Ficha do Proponente
Proponente
- César Geraldo Guimarães (UFMG)
Minicurrículo
- Doutor em Literatura Comparada pela UFMG (1995), professor Titular da FAFICH e pesquisador do CNPq. Integrante do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social e do Grupo de Pesquisa “Poéticas da Experiência”, atua no estudo do cinema e da experiência estética. Coordenou o Festival de Inverno da UFMG nas edições de 2012, 2013 e 2014 (Trilogia do Bem Comum) e a Formação Transversal em Saberes Tradicionais da UFMG de 2014 a 2024.
Ficha do Trabalho
Título
- Uma aldeia para os encantados: filmando junto ao povo Tupinambá da Serra do Padeiro
Seminário
- Cinemas, Comunidades, Territórios: interpelações aos gestos analíticos
Resumo
- Ao descrevermos a filmagem e a montagem de Uma aldeia para os Encantados (2025), realizado no âmbito do projeto Encontros da universidade com os saberes e os fazeres afro-indígenas (CNPq/UFMG), mostramos como o filme se faz em um processo liminar que põe em cena Seu Lírio e Dona Maria da Glória (lideranças Tupinambá) e o vínculo entre as formas de habitar o território e os diversos viventes que o povoam. A escritura fílmica procura traduzir essa relação com os recursos do documentário.
Resumo expandido
- Desde 2014, a UFMG acolheu mais de uma centena de mestras e mestres das comunidades indígenas e afro-brasileiras junto ao Programa de Formação Transversal em Saberes Tradicionais (https://www.saberestradicionais.org/), que promove encontros entre os conhecimentos acadêmicos e as formas de pensar – de matriz não-eurocêntrica – próprias dos povos tradicionais.
Ao longo desse tempo, desenvolvemos um conjunto de criações audiovisuais dedicadas aos mestres: as vídeo-aulas (que registram os cursos), os retratos (que dão a ver sua trajetória de vida) e os documentários (dedicados a variados aspectos do modo de viver das comunidades).
Em Uma aldeia para os Encantados (2025), dirigido por André Brasil, César Guimarães e Pedro Aspahan, a experiência de filmagem, nos três dias de encontro que tivemos com Dona Maria da Glória e com Seu Lírio Tupinambá, modulou os caminhos expressivos da realização e da montagem.
Já no primeiro dia, de modo um pouco desavisado, filmamos com Seu Lírio, o Pajé, liderança política e espiritual, e mourão da Serra do Padeiro, como ele mesmo diz. Figura algo enigmática, com um senso de humor irresistível, sua fala flutuava entre os mundos, habitando a superfície do cotidiano e, ao mesmo tempo, em contato com os encantados Tupinambá. Filmamos com ele um passeio por seu quintal repleto de plantas medicinais, utilizadas no tratamento das doenças físicas e espirituais. Em seguida, fomos para a casa de santo, onde filmamos seu retrato, em um longo plano-sequência. Ele narra sua história de vida e a retomada da Serra do Padeiro. Inesperadamente, logo após relatar a resistência de seu povo diante de um terrível ataque armado sofrido na aldeia, ele incorpora o Caboclo Juremeira. Ficamos desnorteados e perplexos. O caboclo veio reforçar a mensagem da força política, guerreira e espiritual do povo Tupinambá, contando a superação do período da pandemia com os saberes tradicionais dos encantados, e também nos dar as boas vindas, desejando sorte em nossa caminhada. No dia seguinte, acordamos às quatro horas da manhã para acompanhar Seu Lírio no trabalho na rádio comunitária que ele instalou na aldeia.
No centro da aldeia, uma fogueira permanecia sempre acesa, dia e noite. Dona Maria vinha sempre conferir, realimentando o fogo, a brasa e a fumaça com novas toras de lenha. Ao primeiro olhar, a fogueira se apresentava apenas como o fogo queimando a madeira. Aos poucos, fomos percebendo sua função espiritual, pois o fogo também é lugar dos encantados. No último dia, ao redor da fogueira, foi feito o ritual do Toré pelos jovens guerreiros Tupinambá. Filmamos um pouco do cotidiano de Dona Maria na cozinha de sua casa, ao lado das outras cozinheiras. Ela fala muito da importância das águas e da preservação da natureza, entrelaçando vida material e espiritual, conectando as práticas do mundo físico com a presença das entidades espirituais. Em seguida, filmamos também seu retrato na casa de santo. Enquanto varria o espaço, entre a imagem do marujo e do caboclo, ela falou de sua relacão com Iemanjá, Seu Laje Grande, Sultão das Matas, Gentil, Caboclo das Águas, os donos das matas, das pedras, das águas. Ela diz que a mata é uma cidade habitada por seres visíveis e invisíveis, e que a cobra que vive na loca da pedra tem uma feira onde ela se alimenta, como nós temos nosso supermercado (tal como se discute nas teorias do perspectivismo ameríndio).
A partir dessa intensa e experiência de encontro, a montagem do filme busca intercalar a fala e o cotidiano de Seu Lírio e de Dona Maria, oferecendo também imagens da Serra do Padeiro, do fogo, da fogueira, da fumaça, das nuvens, da poeira, do vento que balança os adornos da casa de santo, buscando um diálogo com os elementos da natureza e com as figuras materiais que eles associam com a presença invisível dos encantados.
Bibliografia
- ASPAHAN, Pedro; BRASIL, André; GUIMARÃES, César. Lá nas matas tem: a experiência de criação compartilhada de cenas fílmicas com mestras e mestres dos Saberes Tradicionais na UFMG. Revista PRAGMATIZES- REVISTA LATINO AMERICANA DE ESTUDOS EM CULTURA, 2023. Disponível em: https://periodicos.uff.br/pragmatizes/article/view/57932 – acesso em 25/09/2024.
BABAU, Cacique. É a terra que nos organiza. Belo Horizonte: Escola de Arquitetura da UFMG, 2022.
BRASIL, André; MESQUITA, Cláudia (Org.). Cinemas da terra. Belo Horizonte: Selo PPGCOM–UFMG. Coleção Devires, 2024.
DUARTE, Daniel Ribeiro; ROMERO, Roberto; TORRES, Júnia. (Org). Cosmologias da imagem: cinemas de realização indígena. Belo Horizonte: Filmes de Quintal, 2021.
GUIMARÃES, César. ASPAHAN, Pedro. A experiência audiovisual com os Saberes Tradicionais na UFMG. In: SILVA, Rubens et al (org.). Patrimônio, informação e mediações culturais na contemporaneidade. Belo Horizonte, SC, UFMG, 2020.