Ficha do Proponente
Proponente
- Marcelo Rodrigo Mingoti Müller (USP)
Minicurrículo
- Marcelo Müller é professor no Curso Superior do Audiovisual na ECA/USP e no PPGARTES/UFC. Pesquisador em Inteligência Artificial e Realidade Virtual, diretor e roteirista, formou-se pela ECA/USP (graduação, mestrado e doutorado) e pela EICTV (Cuba). Escreveu filmes como Infância Clandestina e O Outro Lado do Paraíso, séries como Encerrados e Brilhante FC e dirigiu o longa-metragem Eu Te Levo.
Ficha do Trabalho
Título
- Linha de Montagem x Rede: caminhos poéticos para a IA Generativa
Resumo
- Este trabalho investiga como a inteligência artificial generativa pode reorganizar o processo de realização cinematográfica, estruturado de forma linear desde o início do século XX. Propomos pensar o cinema com IA como uma rede dinâmica de ações simultâneas, articulando as ideias de criação em rede (Salles) e processamento paralelo das redes neurais (Boden), para identificar novas possibilidades poéticas a partir do uso do computador como ferramenta do pensamento (Grau).
Resumo expandido
- Entre os anos 1910 e 1920, a indústria cinematográfica se consolidou sob um modelo de produção industrial fordista, caracterizado pela divisão do trabalho em etapas lineares e especializadas. Thompson (1985) destaca que, por volta dos anos 1920, os estúdios hollywoodianos já haviam estabelecido claramente uma divisão de trabalho organizada para maximizar eficiência e previsibilidade. Caldwell (2008) observa que essa estrutura industrial clássica prevalece até hoje, mesmo diante de tecnologias digitais que poderiam oferecer alternativas.
Em contraposição à linearidade do processo de realização industrial, Salles descreve a criação artística como rede, em que a “simultaneidade de ações, ausência de hierarquia, não linearidade e intenso estabelecimento de nexos” (2006) presentes na construção da obra, evidencia um conflito entre a necessidade industrial de organizar a produção e as características intrínsecas dos processos de criação. Esse atrito, condicionado a questões práticas óbvias como a necessidade de filmar antes de editar, pode organizar-se de outras formas a partir das possibilidades poéticas do uso da Inteligência Artificial (IA) generativa na produção audiovisual.
Assim como as redes de criação, as redes neurais que também operam a partir de conexões e do processamento paralelo de uma imensa quantidade de elementos, substituindo a precisão lógica da linearidade pela probabilidade (Boden, 2016). Na prática da criação, a IA generativa possibilita ao artista que, simultaneamente e utilizando a mesma máquina, escreva, gere imagens, sons, músicas, vozes e falas enquanto edita, seleciona e refaz o material a partir do que vê e ouve. Assim, a criação de um filme tem a possibilidade de libertar-se da rigidez das etapas sequenciais da produção industrial e tornar-se um fluxo contínuo, iterativo, exploratório e multimodal em rede. Essa abordagem nos aproxima da forma como Boden descreve a criação no cérebro humano, com diversos elementos processados ao mesmo tempo, favorecendo a invenção por associação, recombinação e transformação (idem), potencializando a ocorrência de ações simultâneas, intervenções retroativas, reaproveitamento de material, tendências e acasos (Salles, 2006). Essa prática processual, não voltada para o produto final desde o início, possibilita a criação transversal: imagens nascem de sons, textos geram sequências visuais, referências culturais viram roteiros provisórios e, principalmente, a construção da obra ocorre no gerúndio: está sendo feita, está sendo testada, está sendo pensada. Na perspectiva inspirada por Boden e Salles, podemos pensar o cinema não mais como uma linha de montagem, mas como um campo de forças, conexões e movimentos simultâneos, onde a inteligência (humana e artificial) é ativada em tempo real para compor o sensível.
Esse estudo também considera que o computador deixou de ser apenas uma estação técnica de edição para tornar-se o centro da criação audiovisual em rede, de tal forma que a IA generativa aprofunda o deslocamento proposto por Manovich (2001) ao identificar que, com a digitalização, a câmera perde sua função central na realização ao transformar o artista em um programador que edita e gera conteúdo simultaneamente. Segundo Grau (2003), o computador é um aparato que transforma a concepção do artista através de um diálogo contínuo e por isso deve ser considerado como uma “thinktool”, que estabelece um processo que permite retificação de erros, duplicação, geração aleatória e recombinações, feedback contínuo e reversibilidade a partir de um amplo repertório de opções disponíveis.
Nesse contexto, a prática cinematográfica mediada pela IA generativa abre caminhos para a invenção de poéticas baseadas no diálogo entre o artista e as possibilidades oferecidas pela máquina, em um processo de montagem viva e contínua, em que o filme não se realiza em etapas estanques, mas permanece aberto e em constante reformulação.
Bibliografia
- BODEN, Margaret. A mente criativa: mitos e mecanismos. Tradução de Jeferson Luiz Camargo. Porto Alegre: Penso, 2016.
CALDWELL, John Thornton. Production Culture: industrial reflexivity and critical practice in film and television. Durham: Duke University Press, 2008.
GRAU, Oliver. Virtual Art: from Illusion to Immersion. Cambridge, MA: MIT Press, 2003.
MANOVICH, Lev. The Language of New Media. Cambridge, MA: MIT Press, 2001.
SALLES, Cecília Almeida. Redes da criação: construção da obra de arte. Vinhedo: Horizonte, 2006.
THOMPSON, Kristin. “The Formulation of the Classical Style, 1909–1928”. In: BORDWELL, David; STAIGER, Janet; THOMPSON, Kristin. The Classical Hollywood Cinema: Film Style and Mode of Production to 1960. New York: Columbia University Press, 1985, p. 155-240.