Ficha do Proponente
Proponente
- Juliano José de Araújo (UNIR)
Minicurrículo
- Professor do Departamento de Comunicação e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Rondônia. Autor de “Documentário em Rondônia: realizadores, filmes e contextos de produção” (Motriz Edições, 2022) e “Cineastas indígenas, documentário e autoetnografia: um estudo do projeto Vídeo nas Aldeias” (Editora Urutau/Margem da Palavra, 2019). Doutor em Multimeios pela Universidade Estadual de Campinas com estágio de doutorado na Universidade Paris Nanterre.
Coautor
- Naara Fontinele dos Santos (UFMG)
Ficha do Trabalho
Título
- Mamazônia, a última floresta (1996): um contra-arquivo da Amazônia Ocidental brasileira
Seminário
- Arquivo e contra-arquivo: práticas, métodos e análises de imagens
Resumo
- Analisamos Mamazônia, a última floresta (1996, Celso Luccas e Brasília Mascarenhas), considerando seu material fílmico e sonoro como um contra-arquivo da experiência histórica de colonização de Rondônia. Busca-se examinar em que medida esse documentário multiplica vestígios e vozes das vítimas de um violento processo de ocupação territorial, fomenta a contramemória (BEIGUELMAN, 2019) e abre caminhos para práticas de “história potencial” (AZOULAY, 2019) que desmontam narrativas oficiais.
Resumo expandido
- Em 1983, Celso Luccas e Brasília Mascarenhas saíram de Brasília rumo à recém construída BR 364 – rodovia que liga Cuiabá (MT) a Rio Branco (Acre). Acompanhados do técnico de som Chiquinho Bororo, com uma câmera Éclair 16mm e 40 latas de filme, o casal percorreu mais de 700 quilômetros da estrada – saindo de Vilhena, município no interior de Rondônia, até sua capital, Porto Velho – em busca de imagens e de pessoas que ajudassem a compreender o que significavam os projetos de colonização implementados pelo Governo Militar nos anos 70 e início dos anos 80 na Amazônia Ocidental brasileira, especificamente na área do atual estado de Rondônia.
À essa filmagem “ao sabor dos ventos”, como destaca Luccas, somaram-se mais dois meses de filmagem pela região e 13 anos de um trabalho de montagem tão “ambulante” quanto o processo de produção das imagens. Lançado em 1996, Mamazônia, a última floresta foi exibido em diversos festivais nacionais e internacionais, como o Festival de Brasília e o Festival Internacional do Documentário de Amsterdam. Um documentário ecocrítico de cunho militante, Mamazônia aborda o processo de colonização desordenado em Rondônia através de uma montagem heteróclita de imagens e sons capazes de acordar historicidade ao presente de uma Amazônia em transformação.
Nesta comunicação, propomos um estudo de Mamazônia, a última floresta, pensando seu material fílmico e sonoro como um contra-arquivo da experiência histórica de colonização de Rondônia. Esse material compreende vestígios raros das vítimas de um violento processo de ocupação territorial, dilacerante tanto para os pequenos agricultores migrando do Nordeste e do Sul do Brasil que lá se instalavam, quanto para as comunidades que lá viviam (indígenas, ribeirinhos, seringueiros e quilombolas).
Explorando as reflexões de Ariela Aïsha Azoulay (2019), dentre outros autores (SCHWEIZER, 2021; MAECK; STEINLE, 2016), buscamos desenvolver uma metodologia para examinar um material fílmico que permite multiplicar vozes capazes de fomentar a contramemória (BEIGUELMAN, 2019) e abrir caminhos para práticas de “história potencial” (AZOULAY, 2019) que desmontam narrativas oficiais de Rondônia. O contra-arquivo, como sugere Yvonne Schweizer, pode ser visto como “uma instituição de atualização, algo que conecta a (re)construção de diversas histórias com as experiências contemporâneas das pessoas”. Com um potencial ativista e utópico, distingue-se do arquivo convencional que “parece irremediavelmente desacreditado, culpado por reafirmar estruturas de poder hegemônicas” (SCHWEIZER, 2021, p. 29-30).
À exemplo das experiências fílmicas precedentes de Celso Luccas em colaboração com Zé Celso (O Parto e 25), este road movie amazônico é fruto de um modo de fazer cinema contra-hegemônico, no qual a recusa às práticas do cinema industrial atravessam todo o processo do documentário, da filmagem à montagem, da difusão à conservação. As cópias do filme, os documentos relacionados à sua produção, bem como cerca de 10 horas de material bruto em 16mm, encontram-se aos cuidados do cineasta, constituindo assim um precioso e instável repositório de imagens de Rondônia.
Esta investigação insere-se no contexto de um projeto de pesquisa (fomentado pela Chamada CNPq/MCTI nº 10/2023 – Universal) que consiste em mapear, historicizar e analisar imagens em movimento produzidas no decorrer do século XX que tiveram como foco o estado de Rondônia. Marcado por diferentes momentos de exploração, como a construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, o ciclo da borracha e, sobretudo, os projetos desenvolvimentistas da ditadura civil-militar, Rondônia tornou-se cenário de inúmeros conflitos ambientais. Com os slogans “Integrar para não entregar” e “Terras sem homens para homens sem terras”, divulgados pela propaganda governamental e disseminados pela grande imprensa, a proposta do Estado era ocupar um espaço considerado como um suposto “vazio demográfico”, ignorando totalmente as populações tradicionais.
Bibliografia
- AZOULAY, Ariella Aïsha. Potential history. London: Verso Books, 2019.
BECKER, Bertha. Amazônia. São Paulo: Ática, 1990.
BEIGUELMAN, Giselle. Impulso historiográfico. São Paulo: Peligro Edições, 2019.
FONTINELE, Naara. “‘Historicizar a estética’: caminhos e aspectos de um método de pesquisa no cruzamento da estética e da história.” In: GUIMARÃES, César et al. Poéticas de pesquisa: cartografando o audiovisual. Aracaju: Criação, 2021.
FRANCO, Gilmara Yoshihara. “‘A construção do “Brasil Potência’: a propaganda de
estímulo à migração para o Norte do Brasil – um estudo a partir do caso de Rondônia (1968-1981)”. História Unisinos. Vol. 23(1), jan./abr., 2019.
MAECK, Julie; STEINLE, Matthias (Orgs.). L’image d’archives: une image en devenir. Rennes: Presses Universitaires de Rennes, 2016.
SCHWEIZER, Yvonne. “Counter-archive”. Journal of Art History. Vol. 1, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.57936/terms.2022.1.92648 Acesso em 3 abr. 2025.