Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Marcos Vinicius Yoshisaki (USP)

Minicurrículo

    Marcos Vinicius Yoshisaki (Marcos Yoshi) é cineasta e doutor em Cinema pela Universidade de São Paulo (2024), com bolsa sanduiche na Universidade de Nagoya, Japão. Seu longa de estréia, “Bem-vindos de Novo” (2021), foi exibido em mais de 15 festivais e estreou nos cinemas brasileiros em 2023. Seu curta “Aos Cuidados Dela” (2020) teve estreia no Festival de Cinema de Tiradentes e venceu o Curta Taquary, enquanto “Quando o Céu Toca o Chão” (2012) foi premiado em diversos festivais universitários.

Ficha do Trabalho

Título

    Filmar fantasmas: fabulação e fantasmagoria em “Toshi Voltou do Japão”

Seminário

    Teoria de Cineastas: dos processos de criação à dimensão política do cinema

Resumo

    “Toshi voltou do Japão” é um longa documental experimental sobre Toshi, tio do diretor, já falecido, que imigrou ao Japão em 1990 e retornou ao Brasil após quatro anos, ao desenvolver transtornos mentais diagnosticados como esquizofrenia. O filme explora a memória fragmentada e o vazio deixado por sua ausência, propondo atos de fabulação em torno da noção de fantasmagoria.

Resumo expandido

    “Toshi voltou do Japão” é um projeto de longa-metragem documental, de caráter experimental, que dirijo e roteirizo e que atualmente está em fase de desenvolvimento. O filme acompanha a trajetória de Toshi, meu tio paterno, focando em sua experiência como imigrante no Japão a partir de 1990, dentro do movimento decasségui (KAWAMURA, 1999), e seu retorno ao Brasil quatro anos depois, após o desenvolvimento de transtornos mentais posteriormente diagnosticados como esquizofrenia.
    Entre internações em hospitais psiquiátricos e o uso diário de medicações controladas, Toshi viveu quase metade da vida sob o estigma e as limitações impostas por sua condição psíquica, até sua morte em 2022, aos 60 anos. Nunca voltou a trabalhar, não se casou, não teve filhos e manteve relações afetivas restritas ao núcleo familiar.
    Mesmo dentro da família – sendo o caçula de cinco irmãos – as memórias sobre ele são dispersas e fragmentadas. Sua presença foi se apagando gradativamente, tornando-se uma espécie de fantasma em vida. Após sua morte, ele teria se tornado, então, o fantasma de um fantasma?
    Essa é a questão central do filme: como contar a história de alguém sobre quem se sabe tão pouco? Com sua morte, suas motivações, desejos e perspectivas se perderam definitivamente. Restam apenas fragmentos dispersos, estilhaços de memória preservados por suas três irmãs e seu irmão.
    Diante dessa ausência, o filme assume o vazio como matéria de criação. Para isso, um ou mais atores são convocados para experimentar, em cena, diferentes possibilidades do que seria a figura espectral de Toshi. Essa abordagem não busca cristalizar sua imagem – como em reencenações tradicionais – mas explorar formas de existências fabulares, abrindo espaço para outras possibilidades de presença.
    Essa proposta se expande ao incorporar as experiências de outros homens nipo-brasileiros da geração de Toshi, muitos dos quais enfrentaram a dureza da imigração e problemas de saúde mental em silêncio. Sem acesso a suporte psicológico adequado, devido à sua condição de imigrantes, suas histórias permaneceram invisíveis. Nesse sentido, o fantasma de Toshi não é apenas individual, mas coletivo – uma representação das dores e apagamentos de uma geração de trabalhadores (GALIMBERTTI, 2002).
    O projeto se insere no campo da Pesquisa em Arte (BORGDORFF, 2008), pois a investigação se dá no próprio processo de criação do filme. O desenvolvimento da pesquisa e a realização do filme caminham juntas: enquanto a pesquisa orienta as escolhas artísticas, estas, por sua vez, desafiam e reconfiguram o percurso da investigação. Essa dinâmica propõe um diálogo entre diferentes regimes de conhecimento e sensibilidade.
    Já a apresentação explora como a fabulação é construída no filme, em diálogo com a noção de fantasmagoria. Seguindo Jacques Rancière (2009), a fabulação não se opõe ao real nem é mera invenção arbitrária, mas uma forma de reorganizar o sensível – deslocando narrativas dominantes e dando existência a realidades silenciadas.
    No caso de “Toshi voltou do Japão”, a fabulação emerge não apenas das lacunas deixadas por sua trajetória, mas de um conjunto de elementos que dialogam diretamente com a ideia de fantasmagoria. O filme se aproxima da concepção de assombração desenvolvida por Avery Gordon (2008), que aponta como traumas e violências históricas permanecem no presente, manifestando-se por meio de afetos e sensações que transcendem a racionalidade.
    Diante desse campo de investigação, o projeto busca explorar formas de incorporar a fantasmagoria como recurso estético e discursivo na própria linguagem do filme, ao mobilizar e articular elementos como os sentimentos de culpa e arrependimento da família, a performance do ator, as imagens em VHS produzidas no Japão pelos imigrantes, os depoimentos anônimos de outros homens da geração de Toshi, e as instalações abandonadas onde funcionava o hospital psiquiátrico em que Toshi esteve internado.

Bibliografia

    BORGDORFF, Henk. The conflict of the faculties: Perspectives on artistic research and academia. Leiden, Netherlands: Leiden University Press, 2012.

    GALIMBERTTI, Percy. O caminho que o dekassegui sonhou: cultura e subjetividade no movimento dekassegui. São Paulo: EDUC/FAPESP; Londrina: editora UEL, 2002.

    GORDON, Avery. Ghostly matters: haunting and the sociological imagination. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2008.

    KAWAMURA, Lili Katsuco. Para onde vão os brasileiros? Imigrantes brasileiros no Japão. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1999.

    RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível: estética e política. Trad. Mônica Costa Netto. São Paulo: EXO experimental org; Editora 34, 2009 (2ª edição).