Ficha do Proponente
Proponente
- João Cláudio Simões de Oliveira (JC Oliveira) (PPGCine-UFF)
Minicurrículo
- JC Oliveira é cineasta, pesquisador e montador audiovisual. Doutorando em Cinema e Audiovisual na UFF (PPGCine), Mestre em Mídias Criativas pela ECO-UFRJ (PPGMC) e graduado em Cinema pela UFF.
Ficha do Trabalho
Título
- Montagem Infinita: a imersão do espectador-montador em telas sem bordas
Seminário
- Edição e Montagem audiovisual: reflexões, articulações e experiências entre telas e além das telas
Resumo
- A montagem é um dos pilares do que chamamos linguagem cinematográfica. Porém quando saímos da tela retangular do audiovisual tradicional e nos encontramos diante de uma tela sem bordas, como em experiências imersivas de realidade virtual e vídeo 360, a montagem final é feita pelo próprio espectador, que define enquadramentos, ritmo e “cortes”. Nasce, assim, o paradigma de uma montagem infinita, já que diferentes espectadores-montadores poderão fazer diferentes escolhas, indefinidamente.
Resumo expandido
- No cinema e, de forma geral, em todo o campo audiovisual, a tela é um elemento central. É numa tela em que as imagens em movimento são projetadas ou formadas eletronicamente. A relação do produto audiovisual com o espectador se dá através de uma tela. No entanto, enquanto que no cinema e na TV a tela é definida por um retângulo, em experiências audiovisuais imersivas, como na realidade virtual e no vídeo 360, a tela não possui bordas. Ou, como diria Manovich (2001, p. 97), ela desaparece. O espectador deixa de estar diante de um retângulo e passa a estar no centro de uma esfera. Através do olhar, esse espectador define enquadramentos, ritmo e “cortes”, tudo em tempo real. Ele se torna o montador final.
Ainda que a ideia de imersão sempre tenha sido uma promessa da experiência do cinema (Baio, 2015, p. 75-76), quando falamos de audiovisual imersivo, estamos nos referindo a trabalhos pensados para serem fruídos em headsets, projetados em domos, ou mesmo serem vistos em plataformas de vídeo online com suporte a conteúdo 360, como YouTube e Vimeo. Esse campo se insere naquilo que também é conhecido como realidades estendidas (ou simplesmente XR, do inglês extended realities). Uma das potências de trabalhos imersivos é justamente dar poder de escolha ao espectador, que também ganha a alcunha de interator ou usuário. Como cada pessoa faz suas próprias escolhas, deixar a montagem final sob responsabilidade de quem participa da experiência abre possibilidades narrativas e estéticas únicas.
Agora, o que significa, em termos de linguagem cinematográfica, relegar a montagem ao público?
Ao longo dos anos, diversos teóricos pensaram e escreveram sobre o poder da montagem. Sergei Eisenstein (2002, p. 13-29) afirmava que ao colocar dois trechos de filmes em justaposição, cria-se um novo significado, diferente em termos qualitativos de cada pedaço tomado em si. Térésa Faucon (2014, p. 105-113) recorre a Dziga Vertov para sugerir a ideia de uma energia na montagem, que surge na dinâmica do intervalo entre as imagens e entre filme e espectador. Porém, quantos diferentes significados podem ser criados a partir de imagens justapostas pelo próprio usuário? E como oscila a energia num intervalo que é definido por esse mesmo usuário?
Walter Murch (2004, p. 64-65) defende que nossa apreensão visual do mundo, é, em si, uma forma de montagem, que nós estamos editando a todo momento através dos nosso olhar, que cada piscada é um corte, e que, por isso, a montagem clássica do cinema funciona. Em uma experiência imersiva, podemos dizer, então, que reproduzimos essa lógica natural do sentido da visão, em que cada pessoa corta de uma maneira particular o conteúdo presente na tela ao seu redor.
No entanto, especialmente no vídeo 360, a figura do montador continua existindo. Por mais que tenhamos o resultado final feito pelo espectador-montador, a prévia seleção e encadeamento de imagens, sons e outros signos audiovisuais continua existindo. Podemos refletir sobre diferentes camadas de montagem, uma primeira, feita por um profissional numa ilha de edição, e uma segunda, e final, feita pelo usuário. Salles e Ruggiero (2019, p. 83) defendem que no campo imersivo o diretor cria narrativas espaciais em um enquadramento esférico e que aí surge o que chamam de coreografia da atenção, com técnicas que ajudam na condução da atenção do espectador. De forma similar, o montador também pode usar diversos artifícios para direcionar o olhar do usuário. Porém, a montagem final continua fugindo ao seu controle.
Talvez a imprevisibilidade e as diversas possibilidades devam ser totalmente assumidas no audiovisual imersivo. Diferentes pessoas, farão diferentes escolhas, diferentes cortes e, uma mesma pessoa poderá remontar uma determinada obra de maneiras distintas a cada nova apreensão, a cada nova experiência.
Portanto, experiências audiovisuais imersivas em telas sem bordas nos colocam diante de um novo paradigma: a montagem infinita.
Bibliografia
- BAIO, Cesar. Máquinas de Imagem: Arte, Tecnologia e Pós-Virtualidade. São Paulo: Annablume, 2015.
EISENSTEIN, Sergei. O sentido do filme. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002
FAUCON, Térésa. L’énergie de l’intervalle. In Le Montage comme articulation. Unité, séparation, mouvement. DEGENÈVE, Jonathan, SANTI, Sylvia (Org.). Paris: Presses Sorbonne Nouvelle, 2014.
GREENGARD, Samuel. Virtual Reality. Cambridge: The MIT Press, 2019.
HASSAPOPPOULOU, Marina. Interactive Cinema: The Ambiguous Ethics of Media Participation. Minneapolis: University of Minnesota Press. 2024.
MANOVICH, Lev. The Language of New Media. Cambridge: The MIT Press, 2001.
MURCH, Walter. Num Piscar de Olhos: a edição de filmes sob a ótica de um mestre. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004.
SALLES, Julia; RUGGIERO, María Laura. Narrativas Imersivas: Imaginando Múltiplas Realidades. In. BUG: Narrativas Interativas e Imersivas. PAZ, André; GAUDEZZI, Sandra (Org.). Rio de Janeiro: Editora Automática. 2019.