Ficha do Proponente
Proponente
- Thiago Ferreira Pinto (UFPE)
Minicurrículo
- Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Mestre e graduado em Cinema e Audiovisual pela Université Lumière Lyon 2. Fez a fotografia e a montagem do documentário En communauté (2023, selecionado e premiado em diversos festivais internacionais ).
Ficha do Trabalho
Título
- Da janela aberta para o mundo ao parque de atrações. As paisagens em dois filmes de Jia Zhangke.
Seminário
- Cinema e Espaço
Resumo
- O trabalho analisa os filmes O Mundo (2004) e Em busca da vida (2006), de Jia Zhangke, a partir da noção de paisagem, contextualizando-a dentro de suas relações com as mídias e os aparatos modernos. Inserido no campo da Cultura Visual, o estudo convoca o conceito de Pitoresco, observando como, nas duas obras, a assimilação das categorias Veduta e Capriccio revela as tensões envolvidas na fantasia de penetração no espaço que mobilizou a representação paisagística ao longo do tempo.
Resumo expandido
- Nessa pesquisa, analisamos os filmes O Mundo (2004) e Em busca da vida (2006), dirigidos por Jia Zhangke, a partir da noção de paisagem, situando-a histórica, estética e formalmente no bojo de suas relações com algumas mídias e aparatos modernos. O estudo insere-se no campo da Cultura Visual, área que abarca entre as suas aspirações não apenas a análise da construção social do domínio visual, mas também da construção visual do domínio social, tendo como objeto a imagem em todas as suas dimensões e suportes (MITCHELL, 2009, p.341).
Percebe-se que, na concepção desses longas-metragens, há uma profunda reflexão sobre questões ligadas à espacialidade, à representação visual e a aspectos pictóricos, entre os quais se destacam a transformação da paisagem, a saturação de signos visuais no espaço e a espetacularização do real. Em diálogo com as valiosas contribuições que se debruçaram analiticamente sobre a relação entre a pintura de paisagem e os filmes de Jia Zhangke, identificamos nas obras analisadas alguns pontos inexplorados no que tange a incorporação cinematográfica de configurações próprias a certos gêneros e categorias pictóricas. Desse modo, esse trabalho visa elucidar, nas duas obras desse diretor, algumas linhas de força formais e simbólicas no âmbito de suas conexões com outras artes visuais e aparatos tecnológicos.
A noção de paisagem vivenciou profundas transformações em meio aos sucessivos dispositivos modernos que se encarregaram de sua visibilidade, entre os quais figuram o Espelho de Claude, o Panorama, o Diorama, os passeios fantasmas e o próprio cinematógrafo. Para interpretar a evolução das formas de configurar e vivenciar a paisagem através desses diversos aparatos tecnológicos, é necessário lançar luz sobre o desejo implícito de penetração no espaço e de viagem visual, que remetem ao arquétipo da Paisagem Ideal, para o qual as pinturas de Claude Lorrain serviram como modelo através de seu efeito teatral (GUNNING, 2010).
Muitos dos primeiros filmes da história do cinema procuraram satisfazer essa fantasia, provocando a sensação de movimento e de imersão através da paisagem, tendo em vista que a configuração do novo dispositivo permitiu uma nova forma de pensar e experimentar a espacialidade, tanto a partir de seu ecótopo privilegiado de exibição quanto das particularidades expressivas inéditas de suas imagens. Eles indicam um dos caminhos tomados pela indústria cinematográfica, consistindo na regularização de uma prática social que envolve uma experiência estética tendente à imersão total, alinhando-se à filiação do cinema com as feiras e parques de atrações.
As duas obras de Jia Zhangke analisadas neste trabalho evidenciam em seu tecido fílmico algumas das tensões envolvendo essa fantasia de penetração que mobilizou, em larga medida, a representação da paisagem através dos distintos aparatos modernos. Embora o cineasta tenha, em Em busca da vida, tomado como modelo alguns gêneros e referências pictóricas da tradição chinesa (MELLO, 2015), as análises permitiram constatar que ambos os filmes assimilam muitos modelos paisagísticos próprios à história pictórica ocidental, como a Veduta e o Capriccio. Nesse sentido, a noção de pitoresco é fundamental para entender como essas categorias foram apropriadas pelo diretor para questionar a ideia duradoura de fazer a experiência da natureza enquanto imagem. Da noção da imagem como “janela aberta para o mundo” até a imersão no espaço cênico do parque de atrações enquanto experiência global, os dois filmes suscitam questões de grande relevância para pensar as relações da paisagem com a pintura, o cinema, a indústria do turismo, a modernidade e a cultura pós-moderna.
Bibliografia
- BERTINI, Marie-Joseph. Vedute. Les cahiers de médiologie, v. 7, n. 1, p. 137, 1999.
BORDELEAU, Erik. La scène comme enfermement dans The World de Jia Zhangke. Cinémas: Revue d’études cinématographiques, v. 20, n. 2-3, p. 195, 2010. https://doi.org/10.7202/045150ar.
GUNNING, Tom. Landscape and the Fantasy of Moving Pictures: Early Cinema’s Phantom Rides. In: HARPER, Graeme; RAYNER, Jonathan (Eds.). Cinema and Landscape. Bristol: Intellect, 2010. p. 31-70.
JAMESON, Fredric. Le postmodernisme ou la logique culturelle du capitalisme tardif. Paris: Beaux-arts de Paris, 2011.
MELLO, Cecília. De Terra amarela a Em busca da vida: pintura, filosofia e a China pós socialista. Revista Nava, Juiz de Fora, v. 1, ed. 1, p. 84-107, 2015.
MITCHELL, W. J. THOMAS. Iconologie, culture visuelle et esthétique des médias. Perspective, n. 3, p. 339–342, 30 set. 2009.
PHILIPPON, Carole. Paysage, caprice ou veduta ? Dossier de l’art, Venise: Canaletto et ses rivaux, n. 179, p. 13–13, 2010.