquire protagonismo. Do Leste Europeu a Chicago, passando por Berlim, o cineasta atua como uma espécie de topógrafo, descobrindo em seu mergulho espacial as descontinuidades da história. Nossa comunicação visa analisar a forma pela qual o cineasta registra e se relaciona com o espaço, cotejando seu trabalho com outras tradições cinematográficas como o filme de cidade da década de 1920.

Resumo expandido

    Uma das primeiras sequências de “Persistence” (1997), de Daniel Eisenberg, documenta topógrafos com um teodolito em meio às ruínas cobertas de vegetação da igreja de St. Elizabeth, em Berlim. Nasce dos planos a impressão de uma afinidade entre cineasta e topógrafos, entre câmera e teodolito. Talvez esteja aqui, no ofício do topógrafo, uma boa metáfora para o trabalho de difícil categorização de Eisenberg – não só em “Persistence”, mas também em filmes como “Cooperation of parts” (1987) ou “Something more than night” (2003).

    Trata-se, contudo, de uma topografia muito particular, distante da vontade de precisão milimétrica, e muito mais afeita à temporalidade descontínua da história, sem a pretensão de sentenciar sua verdade última, mas sim com o intuito de apreender suas complexidades e ambivalências. Eisenberg, segundo Skoller (2010, p. 5), visa revelar os estratos temporais da paisagem urbana ao explorar seus objetos visíveis, arquitetônicos. O caso de “Persistence”, afinal, é dos mais emblemáticos, devido à contraposição entre sua observação detida da paisagem de Berlim após a reunificação no início dos anos 1990 e a inserção de imagens de arquivo do mesmo local destruído no pós-guerra. Desenha-se, assim, uma topografia da história em uma cidade como um “palimpsesto de vestígios”, na expressão de Comolli (2008, p.180). No cinema de Eisenberg, estamos diante do uso da “arquitetura em vários estados de decadência e renovação como forma de visualizar e espacializar a instabilidade temporal entre passado e presente” (Skoller, 2005, p. 82).

    Nossa comunicação visa aprofundar a análise da obra de Eisenberg sobretudo dos três filmes supracitados, dando especial atenção à forma como o cineasta se coloca diante do espaço (em) que filma. Uma vez apresentada em linhas gerais a relação singular tecida nos filmes entre espaço e história, buscaremos investigar a complexidade não somente do “que” ele filma, mas do “como”. Da mesma maneira que Eisenberg documenta os topógrafos trabalhando, gostaríamos de escrutinar a forma como o próprio cineasta trabalha sobre a paisagem. Como enquadra uma ruína, um campo de concentração, uma estação de trem? A que distância se coloca? Move ou não move a câmera? Quanto tempo faz durar o plano?

    Não podemos deixar de lado a centralidade do espaço urbano nessa relação topográfica de seu cinema. Tom Gunning (2010), ao escrever sobre os “filmes de cidade” de Eisenberg, diz que eles remetem, sem se reduzir a um rótulo específico, a uma série de “gêneros” da não-ficção, entre eles, as “Sinfonias da Cidade”. Gunning, ao pensar especificamente o filme “Something more than night” – filmado na noite de Chicago, em não-lugares, segundo Christa Blümlinger (2010) –, traz como contraponto “Berlim, sinfonia de uma metrópole” (1927), de Ruttmann. Acreditamos que a comparação dos filmes de Eisenberg (não só o de Chicago) com esses filmes de cidade do início do século XX nos ajudará não somente a melhor compreender sua postura em relação ao registro do espaço urbano, mas a refletir sobre o vínculo entre cinema e cidade tal como expôs Giuliana Bruno (2002, p.18-25) ao pensar esses filmes dos anos 1920 ultrapassando a ideia redutora da cidade como “objeto”.

    Assim como a cidade não é “objeto”, o sujeito cineasta não é observador ideal, neutro. Não é à toa que outros gêneros lembrados por Gunning são o do filme-diário e o relato de viagem, que remetem à importância da subjetividade do registro em Eisenberg. Há momentos, em “Cooperation of parts”, por exemplo, em que a câmera é bastante instável, afoita, desequilibrada – o que grifa não o espaço em si, mas o encontro do cineasta com tal espaço. Para finalizar, portanto, além do estudo das relações entre cinema e cidade, gostaríamos de abordar a questão do “colocar-se em situação” do cineasta no registro da cidade, seguindo reflexões, por exemplo, de Vivian Sobchack (2004, p. 13-35), ao comentar a desorientação espacial.

Bibliografia

    BLÜMLINGER, Christa. “Nonplaces, nomads, and nameless ones: notes on ‘Something more than night'”. In: SKOLLER, Jeffrey (Org). Postwar: the films of Daniel Eisenberg. London: Black Dog Publishing, 2010, p. 150–171.

    BRUNO, Giuliana. Atlas of Emotion: Journeys in Art, Architecture, and Film. London / New York: Verso, 2002.

    COMOLLI, Jean-Louis. Ver e poder : a inocência perdida. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.

    GUNNING, Tom. “Persistent displacements: the city films of Dan Eisenberg”. In: SKOLLER, Jeffrey (Org). Postwar: the films of Daniel Eisenberg. London: Black Dog Publishing, 2010, p. 12–39.

    SKOLLER, Jeffrey (Org). Postwar: the films of Daniel Eisenberg. London: Black Dog Publishing, 2010.

    SKOLLER, Jeffrey. Shadows, specters, shards: making history in avant-garde film. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2005.

    SOBCHACK, Vivian. Carnal Thoughts: embodiment and moving image culture. Berkeley/Los Angeles/Londres: University of California Press, 2004.