Ficha do Proponente
Proponente
- Marcela Aguiar Borela (IFB e UFF)
Minicurrículo
- Formada em Comunicação Social (UFG, 2006), especialista em História Cultural: Poder, Imaginário e Identidades (UFG, 2008) e mestre em História (UFG, 2010). Cursa Doutorado em Estudos Contemporâneos das Artes (UFF, 2026). É professora do IFB – Instituto Federal de Brasília e produtora, pesquisadora, curadora e cineasta. Entre os seus filmes destacam-se os longas Taego Ãwa (2016) e Mascarados (2020), em co-direção com Henrique Borela, seu irmão. É uma das realizadoras do Fronteira Festival.
Ficha do Trabalho
Título
- Taego Ãwa e o que nós pensamos que fazemos quando fabulamos com arquivos
Seminário
- Arquivo e contra-arquivo: práticas, métodos e análises de imagens
Resumo
- Esta reflexão parte da expêriencia que vivencio, numa ordem material do sensível, o impacto das imagens de arquivo que encontrei há cerca de 20 anos e que deram origem ao filme Taego Ãwa (2016), corealizado por mim e por Henrique Borela, com o líder xamã Tutawa Ãwa (in memorian) e sua família (conhecidos como Avá-Canoeiros do Araguaia). Pego a palavra a partir de uma oniropolítica (DUNKER, 2022), habitando o encontro e agindo, organizando o gesto coletivo, fabulatório, estético-político.
Resumo expandido
- Há cerca de 20 anos tomei conhecimento de 5 fitas VHS que continham registros em vídeo dos povos Avá-Canoeiros, em especial, de uma família de recém-contato, na Ilha do Bananal, localizada no Tocantins. Era a família de Tutawa Ãwa. O ano é 2003 e estávamos na Manuel Alves, aldeia Krahô, município de Itacajá-TO. Ministramos, com outros estudantes da UFG, oficinas de comunicação para a montagem de uma rádio comunitária, projeto de extensão para fazer falar entre si as aldeias Krahô no maior território com extensão contínua de cerrado do mundo. Em conversa à noite na fogueira, o professor Nilton José, que coordenava nossos trabalhos, comentou a respeito de umas fitas dos anos 1980/90, captadas por um grupo de estudantes da FACOMB, que tinham sido gravadas com os Avá-Canoeiro.
Eu encontrei essas fitas VHS no retorno à universidade e elas ficaram lá em casa guardadas. Henrique, meu irmão, achou essas VHS e começou a assistir tudo, me convocando a uma compreensão. A maior parte das cenas eram faladas em Tupi e muitas vezes sugeriam, mesmo quando em português, situações que nos espantavam, fosse pela beleza, fosse pela violência. Depois disso, a partir de 2006, encontramos um volume significativo de mais imagens dos e sobre os ãwa. Mas havia uma dificuldade de logística, de ir à Ilha do Bananal, onde moravam. Em 2011, pela primeira vez e finalmente, fomos até a aldeia Canoanã com o intuito de “devolver” para a família de Tutawa as imagens que fizeram deles. Desse processo foi feito o filme Taego Ãwa.
Arquivo e fabulação – A aposta do filme Taego Ãwa passa por retirar os arquivos de alguns lugares e usá-los numa outra perspectiva – de luta e intervenção – a favor dos ãwa. Quem tem direito ao arquivo? A que e a quem o arquivo serve? Ao empreendimento-científico-financeiro das imagens? A realidade arrebatadora do arquivo, como fato histórico, se impõe. A ideia de documento, prova, fonte, segundo a ciência histórica – tradição científica do método historiográfico, ou seja, a escrita da história – é a base para um certo tipo de tratamento dado às fontes, sejam visuais, sonoras ou escritas, que aferem uma imanência do arquivo, como se ele fosse capaz de falar por si mesmo, e assim, determinar uma verdade sobre as narrativas do passado. Afirmamos essa realidade ambígua do arquivo, indicando o que transborda dessa existência factual: uma possibilidade de fabulação, de invenção de mundos, diferentes daqueles que fabricaram o próprio arquivo.
Um processo de criação de uma “política da nomeação” (RIBEIRO, 2016) foi instaurado ao longo do tempo. É sobre isso que discorreremos aqui. Esse processo é possibilitado pela fabulação, que cria enunciados coletivos construídos em situações extremas. Marcelo Ribeiro (2016) chamou de “trabalho mais amplo” na época do lançamento do filme. Ele diz que a política no filme existe tanto para “identificar os elementos da história que representa quanto para compreender o modo de mediação da experiência da história que torna possível o trabalho de representação e que insere o filme num trabalho mais amplo de imaginação do futuro a partir de uma releitura das evidências do passado” . Vital a separação feita, nesse caso, do que resulta a representação (o inevitável da interpretação e as condições do tempo histórico da obra), do que move o processo de produção simbólica (as relações). Para nós, a representação impõe impõe o que se pode dizer dela. A fabulação já é da ordem da nossa fabricação.
Marcelo (2016) acrescenta: “De um lado, a referência do mundo, o cinema como aparelho de registro e como discurso assertivo sobre uma realidade, cuja representação reclama uma sucessão de nomes próprios; de outro, a criação do mundo, o cinema como aparelho de fabulação e como discurso especulativo sobre o passado (por meio da encenação da memória) e sobre o futuro (por meio da performance do presente)”.
Aqui se anuncia o argumento do direito à fabulação, objeto da nossa reflexão que se desenvolve num doutorado.
Bibliografia
- BORELA, Henrique; BORELA, Marcela. Taego Ãwa. Goiânia: Barroca Filmes, 2016. Para assistir https://vimeo.com/335742144
DIDI-HUBERMAN, Georges. Imagens-ocasiões. Tradução Guilherme Ivo. São Paulo: Fotô Editorial, 2018.
DUNKER, Christian. Oniropolítica e Revolução. In: DUNKER, Christian, Heribaldo, MAIA, Jones, MANOEL. Marxismo, Psicanálise e Revolução. São Paulo: Lavra Palavra, 2022.
PANH, Rithy. As imagens que faltam. In: O Cinema de Rithy Panh. Catálogo Mostra de Cinema. Centro Cultural Banco do Brasil. Rio de Janeiro: CCBB, 2013.
RIBEIRO, Marcelo Rodrigues. Taego Ãwa: política da nomeação. In: incinerante.com, revista Janela. https://incinerrante.com/textos/taego-awa-politica-da-nomeacao/ Goiânia, 2016.
RODRIGUES, Patrícia de Mendonça. Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação: Terra Indígena Taego Ãwa. Brasília: FUNAI, 2012.