Ficha do Proponente
Proponente
- Marcus Benjamin Figueredo Alves de Souza (UnB)
Minicurrículo
- Montador, roteirista e diretor de cinema. Bacharel em Audiovisual pela Universidade de Brasília (UnB) e mestrando em Imagem, Estética e Cultura Contemporânea no PPGCOM/UnB. Foi editor e montador do curta experimental “Vestido branco” (2023, Carmen Martins), exibido em festivais em Bogotá (CO), Cidade do México (ME), Berlim (AL) e no circuito de festivais nacionais. Atualmente, produz e dirige o curta documental ‘Cinema para fantasmas’, financiado pelo Fundo de Apoio à Cultura do DF (FAC-DF).
Ficha do Trabalho
Título
- O ASSOMBRO CONTRA-COLONIAL: REALISMO FANTASMAGÓRICO E REALISMO ESPECTRAL NO CINEMA DOS TRÓPICOS
Eixo Temático
- ET 3 – FABULAÇÕES, REALISMOS E EXPERIMENTAÇÕES ESTÉTICAS E NARRATIVAS NO CINEMA MUNDIAL
Resumo
- O trabalho explora as relações entre duas tendências do cinema contemporâneo: o realismo fantasmagórico e o realismo espectral. Com base no pensamento de Derrida e na virada espectral, buscamos entender de que modo filmes da Tailândia e da Colômbia empregam elementos espectrais que dialogam com cosmologias e tradições não-ocidentais para dar conta de ecos de um passado social traumático, mobilizar sujeitos banidos da história oficial e trabalhar as injustiças da exploração moderna no Sul Global
Resumo expandido
- Esta apresentação nasce da tentativa de compreender as convergências e rupturas entre as tendências cinematográficas contemporâneas do realismo fantasmagórico e do realismo espectral na forma com que abordam, de maneira contra-colonial e contra-hegemônica, a imagem e a gramática dos espectros. A partir da publicação do livro Espectros de Marx, de Jacques Derrida, o espectro entrou de forma definitiva no léxico da filosofia e do pensamento crítico. No texto, Derrida emprega a metáfora conceitual do assombro, dos fantasmas e dos espectros para responder ao espírito triunfalista que reinava no ocidente após a queda do muro de Berlim, quando chegou a ser declarada a morte do comunismo enquanto horizonte político. Mas se havia um cadáver do marxismo, Derrida nos mostrava agora que era preciso olhar para o seu espectro. Conversar com ele. A partir daí, o filósofo desenvolve a espectrologia, segundo a qual elementos do passado podem persistir e retornar para ‘assombrar’ os vivos. Ausências, rastros e memórias que operam como fantasmas. Com as ideias de Derrida e a posterior ‘virada espectral’, ocorre uma reabilitação do espectro, que passa a ser visto como uma ferramenta teórica com propósitos críticos disruptivos, capazes de revisitar o passado e reconhecer aqueles que foram fisicamente e simbolicamente banidos da história oficial.
Mas, se o próprio Derrida chegou a afirmar, em uma cena do filme Ghost Dance (Ken McMullen, 1983) que “o cinema é a arte dos fantasmas”, levantamos a questão: qual é o tipo de fantasma que costuma ser hegemonicamente representado no cinema? Nossa hipótese se baseia na ideia de que, no cinema, os fantasmas são fundamentalmente inspirados por uma representação moderna, que domina a cultura de massas desde o boom da ficção gótica britânica e alemã do século XVIII, passando pelos espetáculos de phantasmagoria com lanterna mágica e pelo surgimento da fotografia, que teve forte influência no pensamento do oculto e chegou a ser um importante catalisador para o desenvolvimento do espiritismo na França (KRAUSS, 2010). Além disso, esta representação hegemônica mantém muitas das premissas estéticas e narrativas da ficção gótica, que costuma associar ao fantasma uma carga de morte, choque, nojo, macabro e horror.
Seria justamente esta representação hegemônica europeia (que podemos também denominar de fantasma moderno ou gótico) que os realismos fantasmagórico e espectral parecem colocar em xeque. O primeiro é uma tendência do cinema do leste/sudeste asiático, com filmes que mesclam a estética fílmica do realismo a elementos formais e narrativos baseadas em cosmologias, religiões e sistemas de crenças não ocidentais, como o budismo e o animismo. São filmes que admitem a presença diegética de espectros, espíritos, divindades, monstros e criaturas míticas, sonhos premonitórios etc. Aqui, a obra do cineasta tailandês Apichatpong Weerasethakul é valiosa, principalmente em Memória (2021), filme que cruza o pacífico e estabelece uma ponte entre a Tailândia e a Colômbia, terreno, por sua vez, do realismo espectral.
Esta tendência latino-americana se pauta menos na presença diegética do fantasma e mais na construção de uma atmosfera espectral, através de técnicas narrativas que se baseiam no assombro para subverter as convenções do realismo clássico europeu. Aqui, elementos como a temporalidade desconjuntada, a primazia do não-ver, do desaparecimento e dos desaparecidos sobre a visão (elevada ao posto de sentido dominante pelo projeto moderno) são centrais. Em gesto similar ao realismo fantasmagórico, o realismo espectral parece atualizar as técnicas de representação do assombro, do luto e dos dilemas éticos e estéticos que rondam o trauma da violência na América Latina. Ambas as tendências parecem invocar espectros outros, que se afastam da representação europeia do fantasma gótico, mobilizam os mortos para dar conta dos ecos de um passado social traumático e retrabalham as injustiças e violências da exploração moderna.
Bibliografia
- ANDRIOPOULOS, Stefan. Aparições espectrais: o idealismo alemão, o romance gótico e a
mídia óptica. Rio de Janeiro: Contraponto, 2014
DERRIDA, Jacques. Espectros de Marx: o estado da dívida, o trabalho do luto e a nova
internacional. Rio de Janeiro, Relume Dumará, 1994.
GORDON, Avery. Ghostly Matters: Haunting and the Sociological Imagination.
Minneapolis: University of Minnesota Press. 2008
KRAUSS, Rosalind. O fotográfico. Barcelona: Gustavo Gilli, 2010.
MARTÍNEZ, Juliana. Haunting without ghosts: spectral realism in Spectral Realism in
Colombian Literature, Film, and Art. Austin: University of Texas Press, 2020.
MELLO, Cecília. Realismo fantasmagórico em Memória. Em: CALDAS, Manoela;
FERREIRA, Pedro Henrique (org.). Fantasmas da terra: a poética de Apichatpong
Weerasethakul. Rio de Janeiro: Editora Machado, 2024.
OWENS, Susan. The Ghost Story: a cultural history. London: Tate Publishing, 2019.