Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Maria Neli Costa Neves (UNICAMP)

Minicurrículo

    Doutora em Multimeios- UNICAMP, mestre em Ciência da Arte -Universidade Federal Fluminense (UFF), bacharel em Comunicação Social (cinema, jornalismo) pela UFF. Curta-metragista, editora cinematográfica, continuísta, com diversos trabalhos em cinema e televisão.

Ficha do Trabalho

Título

    “Noites Alienígenas”: tradições indígenas, pentecostalismo e facções criminosas no Acre

Resumo

    Com base em Robert Stam, Robin M. Wright e Aiala Couto, o propósito dessa comunicação é refletir sobre as representações do filme “Noites Alienígenas” 2022) de Sérgio de Carvalho, e como elas espelham uma conjuntura onde se entrecruzam a ação de facções criminosas, manifestações ligadas a tradições indígenas e o pentecostalismo-evangélico no estado do Acre.

Resumo expandido

    O filme “Noites Alienígenas” (2022) constrói uma história que se passa nos tempos atuais, na periferia de Rio Branco, Acre, destacando a vivências de jovens, na sua maioria negros, mestiços e indígenas – que estabelecem relações afetivas entre si, agrupam-se em competições ao redor da poesia (slams), consomem e comercializam drogas, matando-se no cumprimento de regras da facção criminosa fixada na região.
    A narrativa se concentra na trajetória dos adolescentes Rivelino, Sandra e Paulo, com idade em torno dos 17 anos. Rivelino faz raps, pinturas em spray sobre painéis e muros, negocia drogas para o chefe Alê e tem conflitos com sua mãe, Beatriz. Sandra mora com o filho pequeno, dela e de Paulo, trabalha em um restaurante, é ativa nas competições do slam e diz pretender estudar medicina. O outro personagem do relato é o indígena Paulo, apresentado como viciado em drogas, chamado de “noiado” pelos colegas, e que pressiona a mãe, Marta, por dinheiro, argumentando que está “fodido”. Em uma das cenas do filme, ele arromba a janela da casa materna, invade o lugar, roubando um rádio para, logo depois, tentar trocar o objeto por tóxicos. O traficante Alê é o chefe de Rivelino, um homem de meia idade, que usa pulseiras e colares rústicos, fuma baseados de maconha, toca violão, canta música de Raul Seixas e, como um hippie, articula frases como “aldeia sideral”, “energia que emana em tudo”. Marta, a mãe de Paulo, é indígena: na sua primeira aparição fílmica ela ouve programa evangélico na rádio da casa e aconselha o filho a frequentar a igreja. Em uma situação subsequente, Marta é vista dentro de templo religioso, onde repete as frases do pastor que prega sobre “casamentos destruídos” e “filhos nas drogas”. Mais à frente no longa, Paulo é ameaçado de morte e, para protegê-lo, Marta pede ajuda a sua mãe. As duas, juntamente com outra mulher indígena, realizam um ritual com rezas e cantos ligados à cosmologia ameríndia.
    Em estudo sobre o pentecostalismo-evangélico entre os povos indígenas, M. Wright e Kapfhammer dizem que “O campo protestante-pentecostal tenta se posicionar para seus seguidores pauperizados como alternativa a uma vida cheia de sofrimento e aflições”, oferecendo a “conversão” como “fuga de cultura” de violência das favelas, entretanto os autores entendem que há também no “discurso indígena”, o destaque da “conversão” como caminho de “superação de sociedades […] antigas determinadas por relações violentas” (WRIGHT, KAPFHAMMER, 2004, p. 12).
    No longa-metragem, as imagens são produzidas mediante planos-sequência, câmera na mão que acompanha os personagens em suas caminhadas pelas ruelas, enquadramentos em close-ups do rosto dos atores. O que se projeta na tela são cenários de espaços abertos, casebres de madeira, ruas com piso de terra, mato e pobreza, onde não é percebida a presença do Estado. Estão em cena apenas jovens e adultos vivenciando situações de confrontos, em um jogo de “vozes e discurso” (STAM, 2014, p.306), que desnuda suas conexões com a facção criminosa de nome “Família”. Esta já estaria territorializada no lugar, agendando adolescentes para o comércio de entorpecentes e punindo com a morte os infratores de suas regras.
    Conforme Couto (2018), as facções criminosas
    impõem limites e regras às pessoas […] a partir de seus próprios códigos [e] normas […], uma imposição em parte direcionada aos sujeitos que estão sob a zona de dominação do narcotráfico, mas que serve, também, para a população que se encontra no campo de forças das relações de poder do narcotráfico (COUTO, 2018, p.77).
    Nesse filme no qual os personagens surgem dentro de situações de precarização, pode-se dizer, com base em Robert Stam (2014), que não há uma opção por “imagens positivas” para a estruturação da história e não são criados “heróis” mas, ao contrário, são concebidos “sujeitos” (STAM, 2014, p. 304) na luta por sobrevivência dentro de um sistema que os exclui.

Bibliografia

    COUTO, Aiola Colares. Geografia das Redes do narcotráfico na Amazônia. Revista Geoamazônia. 2023.
    Disponível em: https://www.periodicos.ufpa.br/index.php/geoamazonia/article/view/13828
    Acesso em abril de 2025.
    ______. Territórios-rede e territórios-zona do narcotráfico na metrópole de Belém. Geotextos. 2018.
    Disponível em: https://periodicos.ufba.br/index.php/geotextos/issue/view/1669
    Acesso em março de 2025.
    STAM, Robert. Introdução à teoria do Cinema. Campinas: Papirus Editora. 2014.
    WRIGHT, Robin M.; KAPFHAMMER, Wolfgang. Apresentação. In: WRIGHT, Robin M. (Org). Transformando os deuses: Igrejas evangélicas, pentecostais e neopentecostais entre os povos indígenas no Brasil.
    Campinas: Editora Unicamp. 2004.