Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Jéssica Elaine Moreira Sampaio (Ufes)

Minicurrículo

    Artista visual. Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Territorialidades (PósCom/Ufes) e graduada em Artes Plásticas pela mesma universidade. Bolsista CAPES DS. Atua na interseção entre artes visuais, audiovisual e pesquisa acadêmica, investigando raça, gênero e representações midiáticas, com foco em telenovela brasileira. É membro do projeto de extensão Escrita em Artes (ProEx/Ufes).

Ficha do Trabalho

Título

    AFETIVIDADES NEGRAS NA TELENOVELA VAI NA FÉ: disputas entre agência e colonialidade das imagens

Seminário

    Cinema e audiovisual na América Latina: novas perspectivas epistêmicas, estéticas e geopolíticas

Resumo

    Este estudo investiga as relações afetivas entre mulheres negras na telenovela Vai na Fé (2023), analisando como essas representações tensionam padrões hegemônicos da teledramaturgia, historicamente marcados por uma colonialidade das imagens. Com abordagem teórico-analítica e revisão bibliográfica, a pesquisa articula debates sobre raça e gênero no audiovisual, considerando disputas estéticas, políticas e epistêmicas na mídia televisiva.

    Palavras-chave: Telenovela; Representações; Raça e gênero

Resumo expandido

    O presente estudo investiga as relações afetivas entre mulheres negras na telenovela Vai na Fé (2023), de Rosane Svartman, analisando de que maneira essas relações tensionam os padrões hegemônicos da teledramaturgia, historicamente marcados por uma colonialidade das imagens. Enquanto produto audiovisual amplamente difundido no Brasil, a telenovela desempenha um papel central na construção do imaginário social (Lopes, 2003), sobretudo no que se refere às dinâmicas de poder e representatividade de raça e gênero. O estudo insere-se no debate contemporâneo sobre o audiovisual na América Latina, problematizando suas perspectivas epistêmicas, estéticas e geopolíticas.
    Exibida pela TV Globo entre janeiro e agosto de 2023, Vai na Fé marcou um momento histórico na teledramaturgia brasileira. Com índices de audiência elevados, tornou-se a produção das sete de maior faturamento na história da emissora (Folha Uol, 2023). Além disso, a apresentar um elenco majoritariamente negro — mais de 70% — em uma narrativa que não abordava o período escravocrata, rompendo com a tradição de restringir a representatividade racial a contextos de matriz colonial (RUA, 2023).
    No Brasil, onde hegemonias culturais estão em permanente disputa, a análise de Vai na Fé torna-se relevante. A telenovela reflete transformações narrativas, onde discursos de diversidade racial e de gênero são ressignificados e, por vezes, cooptados pela indústria cultural.
    Nesse sentido, a representação das relações afetivas em Vai na Fé não ocorre de maneira dissociada das dinâmicas de poder que estruturam a teledramaturgia. A conexão entre Sol (Sheron Menezzes), Jenifer (Bella Campos), Marlene (Elisa Lucinda), Bruna (Carla Cristina Cardoso) e Kate (Clara Moneke) expressa uma “radicalidade amorosa da solidariedade fraterna de mulheres negras” (Bueno, 2020, p. 35), mas é atravessada por estereótipos como “mãe agressiva”, “interesseira” e “vulgar”. Sol é rotulada de “Jezebel” por sua vizinha branca, dona Neide (Neyde Braga), reforçando estigmas que associam mulheres negras à imoralidade. No caso de Sol, seu julgamento se intensifica por ser uma mulher negra, mãe solo, evangélica e dançarina de funk, revelando as hierarquias raciais mesmo entre mulheres do mesmo estrato social. A interseccionalidade entre raça, classe e gênero, conforme argumenta, revela como o racismo brasileiro se constrói pela naturalização da subalternidade da mulher negra, explorando sua força de trabalho e deslegitimando sua afetividade (Gonzalez, 2020).
    A telenovela questiona a permanência de estereótipos e as possibilidades de agência para personagens negras. Compreender o impacto dessas representações na construção do imaginário social e sua relação com as demandas por maior diversidade exige uma abordagem que contemple a complexidade dos processos midiáticos, uma vez que a televisão opera como um espaço de mediação cultural, onde discursos populares e hegemônicos se confrontam e se ressignificam (Martín-Barbero, 2008).
    A teledramaturgia brasileira se estrutura nos moldes de uma colonialidade das imagens, na qual corpos negros sofrem marginalização sistemática, hipersexualização e confinamento a papéis estereotipados. Como aponta Gonzalez (2020), a representação da mulher negra na mídia é atravessada por um processo de exotização e subalternização, resultante da articulação entre racismo e sexismo no contexto. Assim, a análise da telenovela deve considerar como ela se articula nas disputas, ora reafirmando padrões hegemônicos, ora abrindo espaço para novos discursos sobre identidade, afetividade e resistência das mulheres negras na teledramaturgia brasileira. Espera-se, com isso, contribuir para o debate sobre o papel das telenovelas na conformação das identidades sociais, ampliando o repertório crítico sobre o audiovisual e seu impacto na desconstrução de lógicas colonialistas e excludentes.

Bibliografia

    BUENO, Winnie. Imagens de controle: um pensamento de Patricia Hill Collins. Porto Alegre: Zouk, 2020.
    COLLINS, Patricia Hill. Política sexual negra: afro-americanos, gênero e o novo racismo. Rio de Janeiro: Via Verita, 2022.

    DE LOPES, Maria Immacolata Vassallo. Telenovela brasileira: uma narrativa sobre a nação. Comunicação & Educação, n. 26, p. 17-34, 2003.

    GONZALEZ, Lélia. Por um feminismo afro-latino-americano. Schwarcz-Companhia das Letras, 2020.

    MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. In: Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. 2008. p. 356-356.

    PEREIRA, Vitor Hugo. Vai na Fé (2023): Uma releitura do passado como reparação para um futuro promissor (da telenovela?). RUA. São Paulo, out. 2023.

    VAI na fé. Rosane Svartman. TV Globo, 2023.

    VAQUER, Gabriel. ‘Vai na Fé’ supera recorde de ‘Cheias de Charme’ e se torna o maior faturamento da Globo às 19h. Folha UOL, São Paulo, 04 ago. 2023.