Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Luiza Nascimento (UFMG)

Minicurrículo

    Sapatão não-binárie, cineasta e pesquisadore de cinema queer. Mestrande bolsista Capes no Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Bacharel em Comunicação Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Membro do grupo de pesquisa Poéticas Femininas, Políticas Feministas.

Ficha do Trabalho

Título

    Quando falo de mim estou dizendo de nós: relatos de si sapatão no cinema contemporâneo brasileiro

Seminário

    Tenda Cuir

Resumo

    Por meio da análise dos curtas-metragem Trópicos de Capricórnio (2020) de Juliana Antunes e Rebu – A egolombra de uma sapatão (2019) de Mayara Santana, filmes construídos a partir de registros íntimos e narrativas pessoais. A pesquisa busca investigar de que forma os procedimentos fílmicos utilizados em cada filme ao ressignificarem os arquivos familiares criam “relatos de si” (Judith Butler), que operam como afirmação política e estética das existências dissidentes de gênero e sexualidade.

Resumo expandido

    O conceito de relatos de si, conforme proposto pela filósofa Judith Butler, emerge como fundamental para a compreensão de como os indivíduos constroem suas identidades em contextos sociais que frequentemente impõem categorias rígidas e normativas de gênero e sexualidade. Para Butler, esses relatos se desenvolvem na interação com a alteridade, ou seja, a identidade é sempre moldada em relação à sociedade cisheteronormativa, branca e patriarcal, que perpetua construções opressivas. Ao expressarem suas próprias existências e narrativas, pessoas que se dissociam desse (cis)tema opressor atuam como agentes de resistência, desafiando uma visão de mundo que marginaliza e invisibiliza essas diversas experiências. Essa prática não apenas reivindica espaço, mas também contribui para a ampliação do entendimento sobre a pluralidade das identidades, promovendo uma reflexão crítica sobre as normas sociais vigentes.
    No contexto dos curtas Trópicos de Capricórnio (2020) de Juliana Antunes e Rebu – A egolombra de uma sapatão (2019), as diretoras, criam relatos de si cinematográficos a partir de imagens de arquivo da infância, adolescência e início da fase adulta que são costuradas na montagem junto a narrativas pessoais em voz off. Em Trópicos, Juliana, uma mulher branca, nos mostra, através de vídeos caseiros, e elaborações em voz off, memórias de uma infância sapatão solitária, marcada por ser uma criança gorda e fora dos padrões de feminilidade sem nenhuma referência queer em uma cidade do interior de Minas Gerais. Ao passo que, Rebu, é um passeio pela subjetividade de Mayara, uma jovem negra, do interior de Pernambuco, que revisita sua infância e adolescência através de fotografias e conversas com seu pai. A cineasta busca encontrar no passado vivências que expliquem sua personalidade marcada pela violência racial e a masculinidade tóxica que afetaram seus relacionamentos amorosos com outras mulheres.

    Ao se debruçar sobre os arquivos familiares e ressignificá-los através de procedimentos cinematográficos, as cineastas constituem relatos de si que desafiam e subvertem os arquivos oficiais ou dominantes, que frequentemente refletem discursos, valores e poderes, propriamente, das classes hegemônicas, nesse caso, memórias de famílias heteronormativas. Desse modo, ao deslocar esses arquivos através da montagem e dos relatos em voz off, as cineastas lhes atribuem um uso político e coletivo criando o que pode-se chamar de contra-arquivos. A montagem opera nos filmes como uma forma de desconstruir essas imagens familiares, seja através do uso de efeitos como zoom in e out, o uso de glits e distorções, ou a intercalação e escolha da sequência das cenas sempre (des) orientadas pela voz-off por vezes dramática e irônica que aparece como um relato subjetivo e pessoal das cenas.

    Em suma, este trabalho pretende investigar de que forma os procedimentos fílmicos como a montagem, a voz em off e o uso dos contra-arquivos são utilizados em cada filme como linhas de força que modulam os relatos de si de forma a trazer à tona memórias pessoais que, quando retornam ao público em formato fílmico, dizem de experiências coletivas e portanto políticas. Afinal, quando Juliana, Mayara e outres sapatões falam de si, também estão narrando experiências que compartilhamos com elas. Ao se colocarem nas telas, as cineastas afirmam suas identidades e nos convidam a mergulhar em suas memórias e subjetividades enquanto pessoas dissidentes de gênero e sexualidade reivindicando o direito a suas histórias e as imagens que lhes foram historicamente negadas. Nossos registros pessoais e íntimos mantêm vivas as nossas histórias, nos permitindo afirmar nossa existência e deixar rastros de vidas dissidentes que o poder hegemônico não pôde apagar.

Bibliografia

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    Carolyn; HARRIS, Verne; TAYLOR, Jane; PICKOVER, Michele; REID, Graeme;
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    RICH, Adrienne. Heterossexualidade Compulsória e Existência Lésbica e Outros
    Ensaios. Tradução: Angélica Freitas e Daniel Luhman. Rio de Janeiro: A Bolha, 2019