Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    CARLOS KENJI KOKETSU (Unespar)

Minicurrículo

    Doutor, mestre e graduado em Filosofia pela Universidade Federal do Paraná. Atualmente mestrando do programa de pós-graduação em Cinema e Artes do Vídeo da Universidade Estadual do Paraná.

Ficha do Trabalho

Título

    Contribuições à noção pasoliniana de “subjetiva indireta livre” a partir de uma perspectiva mineral

Resumo

    A presente comunicação parte da noção de visão “subjetiva indireta livre” elaborada por Pasolini e busca conferir a ela outras possibilidades interpretativas. Será feita uma apresentação desta concepção e de algumas apropriações que revelaram sua produtividade; em seguida, será analisada a “perspectiva mineral” sugerida pelo filme Wolfram, a saliva do lobo, a partir da qual poder-se-ia vislumbrar novos alargamentos para a noção pasoliniana por meio de interlocuções com perspectivas filosóficas.

Resumo expandido

    Esta comunicação tratará, primeiramente, da noção de visão “subjetiva indireta livre” anunciada pelo cineasta Pier Paolo Pasolini em sua defesa de um “cinema de poesia”. Neste escrito, ele se vale da figura literária do discurso indireto livre e examina sua possibilidade de transposição para a linguagem do cinema, como forma de tornar este último menos refém do modelo narrativo tradicional que preza pela clareza e onisciência dos acontecimentos. Para o italiano, corresponderia a uma visão “subjetiva indireta livre” no cinema aquela que torna indistinguíveis os pontos de vista das personagens e o do cineasta-câmera, criando transitividades entre seus estados psicológicos, característica que ele percebe nos filmes de autores como Bertolucci e Antonioni.

    Em seguida, serão abordados pesquisadores que ampliaram o pensamento de Pasolini, dando a ele novas abordagens. Francisco Elinaldo Teixeira irá apontar que a “subjetiva indireta livre” teria se irradiado também para o domínio do documentário, como se pode perceber nas obras dos anos 50 de Jean Rouch. Ismail Xavier, por sua vez, irá sugerir que nos filmes do próprio Pasolini a “subjetiva indireta livre” atuaria menos como um correlato a estados psicológicos do que como uma instância antropológica cujo personagem portador marcaria uma diferença cultural e temporal com o público contemporâneo.

    Assim como os pesquisadores acima partiram de filmes para elaborar novas possibilidades interpretativas, o mesmo será feito nesta comunicação. A obra a ser analisada temática e esteticamente será o filme português Wolfram, a saliva do lobo (55 min., 2010), de Joana Torgal e Rodolfo Pimenta, que trata da extração e refino do minério wolframita. Será feita uma breve descrição de suas principais características estilísticas, que parecem sugerir uma “perspectiva mineral”. A associação desta com a noção de “subjetiva indireta livre” se daria nas sequências em que a câmera está instalada sobre equipamentos de mineração que vibram ou chacoalham ao mesmo tempo em que os pedregulhos em trituração filmados estão em igual movimento de trepidação – o efeito das imagens faz imaginar uma transitividade entre perspectivas humanas e minerais.

    Por último, será feito o desdobramento desta aproximação conceitual ao se propor um diálogo entre a perspectiva pasoliniana e a concepção de “vontade de poder” de Nietzsche. Este compreende o mundo como constituído infimamente por uma multiplicidade de vontades de poder, cujas conformações variadas, orgânicas e inorgânicas – os diferentes “sujeitos” que tais vontades configuram no espaço e no tempo – são “unidades” provisórias que buscam manter sua integridade, preservação ou crescimento por meio de relações incessantes de conflito, incorporação ou agenciamento com os demais existentes. Assim, se as múltiplas potências que constituem internamente cada um dos organismos viventes se orientam para ampliar progressivamente a potência de seu conjunto (ou, no mínimo, agem com vistas à sua autopreservação), no caso da matéria rochosa elas atuam para manter sua coesão e rigidez, desfazendo-se no momento em que as relações de forças entre vontades de poder internas e externas entrem em desequilíbrio e alterem tal estado de coisas.

    Por conseguinte, se nos for permitido considerar o recurso da “subjetiva indireta livre” tendo como correspondente não a perspectiva psicológica ou antropológica, mas, ao invés disso, o das múltiplas vontades de poder que constituiriam tanto as formações minerais quanto os cineastas e os espectadores, parece haver uma transitividade possível. Nesse sentido, todos esses seres estão em contínuo vir-a-ser, imersos em processos transformadores e conflitivos de incorporação, crescimento, declínio, criação, destruição. Assim, a “perspectiva mineral” sugerida pelas imagens vibráteis e sua organização no interior do filme parecem carregar a força de nos projetar nesses movimentos de agregação e desagregação que atravessam sem cessar os seres existentes.

Bibliografia

    ARAÚJO SILVA, Mateus. “Jean Rouch e Glauber Rocha, de um transe a outro”. In: Devires, Belo Horizonte, v. 6, n. 1, p. 40-73, jan/jun 2009.

    BORDWELL, David. Sobre a história do estilo cinematográfico. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2013.

    MÜLLER-LAUTER, Wolfgang. A doutrina da vontade de poder em Nietzsche. São Paulo: Annablume, 1997.

    NIETZSCHE, Friedrich. Além de bem e mal: prelúdio a uma filosofia do futuro. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.

    PASOLINI, Pier Paolo. “O ‘cinema de poesia’”. In: Empirismo hereje. Lisboa: Assírio & Alvim, 1982.

    TEIXEIRA, Francisco Elinaldo. Cinemas “não narrativos”: experimental e documentário – passagens. São Paulo: Alameda, 2012.

    XAVIER, Ismail. “O cinema moderno segundo Pasolini”. In: R. Italianística, São Paulo, ano I, n. 1, p. 101-109, 1993.