Ficha do Proponente
Proponente
- Maria Neli Costa Neves (UNICAMP)
Minicurrículo
- Doutora em Multimeios- UNICAMP, mestre em Ciência da Arte -Universidade Federal Fluminense (UFF), bacharel em Comunicação Social (cinema, jornalismo) pela UFF. Curta-metragista, editora cinematográfica, continuísta, com diversos trabalhos em cinema e televisão.
Ficha do Trabalho
Título
- “Noites Alienígenas”: tradições indígenas, pentecostalismo e facções criminosas no Acre
Resumo
- Com base em Robert Stam, Robin M. Wright e Aiala Couto, o propósito dessa comunicação é refletir sobre as representações do filme “Noites Alienígenas” 2022) de Sérgio de Carvalho, e como elas espelham uma conjuntura onde se entrecruzam a ação de facções criminosas, manifestações ligadas a tradições indígenas e o pentecostalismo-evangélico no estado do Acre.
Resumo expandido
- O filme “Noites Alienígenas” (2022) constrói uma história que se passa nos tempos atuais, na periferia de Rio Branco, Acre, destacando a vivências de jovens, na sua maioria negros, mestiços e indígenas – que estabelecem relações afetivas entre si, agrupam-se em competições ao redor da poesia (slams), consomem e comercializam drogas, matando-se no cumprimento de regras da facção criminosa fixada na região.
A narrativa se concentra na trajetória dos adolescentes Rivelino, Sandra e Paulo, com idade em torno dos 17 anos. Rivelino faz raps, pinturas em spray sobre painéis e muros, negocia drogas para o chefe Alê e tem conflitos com sua mãe, Beatriz. Sandra mora com o filho pequeno, dela e de Paulo, trabalha em um restaurante, é ativa nas competições do slam e diz pretender estudar medicina. O outro personagem do relato é o indígena Paulo, apresentado como viciado em drogas, chamado de “noiado” pelos colegas, e que pressiona a mãe, Marta, por dinheiro, argumentando que está “fodido”. Em uma das cenas do filme, ele arromba a janela da casa materna, invade o lugar, roubando um rádio para, logo depois, tentar trocar o objeto por tóxicos. O traficante Alê é o chefe de Rivelino, um homem de meia idade, que usa pulseiras e colares rústicos, fuma baseados de maconha, toca violão, canta música de Raul Seixas e, como um hippie, articula frases como “aldeia sideral”, “energia que emana em tudo”. Marta, a mãe de Paulo, é indígena: na sua primeira aparição fílmica ela ouve programa evangélico na rádio da casa e aconselha o filho a frequentar a igreja. Em uma situação subsequente, Marta é vista dentro de templo religioso, onde repete as frases do pastor que prega sobre “casamentos destruídos” e “filhos nas drogas”. Mais à frente no longa, Paulo é ameaçado de morte e, para protegê-lo, Marta pede ajuda a sua mãe. As duas, juntamente com outra mulher indígena, realizam um ritual com rezas e cantos ligados à cosmologia ameríndia.
Em estudo sobre o pentecostalismo-evangélico entre os povos indígenas, M. Wright e Kapfhammer dizem que “O campo protestante-pentecostal tenta se posicionar para seus seguidores pauperizados como alternativa a uma vida cheia de sofrimento e aflições”, oferecendo a “conversão” como “fuga de cultura” de violência das favelas, entretanto os autores entendem que há também no “discurso indígena”, o destaque da “conversão” como caminho de “superação de sociedades […] antigas determinadas por relações violentas” (WRIGHT, KAPFHAMMER, 2004, p. 12).
No longa-metragem, as imagens são produzidas mediante planos-sequência, câmera na mão que acompanha os personagens em suas caminhadas pelas ruelas, enquadramentos em close-ups do rosto dos atores. O que se projeta na tela são cenários de espaços abertos, casebres de madeira, ruas com piso de terra, mato e pobreza, onde não é percebida a presença do Estado. Estão em cena apenas jovens e adultos vivenciando situações de confrontos, em um jogo de “vozes e discurso” (STAM, 2014, p.306), que desnuda suas conexões com a facção criminosa de nome “Família”. Esta já estaria territorializada no lugar, agendando adolescentes para o comércio de entorpecentes e punindo com a morte os infratores de suas regras.
Conforme Couto (2018), as facções criminosas
impõem limites e regras às pessoas […] a partir de seus próprios códigos [e] normas […], uma imposição em parte direcionada aos sujeitos que estão sob a zona de dominação do narcotráfico, mas que serve, também, para a população que se encontra no campo de forças das relações de poder do narcotráfico (COUTO, 2018, p.77).
Nesse filme no qual os personagens surgem dentro de situações de precarização, pode-se dizer, com base em Robert Stam (2014), que não há uma opção por “imagens positivas” para a estruturação da história e não são criados “heróis” mas, ao contrário, são concebidos “sujeitos” (STAM, 2014, p. 304) na luta por sobrevivência dentro de um sistema que os exclui.
Bibliografia
- COUTO, Aiola Colares. Geografia das Redes do narcotráfico na Amazônia. Revista Geoamazônia. 2023.
Disponível em: https://www.periodicos.ufpa.br/index.php/geoamazonia/article/view/13828
Acesso em abril de 2025.
______. Territórios-rede e territórios-zona do narcotráfico na metrópole de Belém. Geotextos. 2018.
Disponível em: https://periodicos.ufba.br/index.php/geotextos/issue/view/1669
Acesso em março de 2025.
STAM, Robert. Introdução à teoria do Cinema. Campinas: Papirus Editora. 2014.
WRIGHT, Robin M.; KAPFHAMMER, Wolfgang. Apresentação. In: WRIGHT, Robin M. (Org). Transformando os deuses: Igrejas evangélicas, pentecostais e neopentecostais entre os povos indígenas no Brasil.
Campinas: Editora Unicamp. 2004.